Um estudo publicado nesta semana pela revista científica The Lancet Regional Health – Americas revelou que mais de 40 mil crianças e adolescentes goianos sofreram a perda de pais ou cuidadores durante os dois primeiros anos da pandemia de Covid-19. O levantamento é o primeiro a estimar, em nível estadual, os impactos do luto infantil causado tanto pela Covid-19 quanto por outras causas de mortalidade no Brasil.

De acordo com o artigo, assinado por pesquisadores da Universidade de Oxford, da USP, da UFMG, do Ministério Público de São Paulo e da Organização Mundial da Saúde (OMS), Goiás registrou 22,8 mil casos de orfandade por todas as causas, o equivalente a 12,4 crianças órfãs a cada mil menores de idade.

Além disso, 17,5 mil crianças perderam avós ou outros parentes idosos que moravam no mesmo domicílio, o que eleva o total de menores impactados pela morte de pais ou cuidadores diretos para mais de 40 mil entre 2020 e 2021.

A análise, baseada em dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade e da Pesquisa Nacional de Saúde, estima ainda que 6 mil crianças em Goiás ficaram órfãs em decorrência direta da Covid-19, enquanto 4,6 mil perderam avós ou cuidadores idosos infectados pela doença. No total, quase 11 mil menores de 18 anos no estado foram afetados por mortes associadas ao coronavírus.

Em termos proporcionais, o Estado apresentou 3,3 órfãos de Covid-19 a cada mil crianças, taxa superior à média nacional, que ficou em 2,8 por mil. A incidência goiana se aproxima de estados do Centro-Oeste e Norte, regiões que tiveram algumas das maiores taxas de mortalidade por Covid-19 no país.

Desigualdade regional e vulnerabilidade social

Os pesquisadores destacam que a pandemia escancarou desigualdades pré-existentes. “Os estados mais afetados combinam alta mortalidade com maior vulnerabilidade socioeconômica”, diz o estudo. Mato Grosso, por exemplo, teve a pior taxa do país (4,4 órfãos por mil crianças), enquanto Pará apresentou o menor índice (1,4 por mil).

Para os autores, os dados revelam que a perda de pais e cuidadores diretos amplia o risco de pobreza, evasão escolar e insegurança alimentar entre crianças. “A ausência de políticas nacionais para identificar e amparar órfãos é uma lacuna grave. O Brasil tem uma oportunidade única de usar seu sistema de registro civil para conectar essas crianças a programas sociais”, afirmam.

Brasil teve 1,3 milhão de menores afetados

Em todo o país, 1,3 milhão de crianças e adolescentes perderam pais, avós ou outros cuidadores entre 2020 e 2021. Deste total, 673 mil ficaram órfãos de mãe, pai ou ambos, e 635 mil perderam avós ou parentes idosos com quem residiam. A Covid-19 foi responsável por cerca de 284 mil desses casos.

As maiores concentrações de órfãos foram registradas em São Paulo (239 mil crianças afetadas), Rio de Janeiro (114 mil) e Minas Gerais (104 mil). Goiás aparece em posição intermediária, mas com taxas superiores à média nacional.

Repercussões e políticas públicas

O levantamento cita ainda a Lei nº 14.717/2023, que criou uma pensão especial para filhos de vítimas de feminicídio, como exemplo de avanço pontual, mas defende a criação de um programa nacional de proteção às crianças órfãs por causas diversas, incluindo epidemias, violência e acidentes.

Entre os fatores de destaque do artigo está o fato de que o Brasil, e especialmente alguns municípios, têm uma ferramenta singular: o campo obrigatório em certidões de óbito que identifica se o falecido tinha filhos menores. Em Campinas, essa informação foi usada por uma promotora de Justiça para rastrear e auxiliar órfãos da pandemia, prática que os autores sugerem poder ser expandida a estados como Goiás, onde a rede do Ministério Público e dos conselhos tutelares já possui capilaridade suficiente para operacionalizar a triagem e o encaminhamento social.

O estudo, financiado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e pela Fundação Moderna, reforça que fortalecer os sistemas de registro civil e integrar dados de mortalidade com políticas de assistência social pode “colocar as crianças no centro da resposta pública”.

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