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Aglutinar 70% dos municípios brasileiros daria à esfera municipal melhor saúde fiscal e maior autonomia de operação. É o que aponta o estudo “Arranjos federativos e federalismo fiscal: uma proposta de fusão municipal no Brasil”, publicado nos Cadernos Gestão Pública e Cidadania nesta quinta-feira, 31. 

Segundo os autores Amarando Francisco Dantas Junior e Josedilton Alves Diniz, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), esse corte seria resultado de uma fusão sistemática de municípios e levaria à criação dos amálgamas municipais, novas entidades resultantes da aglutinação de municípios limítrofes entre si. 

Eles analisam os possíveis benefícios do processo como resposta aos desequilíbrios causados pelo excesso de descentralização do sistema federativo brasileiro. Ao todo, seriam afetados 95,4% dos municípios do país. “Seria uma saída que no fim de tudo geraria muito desenvolvimento em especial para as áreas mais interioranas, onde encontram-se municípios com 5.000 habitantes ou menos”, diz Amarando Junior

Os pesquisadores partem do princípio que a Constituição Federal de 1988 deu as condições favoráveis para o surgimento de novos micro e pequenos municípios que, responsáveis por gerir e financiar bens e serviços públicos, não conseguem captar o dinheiro necessário de tributos locais e por isso dependem de transferência intergovernamental para se manter. Ocorre, assim, um cenário de descentralização da gestão de serviços públicos, ao passo que a receita é centralizada para a União.

Amarando Junior cita como exemplo a gestão de pequenas cidades na área da saúde, muitas vezes direcionado ao transporte de pacientes. “Dadas as limitações operacionais de micro e pequenos municípios, é comum que se providencie apenas o transporte dos moradores para que eles recebam tratamento de saúde em municípios um pouco maiores daquela região”.

Os autores se propuseram a analisar os benefícios esperados que a fusão de municípios poderia trazer. Eles estabelecem que, para participar do processo, os municípios devem ter até 119.213 habitantes, ser limítrofes entre si e estar contidos no mesmo estado-membro. A proposta parte da lógica de que municípios pequenos tendem a apresentar menor Esforço Fiscal de Arrecadação — indicador que mede quanto da receita é proveniente de arrecadação própria em relação à receita total. O modelo elaborado funde municípios limítrofes com base nesse critério, priorizando a união entre entes vizinhos com capacidades fiscais complementares.

A partir desse recorte, os pesquisadores analisaram dados populacionais e contábeis do período de 2013 a 2021 de 5.567 municípios brasileiros. Ficaram de fora da amostra Brasília (DF), por sua especificidade político-administrativa, e Fernando de Noronha (PE) e Ilhabela (SP), por não fazerem divisa com outros municípios. Com os dados, eles criaram um modelo matemático para fazer combinações e maximizar o Esforço Fiscal de Arrecadação (EFA) da esfera municipal com o aumento populacional dos municípios. Os resultados, então, foram analisados para verificar os impactos de aumentar a EFA e comparar os cenários pré e pós-criação de amálgamas.

Os pesquisadores estimam que uma redução de 70% no número de municípios elevaria em 36% a capacidade de autossuficiência operacional, ou seja, a capacidade das cidades custearem suas despesas correntes com receitas próprias; e diminuiria em 25,7% os desequilíbrios fiscais entre elas, promovendo maior equilíbrio regional. No entanto, reconhecem que apesar dos ganhos esperados a aplicação prática dessa proposta esbarra em barreiras constitucionais: o atual ordenamento jurídico brasileiro não prevê a fusão sistemática de municípios nem a criação de novos entes a partir dessa reorganização. Para Amarando Junior, trata-se de um debate pouco explorado no país porque “temos uma estrutura política muito consolidada e robusta que se alimenta financeiramente dos pequenos municípios”.

Por outro lado, a pesquisa oferece subsídios ao aprimoramento de políticas públicas para a racionalização do modelo federativo brasileiro, em especial no campo fiscal. Se levado a cabo, cidades deixariam de existir e novas seriam criadas, o que mexeria com os sistemas públicos municipais, responsáveis pelos empregos e pela renda de micro e pequenas cidades. A pesquisa foi feita antes da aprovação da reforma tributária. Embora ela não esteja no escopo da análise, Amarando Junior diz que “a depender de como for conduzida a reforma, municípios vão passar a ser ainda mais dependentes de transferências de outras esferas do governo, em especial do governo federal”.
Fonte: Agência Bori