Estudo global contesta queda da desigualdade no Brasil
11 dezembro 2025 às 19h44

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Um relatório internacional divulgado nesta quarta, 10, reacendeu o debate sobre a desigualdade no Brasil e colocou em lados opostos conclusões apresentadas pelo governo federal e por pesquisadores do World Inequality Lab, grupo que reúne economistas como o francês Thomas Piketty. Segundo o World Inequality Report 2026, a renda concentrada no topo aumentou entre 2014 e 2024. O estudo aponta que o Brasil se tornou ligeiramente mais desigual no período e permanece “entre os países mais desiguais do mundo”.
A leitura contraria a nota técnica recentemente publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que indicou queda na desigualdade e registrou, para 2024, o menor nível em 30 anos. A publicação também mostrou aumento de renda entre os mais pobres e redução da pobreza ao menor patamar das últimas três décadas, dados celebrados pelo governo Lula.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, porém, afirmam que a metodologia do Ipea não capta com precisão os rendimentos dos mais ricos, principal motivo para a controvérsia. A análise do instituto se baseia apenas na Pnad, pesquisa domiciliar do IBGE, que tende a subestimar ganhos de empregadores e pessoas de alta renda, sobretudo aqueles oriundos de patrimônio e investimentos.
Os próprios autores da nota técnica reconhecem as limitações, mas justificam o uso dos dados pela maior atualidade da Pnad. “Nossa análise é inteiramente baseada em pesquisas domiciliares, que possuem dificuldades para captar rendimentos financeiros e do capital”, disse o Ipea.
Relatório internacional vê aumento da concentração
O estudo global combina dados da Pnad com informações da Receita Federal, consideradas mais precisas para retratar a renda do topo. O relatório mostra que os 10% mais ricos detinham 57,9% da renda nacional em 2014 e passaram para 59,9% em 2021, com leve queda para 59,1% em 2024. Já a fatia dos 50% mais pobres recuou de 10,7% para 8,2% no período, recuperando-se parcialmente depois.
O indicador usado pelo laboratório, que divide a renda dos 10% mais ricos pela renda dos 50% mais pobres, subiu de 53,7 para 63,5 entre 2014 e 2024. Para os autores, pesquisas domiciliares isoladas “criam uma percepção equivocada” de que sociedades são menos desiguais do que realmente são, por subestimarem a renda do capital.
O estudo do Ipea foi recebido com entusiasmo pelo governo. Lula declarou, em publicação nas redes sociais, que o país vive “uma nova realidade”, com mais renda e redução das desigualdades. Para especialistas, entretanto, embora haja consenso de que programas sociais e melhora do mercado de trabalho reduziram a pobreza, a evolução da desigualdade exige cautela metodológica.
Entre as medidas destacadas pelos analistas está a reforma do Imposto de Renda, aprovada pelo Congresso, que isenta quem ganha até R$ 5 mil e cria tributação mínima para quem recebe acima de R$ 50 mil mensais.
Pesquisadores pedem cautela na leitura dos dados
O sociólogo Pedro Herculano de Souza, um dos autores da nota técnica, afirmou à BBC que optou por não usar dados tributários por falta de atualização quando o estudo começou. Segundo ele, as informações da Receita só estavam disponíveis até 2021, enquanto a Pnad permitia analisar o período pós-pandemia com maior rapidez. Ele reconhece, contudo, que estudos futuros com dados mais recentes poderão alterar conclusões.
Ele afirma ainda que a renda dos mais ricos apresentou saltos atípicos durante a pandemia, fenômeno que, segundo ele, precisa ser melhor compreendido antes de ser incorporado de forma definitiva às séries históricas.
Pesquisadores do World Inequality Lab afirmam que o uso combinado de dados tributários e domiciliares corrige distorções e mostra uma desigualdade maior do que a captada apenas pelas pesquisas do IBGE.
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