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Em dez anos, o QuintoAndar deixou de ser uma startup promissora para se tornar a maior plataforma do mercado imobiliário brasileiro. Esse avanço foi impulsionado por US$ 760 milhões em aportes — majoritariamente de investidores estrangeiros — que permitiram à empresa crescer mesmo operando no prejuízo, adquirir concorrentes e expandir parcerias em toda a América Latina. A estratégia trouxe também concentração de mercado, novas formas de captura de renda e impactos diretos na lógica de acesso à moradia, aponta estudo da Universidade de São Paulo (USP) publicado na revista Cadernos Metrópole.

A pesquisa analisou o período entre 2015, início das operações online do QuintoAndar, e maio de 2024, acompanhando cinco rodadas de investimento que foram de US$ 6 milhões no início até US$ 420 milhões em 2021. Os aportes vieram da Argentina, China, Estados Unidos, Japão e, mais recentemente, do Brasil, quando o Grupo Globo adquiriu participação em troca de inserções publicitárias.

Com esse caixa, a plataforma seguiu um modelo característico de start-ups: crescer no prejuízo até garantir a viabilidade da operação, para pressionar concorrentes,  viabilizar aquisições. Assim, incorporou portais de anúncios e marketplaces, ferramentas de gestão de clientes, empresas de crédito e até imobiliárias tradicionais. A compra do grupo argentino Navent, em 2021, levou à expansão para outros países da região e à incorporação do ImovelWeb, um dos maiores portais de anúncios imobiliários do Brasil.

As fusões e aquisições mudaram também a lógica dos serviços. O QuintoAndar passou a oferecer outros produtos como crédito imobiliário, antecipação dos aluguéis, e produtos específicos para gestores de imóveis. Criou ainda um marketplace para cadastro de imobiliárias e passou a receber comissões por serviços complementares, como financiamento, consórcios e seguro-fiança.

As parcerias reforçaram essa transformação. Em 2023, mais de 300 imobiliárias eram parceiras da plataforma, incluindo a Rede Lopes, maior empresa de vendas do setor naquele ano. Nesse modelo, dados cadastrais de imóveis se tornaram um banco compartilhado, enquanto a plataforma captava primeiros aluguéis e outras taxas quando a locação era concluída por meio do sistema. “Existia uma crença de que essa tecnologia substituiria as imobiliárias tradicionais. O que nossos resultados demonstram é que esse movimento é mais complexo, sendo necessária a existência de imobiliárias espalhadas nos bairros para esse modelo de negócio se expandir”, explica o autor do estudo, Lucas Meirelles Toledo Ramos Batista, do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (LabHab) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design (FAU-USP).

O pesquisador destaca que, nesse cenário, as moradias são tratadas cada vez mais como ativos financeiros, em que se exige retorno competitivo ao capital. “Quando falamos sobre o déficit habitacional, as pessoas entendem que faltam moradias. Porém, o maior componente do déficit é um problema chamado ônus excessivo, ou seja, é pagar mais de 30% do salário familiar no aluguel. Quando a gente fala do problema da habitação, as pessoas pensam em habitações precárias, e raramente olham para essa questão, que é quase invisível”, observa.

Segundo Batista, as plataformas também têm se apresentado ao poder público como solução para acompanhar e implementar benefícios associados ao aluguel (vouchers). Mas o pesquisador alerta que esse papel deve ser visto com cautela. “A plataforma é uma ferramenta concentradora de mercados, e é preciso avaliar se seria a melhor alternativa a este problema.”

A contribuição do estudo foi reunir números concretos sobre como plataformas digitais estão transformando o aluguel no Brasil. “Existe uma mudança em curso que impacta as imobiliárias tradicionais, além de criar outros produtos vinculados ao aluguel. Mas, para além disso, evidenciamos como essa mudança está relacionada ao movimento global a partir de muito investimento estrangeiro”, conclui Batista.

O pesquisador ressalta ainda que compreender essa transformação é essencial para o debate sobre habitação no Brasil. Ao centralizar o mercado, plataformas como a QuintoAndar não apenas redefinem as relações entre proprietários, inquilinos e imobiliárias, mas também influenciam políticas públicas e a própria noção de moradia como direito. Para Batista, olhar criticamente para esse processo ajuda a revelar que a crise habitacional não se resume à falta de casas, mas também ao modo como o aluguel é estruturado e financeirizado nas cidades brasileiras.
Fonte: Agência Bori