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Passei o dia pensando em Gabriela Patrícia. Jovem. 20 anos. Começou a morrer numa cama de motel, ao lado de (des)conhecidos imprudentes e negligentes. Ela confiou em um ex-ficante e na atual namorada dele, ambos profissionais da área da saúde, e tentou um aborto clandestino com um método questionável e irresponsável. Já ouvi relatos do esotérico cytotec e de brutais penetrações de objetos perfurantes, mas não foi o caso. 

Aconchegados pelo suposto conhecimento, o dentista e a enfermeira dissolveram um remédio oral em soro fisiológico e aplicaram um medicamento, que nem propriamente abortivo é, diretamente na veia de Gabriela, tentando estimular as contrações uterinas. Foi como envenená-la. Foi morte aplicada na veia. Mesmo com o socorro médico, sangue escorria e ela não resistiu muito tempo. 

Eles só chegaram ao método absurdo porque caíram em um golpe e não conseguiram comprar (ilegalmente) cytotec, medicamento indicado pela Organização Mundial de Saúde como método de aborto seguro, mas com venda proibida no país desde 1998. Sabendo que o aborto ideal (no hospital, com médicos e equipamentos) é uma realidade quase alucinógena no Brasil, casos em que a vítima é submetida a métodos acrobáticos revoltam. 

Comprar esse medicamento é crime, assim como o aborto em si. Nas condições oferecidas às mulheres que desejam abortar, a ilegalidade cria obstáculos que culminam em casos como o de Gabriela. Quem opta pelo aborto, se necessário for, cria seu próprio método. O mercado ilegal infla a falta de informação e os medicamentos falsificados. Nem por um segundo impede a prática, apenas agrega à morte. 

A irresponsabilidade do método também, nas entrelinhas, revela uma realidade cruel: preferiam que ela morresse do que continuasse grávida. Não há dados atualizados sobre o número de mulheres que morrem tentando realizar um aborto, como Gabriela. Em 2018, o Ministério da Saúde estimou que 1 milhão de abortos induzidos ocorram todos os anos no Brasil. Quantas mulheres morreram assim?

Aqui, já abandonei o leitor e vou compreender quem não quiser entender: o aborto seguro não deixa de carregar o peso da morte, mas é um pedido por vida. 

As palavras são incômodas… um pouco gráficas. Mas o assunto é desconfortável mesmo. “O aborto não admite consentimento”, me disse o delegado do caso ontem, claro, de acordo com a lei nacional. Admite o quê, então? Gabriela não queria gerar uma criança, mas essa discussão já se tornou exaustiva para todos nós. As mulheres já sabem que o Brasil não quer saber de abortos, independemente de motivo, idade, procedência. Acontece que, enquanto o tema for abominado, as mulheres continuam condenadas… não criminalmente, mas condenadas à morte.

Gabriela, sinto muito. 

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