EUA derrubam sobretaxas e reabrem mercado: Goiás volta a ganhar fôlego nas exportações de café e carne
22 novembro 2025 às 21h00

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A revogação integral das sobretaxas aplicadas pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros encerra um período de forte tensão comercial e diplomática e representa uma vitória direta para setores estratégicos de Goiás, especialmente café, carne, açúcar e alimentos processados. O desmonte do tarifaço — que havia elevado impostos de importação a até 50% — reabre espaço para a retomada das exportações goianas e altera o humor de produtores e indústrias que sofreram impactos expressivos ao longo de 2025.
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Como foi o tarifaço e por que ele caiu
Os Estados Unidos iniciaram 2025 impondo uma tarifa adicional de 10% sobre vários produtos brasileiros. Em julho, a medida foi ampliada drasticamente, chegando a 50% — uma sobretaxa que afetou diretamente cadeias goianas de carne, café, açúcar, tomate industrial, banana, açaí e derivados.

O governo norte-americano justificou o tarifaço como resposta a disputas diplomáticas e a supostos desequilíbrios comerciais. No Brasil, o impacto foi imediato: empresas suspenderam contratos, margens se comprimiram e cadeias inteiras entraram em estado de alerta.
No entanto, pressões internas nos EUA — inflação de alimentos, reação do varejo, lobby dos importadores e eleição de meio de mandato — e externas — pressão diplomática do Itamaraty, Fieg/CNI e associações setoriais como Cecafé e Abiec — levaram Washington a rever a estratégia.
Em novembro, Donald Trump assinou a ordem executiva derrubando completamente as sobretaxas, tanto a parcela de 10% quanto os 40% acrescidos em julho. O tarifaço, portanto, foi encerrado.
O que muda para Goiás agora
Com o fim das tarifas, o Estado volta a operar em condições de normalidade no mercado mais rico do mundo.
Café
- Goiás exportou US$ 11,5 milhões (2024) e caiu para US$ 9,1 milhões (2025) durante o tarifaço.
- Com a queda completa das sobretaxas, o produto volta a ser competitivo no varejo americano, que depende fortemente do café brasileiro.
- Cafés especiais, em particular, têm potencial de recuperação acelerada.
Carne bovina
- Exportações saltaram de US$ 150,3 milhões (2024) para US$ 236,3 milhões (2025) apesar das tarifas.
- Sem sobretaxa, frigoríficos goianos projetam expansão para 2026, inclusive em cortes premium.
- Objetivo do setor: recuperar contratos suspensos e ampliar participação no food service americano.
Açúcar e derivados
- Setor severamente afetado pelas sobretaxas.
- Agora, volta a ter margem competitiva na indústria alimentícia e bebidas dos EUA.
Benefício transversal
Com o fim das tarifas:
- indústrias goianas reduzem custos operacionais;
- reativam carteiras de exportação;
- reabrem negociações com trading houses;
- ganham previsibilidade cambial e comercial.
“Brasil alimenta o mundo”: o que o fim das sobretaxas revela sobre o agro goiano
O 2º vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (FAEG), Enio Jaime Fernandes Júnior, concedeu entrevista ao Jornal Opção para analisar o impacto do desmonte das tarifas impostas pelos Estados Unidos às exportações brasileiras e, em especial, às cadeias produtivas de Goiás. Para ele, a retirada completa das sobretaxas é um reconhecimento explícito da força, da qualidade e do peso estratégico do agro nacional na economia internacional.

“Não é saudável brigar com um dos seus maiores clientes”
Enio afirma que a decisão norte-americana encerra um período de tensão artificial entre dois parceiros comerciais históricos. Ele destaca que o Brasil é um fornecedor estrutural para o mercado americano:
Essa decisão mostra várias coisas. Primeiro, o alívio. Não é saudável para um vendedor, um produtor, brigar com um dos seus maiores clientes, que são os Estados Unidos. O fim das sobretaxas restabelece normalidade.
Segundo ele, a reversão da medida comprova, na prática, que o agro brasileiro desempenha papel-chave na estabilidade dos preços internacionais.
Para Enio, o fim do tarifaço é mais do que um gesto diplomático: é a confirmação de que o Brasil se tornou uma engrenagem indispensável para a segurança alimentar global.
Quando o Brasil vai mal na agricultura, o mundo paga mais caro pela comida. As regiões mais pobres sofrem. Já as mais ricas compram de qualquer jeito, independentemente do preço. Isso mostra que o Brasil é fundamental para a segurança alimentar mundial.
O especialista alerta que, em um cenário de inflação internacional de alimentos, choques de oferta como o gerado pelas sobretaxas tendem a provocar efeitos dominó em mercados globais.
Enio reforça que a retirada das tarifas tem um significado adicional: a chancela internacional do padrão brasileiro de produção.
Ninguém consegue entrar no mercado americano se não tiver qualidade, se não tiver responsabilidade ambiental. O produtor brasileiro provou isso. E o Brasil acaba de acessar o mercado japonês para carnes, que é um dos mais exigentes do mundo.
A entrada no Japão é, para ele, uma vitória simbólica e técnica:
Você não entra no Japão se desrespeitar meio ambiente. Você não entra no Japão se não tiver altíssima qualidade. Isso comprova muita coisa sobre o agro brasileiro.
Durante a vigência das sobretaxas, o Brasil registrou recordes de exportação:
- carne bovina,
- aves e suínos,
- soja,
- milho,
- farelo,
- óleo vegetal,
- açúcar,
- etanol de milho.
Para Enio, isso revela a força estrutural do setor:
“Mesmo com tarifaço, nossas exportações foram recordes. E o mais curioso: os preços internos não subiram na mesma proporção. Isso mostra que estamos produzindo muito e com competição interna forte.”
Segundo ele, o agronegócio brasileiro está ampliando produção em praticamente todas as frentes, de grãos a proteínas animais.
Avanço importante, mas produtos goianos continuam penalizados
A Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg) avalia a decisão do governo norte-americano de retirar a sobretaxa de 40% que vinha sendo aplicada a produtos brasileiros. A entidade reconhece que a medida representa um avanço significativo na redução do tarifaço e melhora o ambiente para parte das exportações nacionais. No entanto, enfatiza que diversos produtos goianos seguem fortemente afetados, sobretudo açúcar orgânico e vermiculita, que continuam sujeitos a barreiras tarifárias impostas pelos Estados Unidos.
Em nota enviada ao Jornal Opção, a Fieg classificou a decisão como um “alívio importante ao setor produtivo brasileiro”, por sinalizar uma diminuição da hostilidade comercial e abrir espaço para a normalização das relações bilaterais. A federação destacou que atuou, desde o início da crise tarifária, como interlocutora estratégica junto à Confederação Nacional da Indústria (CNI) e às autoridades norte-americanas, contribuindo para a reabertura dos canais de diálogo entre Brasília e Washington.
A federação, porém, reforça que o desmonte do tarifaço está incompleto. Produtos de grande relevância para Goiás — como o açúcar orgânico, utilizado na indústria alimentícia e farmacêutica, e a vermiculita, insumo essencial para diversos segmentos manufatureiros — ainda permanecem taxados. Segundo a entidade, trata-se de setores cuja competitividade internacional foi diretamente comprometida, e que ainda carecem de uma solução definitiva nas negociações em andamento.
As sinalizações são positivas. A retirada da tarifa de 40% sobre uma extensa lista de itens é um aceno relevante — e praticamente impensável alguns meses atrás. Mas Goiás ainda tem produtos estratégicos que seguem penalizados e precisam ser completamente desonerados, afirma a nota.
A Fieg avalia que as recentes manifestações públicas do presidente Donald Trump, indicando abertura para novas rodadas de cortes tarifários, são um sinal de que as conversas podem avançar. A entidade afirma que continuará atuando para que o mesmo espírito de cooperação diplomática que permitiu a derrubada das sobretaxas se estenda também aos setores ainda prejudicados.
“A Federação das Indústrias de Goiás seguirá acompanhando com atenção a evolução das negociações e continuará defendendo um ambiente econômico estável, com regras previsíveis e orientado pelo interesse mútuo no desenvolvimento da indústria brasileira, em especial a goiana.”
Segundo a entidade, o objetivo agora é consolidar o ciclo de abertura comercial, eliminar barreiras remanescentes e garantir que as empresas goianas possam competir em igualdade de condições no mercado mais rico do mundo.
