“Há indício de prática de corrupção passiva pelo ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem”, diz PGR

03 janeiro 2024 às 16h06

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Mas uma crise no bolsonarismo radical: o deputado federal Alexandre Ramagem (PL) é apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como suspeito de “corrupção” na questão da “divulgação de informações sobre o uso irregular” de “software espião durante sua gestão” na Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A notícia foi divulgada pela “Folha de S. Paulo”.
Em outubro, a Polícia Federal prendeu oficiais da Abin apontados como suspeitos de participação na compra e uso do First Mile, software capaz de monitorar a geolocalização de aparelhos celulares, assinala reportagem da “Folha”. Alexandre Ramagem é amigo do ex-presidente Jair Bolsonaro, do senador Flávio Bolsonaro e do deputado federal Eduardo Bolsonaro. Servidores da Abin chegaram a ser presos e exonerados.
Na época, Alexandre Ramagem não foi atingido pela ação. Mas aparece no inquérito que é relatado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre Moraes. O deputado federal disse à “Folha” que “representou na Polícia Federal” com o objetivo de colher informações sobre as questões apontadas na reportagem.
“O Globo” foi o primeiro jornal a reportar que dois funcionários da Abin — supostamente envolvidos em fraude licitatória no Exército — revelaram o uso do First Mile. Eles foram presos pela PF e, em seguida, demitidos. Segundo a “Folha”, “são suspeitos de coerção ao utilizar o conhecimento sobre o uso do software espião para evitar a demissão em um processo disciplinar interno”.
Os ex-agentes Eduardo Izycki e Rodrigo Colli, segundo a PGR, “cientes do uso indevido do sistema First Mile para fins alheios a missão institucional da Abin, provocaram o ex-diretor-geral, Alexandre Ramagem, a retardar o julgamento do PAD 03/2019”.
A PGR frisa que Alexandre Ramagem, quando diretor, “convertido o julgamento em diligência, com a nomeação de nova comissão processante”, deixou “de submeter as conclusões da primeira comissão ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional, responsável por apreciar e decidir sobre esses casos”, anota a “Folha de S. Paulo”.
“Há indícios de prática de concussão e de corrupção ativa de Eduardo Izycki e Rodrigo Colli e de corrupção passiva pelo ex-diretor-geral da Abin Alexandre Ramagem”, postula a PGR.
À “Folha”, o advogado de Izycki e Colli — Rafael Adamek — ponderou que, como a investigação tramita sob sigilo, optaria por não comentar a acusação.
Alexandre de Moraes acatou o pedido de prisão dos ex-funcionários da Abin porque, dada a gravidade da denúncia, se precisa de provas que estão em posse de Izycki e Colli. A questão foi agravada porque Alexandre Ramagem, quando diretor da Abin, supostamente praticou “atos administrativos fora de sua competência” em defesa dos agentes.
“A potencial ciência e participação dos então responsáveis pela gestão da Abin ganha relevo quando, em ação extemporânea após o esgotamento do uso da ferramenta, constroem processo administrativo-correicional para garantir a legalidade a posteriori de suas ações”, anota a Polícia Federal.
Suspeita-se que, desde o governo de Michel Temer, chegando até 2021, diversas pessoas tenham sido monitoradas ilegalmente pelo soft espião. Investiga-se, então, o monitoramento e um possível acobertamento do monitoramento.
A PF sugere que a investigação aponta para a “apropriação indevida da Abin por parte dos altos gestores, em sua maioria policiais federais, com o fim de reduzir o órgão ápice do sistema brasileiro de inteligência a instrumento para fins ilícitos”.
A Polícia Federal considera que Abin tinha ciência, desde o início, do “caráter invasivo do software e de sua capacidade de invadir a rede de telefonia nacional”.
“O Estado brasileiro efetuou o pagamento de R$ 5 milhões para empresa estrangeira realizar ataques sistemáticos à rede de telefonia nacional para comercializar dados pessoais sensíveis que resultaram na disponibilização da geolocalização de diversos cidadãos brasileiros sem qualquer ordem jurídica”, sustenta a PF. Foram investigados políticos, advogados, professores etc.
A Abin garante que a ferramenta não é mais utilizada desde maio de 2021.
A PF também apura se há investigações por parte do Exército, uma vez que também tem o software.