Guia “Fui eleita, e agora?” orienta prefeitas e vereadoras no início do mandato e fortalece presença de mulheres na política

19 agosto 2025 às 13h59

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Após dois anos de pesquisas e entrevistas, o projeto De Olho nas Urnas, coordenado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), lançou o Guia ‘Fui eleita, e agora?’, uma publicação gratuita voltada a prefeitas e vereadoras que desejam compreender melhor o funcionamento da máquina pública e conduzir mandatos inclusivos. O material se completa a uma série de manuais elaborados pelo projeto De Olho nas Urnas, iniciativa que acompanha a participação feminina nas eleições municipais de 2020 e 2024.
Escrito em linguagem acessível, ilustrado pela artista visual TheKarynnee, o guia apresenta 12 capítulos com orientações práticas para a gestão pública municipal, abordando desde a construção de mandatos inclusivos até estratégias de prevenção à violência política de gênero.
Ao longo do período de pesquisa, a equipe multidisciplinar reuniu dados, entrevistas e análises para subsidiar as mulheres que ocupam cargos eletivos. Segundo a pesquisadora responsável pelo material, Aline Hack, o projeto vai além do diagnóstico, ele oferece caminhos para fortalecer a atuação política feminina. Em entrevista ao Jornal Opção, ela destacou que o guia reflete a experiência acumulada pelo De Olho nas Urnas para observar as barreiras enfrentadas por mulheres na política.
Aline ressalta que “além de mapear os desafios que as mulheres enfrentam para ingressar na política, nós queríamos garantir a elas ferramentas para que elas pudessem, quando decidirem competir politicamente, por cargos eletivos, ou caso entrem nesses cargos, tenham sucesso”.
Nesse sentido, o guia foi construído como instrumento pedagógico e jurídico, capaz de orientar desde questões institucionais, como regras constitucionais e leis federais, até aspectos sociais, como o enfrentamento à discriminação. A pesquisadora enfatiza que os desafios são muito semelhantes em todos os municípios, independentemente do porte da cidade, pois a barreira de gênero continua sendo um obstáculo comum.
“É claro que nós estamos falando de mais de 5.500 municípios no Brasil que possuem regramentos próprios, mas que ainda assim são regidos pela Constituição, pelas leis Federais, estaduais, e que guardam algumas semelhanças. Os desafios para as mulheres são muito similares nesse sentido, das dificuldades de acessar esses ambientes, da discriminação em razão de serem mulheres”, ressaltou.
O Guia não surgiu de forma isolada. Ele complementa duas outras cartilhas lançadas anteriormente: a “Construindo Igualdade de Gênero nas Eleições 2024”, voltada às candidatas em fase de campanha, e a “Mulheres de Olho na Democracia Brasileira”, que reforça a importância da participação feminina no fortalecimento democrático. Com isso, os três materiais se complementam e oferecem desde noções básicas sobre democracia até estratégias para quem já ocupa cargos eletivos.
Além disso, o material incorpora aprendizados obtidos diretamente com mulheres candidatas. A equipe de pesquisa realizou entrevistas anônimas, mas também recebeu colaborações voluntárias de políticas que quiseram compartilhar experiências. Assim, o conteúdo foi elaborado com base em realidades vividas por mulheres de diferentes estados, partidos e trajetórias.
Desafios de 2026: mais mulheres na política?
Com a proximidade das eleições de 2026, cresce o debate sobre o futuro da representatividade feminina no país. Para Aline Hack, há perspectiva de avanço, mas somente se houver fiscalização e cumprimento das cotas de gênero. Ela defende que “podemos ter mais mulheres na política, sim, mas isso envolve um trabalho coletivo que passa pela atuação do Congresso, do Judiciário e do Ministério Público na garantia da legislação eleitoral”.
A pesquisadora lembra ainda que o financiamento de campanhas é determinante. Um dos achados da pesquisa mostra que, “apenas um real a mais na campanha faz uma diferença enorme para uma candidata”, evidenciando a desigualdade de recursos entre homens e mulheres.
Outro ponto trazido pelo projeto é o aumento da violência política contra mulheres. Nos três meses que antecederam as eleições de 2024, foram registrados 104 casos de violência noticiados, contra 94 em 2020. Além disso, a pesquisa identificou o descumprimento do tempo de propaganda obrigatória destinado a mulheres e pessoas negras. Dos 19 partidos analisados em nove cidades, ao menos 12 descumpriram as regras, sobretudo em partidos como Partido Liberal (PL), Partido Verde (PV) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB), com 78%, 63% e 56% de descumprimento, respectivamente.

Sobre esse tema, Aline reforça que o guia também atua como ferramenta de proteção: “O guia traz como essas mulheres podem, quais são os canais de denúncia que elas podem buscar em casos de violência, quais são os órgãos públicos que podem garantir que essa violência seja decentemente investigada e punida”.
O sucesso do projeto foi garantido por uma ampla rede de parcerias. O De Olho nas Urnas contou com financiamento do Observatório Nacional de Mulheres na Política (ONMP), da Câmara dos Deputados, e apoio do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos (NDH/UFG). Entre os nomes envolvidos estão a professora Angelita Pereira de Lima, reitora da UFG, o professor Djaci David de Oliveira, além de coordenadoras técnicas como Aline Hack, Ana Paula Castro e Luana Borges.
A equipe foi composta por cerca de 60 pesquisadoras e pesquisadores de diferentes áreas, incluindo Sociologia, Ciência Política, Direito, Estatística e Comunicação. Universidades brasileiras, como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Brasília (UnB), e estrangeiras, como a Universidade de Coimbra, também participaram. “Esse trabalho só foi possível graças ao conhecimento de muita gente que trabalhou junto de forma interdisciplinar e multidisciplinar”, enfatizou Hack.
Embora três etapas já tenham sido concluídas, a análise das eleições de 2020, 2024 e o comparativo entre os dois períodos, a continuidade do projeto depende de novos recursos. “Nós temos um desejo muito grande de dar continuidade ao projeto, principalmente com o visto das eleições do ano que vem. O que nós precisamos é de apoio financeiro mesmo, porque quando há interesse de pesquisar, nós temos um campo muito vasto de pesquisa”, explica Aline Hack.
A expectativa é expandir os estudos para outros cenários, incluindo eleições estaduais e nacionais, e seguir produzindo materiais práticos para fortalecer a presença feminina na política brasileira.
Ao final da entrevista, Aline deixou uma mensagem de incentivo: “Quero dizer para as mulheres no mundo político que elas não estão sozinhas, que as mulheres, elas podem concorrer, devem concorrer e elas têm apoio, elas têm apoio da sociedade, elas têm o apoio do poder público e da sociedade e elas podem acreditar, sim, que elas são capazes de exercer esses cargos e exercer muito bem, exercer com justiça, com democracia”.
O Guia “Fui eleita, e agora?” está disponível aqui e gratuitamente no site do projeto De Olho nas Urnas. Além das cartilhas e do guia final, o portal reúne análises, relatórios e dados sobre a participação das mulheres na política brasileira.