Grupo de pesquisadores defende menos burocracia na pesquisa científica com cannabis
22 dezembro 2025 às 16h54

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Um grupo de 58 pesquisadores de diferentes regiões do país entregou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) um documento técnico-científico com propostas para aperfeiçoar a regulamentação do cultivo de cannabis para fins científicos e terapêuticos no Brasil.
A iniciativa busca subsidiar o debate regulatório com base em evidências científicas atualizadas e nas condições reais enfrentadas por universidades, centros de pesquisa e pesquisadores brasileiros.
Entre as instituições signatárias está a Universidade Federal de Lavras (UFLA), representada pelo Centro Biotecnológico de Plantas Psicoativas (CBPP), unidade de referência nacional na área.
O centro é coordenado pela professora Vanessa Cristina Stein, do Departamento de Biologia do Instituto de Ciências Naturais. No documento encaminhado à Anvisa, os pesquisadores defendem um marco regulatório mais proporcional ao risco real da pesquisa científica com a Cannabis sativa.
Entre os principais pontos estão a redução de entraves burocráticos, a adoção de autorizações institucionais, em substituição a permissões fragmentadas por projeto, e a revisão de limites técnicos sem consenso científico internacional.
Um dos exemplos citados é o teto prévio de 0,3% de THC, substância associada a efeitos psicoativos. Segundo os pesquisadores, esse limite não considera a diversidade genética da planta nem as diferentes finalidades científicas e terapêuticas das pesquisas.
O texto também ressalta a importância de pesquisas realizadas em contextos reais, inclusive aquelas desenvolvidas em parceria com associações de pacientes, como forma de ampliar o conhecimento científico e contribuir para o desenvolvimento de tratamentos baseados em evidências, especialmente no campo da saúde pública.
Assinam a contribuição especialistas das áreas de agronomia, genética vegetal, química analítica, farmacologia, toxicologia, neurociências, medicina, saúde pública e pesquisa clínica, vinculados a universidades públicas, comunitárias e privadas, além de institutos federais e centros de pesquisa de várias regiões do Brasil.
Advogado aponta ausência de regulamentação como principal entrave
Em entrevista ao Jornal Opção, o advogado especialista em regulação da cannabis Wesley César avalia que o maior obstáculo jurídico no Brasil não está na Constituição, mas na falta de regulamentação efetiva pelos órgãos federais.
“O principal entrave hoje é que nem a Anvisa nem o Ministério da Agricultura conseguem regulamentar e fiscalizar. Eles não criam regras claras, mesmo com decisões do STJ dando prazos para que isso fosse feito”, afirma.
Segundo ele, há alinhamento constitucional quanto ao direito à pesquisa científica e à saúde, mas ausência de normas práticas. “A Constituição garante a pesquisa científica e o direito à saúde, e os tribunais reconhecem isso. O problema é que a Anvisa não estipulou quais são as regras. Sem regulamentação, o mercado e as universidades não conseguem avançar”, explica.
De acordo com o advogado, a definição de limites técnicos, como o percentual de THC e de CBD, não depende de mudança na lei. “Não precisa mudar a lei porque não existe uma lei específica. O que precisa é a Anvisa regulamentar, dizer qual percentual será aceito, quem pode pesquisar e como isso será feito”, diz.
Ele acrescenta que hoje não há definição clara se pesquisas podem ser conduzidas por universidades, associações, empresas ou instituições públicas como a Embrapa, o que gera insegurança jurídica.
Cânhamo sem THC surge como alternativa regulatória
Durante a entrevista, Wesley César cita uma pesquisa recente desenvolvida por uma universidade dos Estados Unidos, que resultou no BEDG, um tipo de cânhamo 100% livre de THC e de CBD. “Esse produto elimina o principal problema do Brasil, que é o controle. Ele é facilmente identificável, tem folha vermelha e não possui nenhum composto psicotrópico”, afirma.
Segundo o advogado, o cânhamo é usado inclusive na construção civil e poderia ser uma solução inicial para destravar o debate regulatório no país. “Visualmente, você bate o olho e sabe que não é cannabis psicoativa. Isso resolve o problema da rastreabilidade e do desvio, que hoje preocupa tanto os órgãos de controle”, explica.
Para o especialista, manter um modelo regulatório excessivamente restritivo pode trazer prejuízos ao país no médio e longo prazo. “O Brasil tem condições de estar entre os grandes produtores mundiais, gerar emprego, renda e até exportar produtos medicinais. O risco é não conseguir controlar e, por isso, não liberar nada”, afirma.
Ele ressalta que experiências internacionais mostram que o controle é possível quando há regras claras. “Nos Estados Unidos, se a plantação ultrapassa o limite de THC permitido, ela é descartada. Existe fiscalização e rastreabilidade. No Brasil, isso ainda não existe”, conclui.
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