Especialistas avaliam que encontro entre Lula e Trump abre caminho para redução de tarifas americanas
28 outubro 2025 às 09h29

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Em um diálogo classificado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como “surpreendentemente bom”, os líderes do Brasil e dos Estados Unidos conduziram uma reunião bilateral na Malásia que pode redefinir os rumos da relação comercial entre os dois países. O encontro, marcado por sinalizações positivas e um pragmatismo notável entre figuras de espectros políticos opostos, resultou na abertura de negociações para destravar o impasse das tarifas americanas sobre produtos brasileiros.
A conversa representou uma sutil, porém significativa mudança de poder: Lula entregou uma lista de pautas, citou o ex-presidente Jair Bolsonaro como uma questão do passado e saiu com a promessa de um canal direto com a Casa Branca. Donald Trump, por sua vez, desconversou sobre o aliado ideológico e concentrou-se no acordo. A pergunta que paira no ar é se este novo alinhamento pode, de fato, caminhar para uma isenção, ou ao menos uma substancial redução, dos tributos que pesam sobre as exportações nacionais.
A análise dos especialistas consultados pelo Jornal Opção converge para um cenário de otimismo cauteloso. O cientista político Marcos Marinho não hesita ao caracterizar o evento. “Eu encaro como extremamente positivo o encontro, a forma como ele aconteceu”, afirma, traçando um contraste deliberado com a postura que Trump adotou com outros líderes mundiais.
“Se a gente comparar com outros encontros que o Donald Trump teve com alguns líderes mundiais, como foi o caso do Ramaphosa, presidente da África do Sul, e também do Zelensky, que ele basicamente humilhou a ambos lá dentro da Casa Branca. E no caso do Lula foi bem diferente”.
Para Marinho, a fotografia do encontro foi a de um diálogo entre iguais. “Trump demonstrando um nível de respeito e apreço pelo presidente brasileiro, o presidente brasileiro não se acovarda em momento algum, não evitando expor com clareza as pautas e demandas que o governo brasileiro tem”.
Esse equilíbrio de forças, na avaliação do cientista político, é a base para um resultado prático: “Já ficou mais afunilada a relação entre os dois países, entre os dois presidentes e foi o início de um processo onde as equipes de ambos os países vão dar continuidade à negociação”.
O cerne da disputa – as sobretaxas de até 50% impostas por Trump a uma gama de produtos brasileiros – é encarado pelos especialistas não como uma questão ideológica, mas mercadológica. “As tarifas impostas ao Brasil são tarifas mercadológicas, né? Donald Trump fez isso com vários países, se não todos”, pondera Marcos Marinho.

Ele enxerga a movimentação de Trump como uma tática de negociação agressiva, porém calculada. “Trump é um negociador e ele está sempre em busca de buscar benefícios para ele próprio e para o seu país”.
A aposta brasileira, que parece ter surtido efeito, foi a diversificação de mercados. “A gente teve uma expansão de exportação para outros mercados. O que também demonstrou a Trump que não valia a pena fazer essa guerrinha com o Brasil, porque a gente simplesmente ia realocar as nossas exportações para outros países”, analisa Marinho.
Ao perceber que a pressão não surtia o efeito desejado de curvar o Brasil e, ao mesmo tempo, impactava o mercado interno americano com o aumento de preços, o caminho para a mesa de negociações se tornou a opção mais lógica.
O fim da “pauta Bolsonaro” na relação bilateral
Em um dos momentos da reunião, Lula trouxe à tona o julgamento de Jair Bolsonaro. De acordo com o presidente brasileiro, ele disse a Trump que o processo foi “muito sério, com provas muito contundentes” e que o ex-presidente “sabe que Bolsonaro faz parte do passado da política brasileira”.
Para os analistas, esse episódio enterra de vez a influência do bolsonarismo na relação entre os dois países. “Eu percebo que Bolsonaro, de fato, já é a carta fora do baralho nessa mesa de negociações”, sentencia Marcos Marinho. Ele acredita que Trump usou a proximidade com figuras como Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo como um “artifício” para legitimar a pressão comercial inicial. “Agora que as coisas estão se organizando, que tem dois adultos na sala conversando, a pauta Bolsonaro não tem que aparecer mais em meios de negociação”.
“Portanto, eu imagino que a pauta Bolsonaro agora nessa mesma negociação, ela acabou de vez”, diz Marinho. Essa avaliação é compartilhada pela cientista política Rejaine Pessoa, para quem a menção a Bolsonaro por parte de Lula teve um “valor simbólico importante”, mas não influenciou o cerne da discussão. “Para Lula, a menção, mesmo que breve, é uma forma de reafirmar o deslocamento político do seu governo em relação ao antecessor”, explica. “É uma demarcação de território diplomático”.

Já o fato de Trump ter evitado o assunto é lido como um sinal de maturidade. “O fato de Trump ter desconversado ou minimizado o tema sugere que ele estava muito interessado em manter a conversa focada no futuro, ou seja, no acordo comercial, e evitar o aprofundamento em assuntos políticos internos do Brasil”, analisa Rejaine. “Isso é, de certa forma, muito bom porque é um sinal de maturidade diplomática”.
Impacto na narrativa Bolsonarista e a pauta da Anistia
O sucesso do encontro e o consequente isolamento da pauta Bolsonaro nas relações EUA-Brasil têm um impacto direto na narrativa política interna. A principal tese do bolsonarismo – a de que Lula é um líder anti-americano, alinhado exclusivamente com ditaduras – sofre um duro golpe. “Esse encontro com o Trump, que é um ícone da direita global, ele desmonta parcialmente essa narrativa”, avalia Rejaine Pessoa.
Marcos Marinho vai além e acredita que o episódio esvazia as chances do projeto de anistia, defendido pelo PL, ganhar força. “Eu acho que essa febre da anistia morreu, ou pelo menos morreu da maneira que queriam os bolsonaristas, não vai acontecer mais”. Para ele, a insistência nessa pauta só fortalece Lula. “Se continuarem insistindo nessa história de peça da anistia, quem tá lá no congresso vai se queimar ainda mais, esses caras precisam de voto no ano que vem e isso fortalece a narrativa do Lula”.
No entanto, Rejaine Pessoa oferece uma visão mais cautelosa. Ela acredita que o encontro tem um impacto “ambivalente”. Por um lado, “dificulta o PL de Bolsonaro” e “enfraquece a crítica de que Lula prejudica o país”.
Por outro, a pauta da anistia é, em sua essência, uma questão de “sobrevivência política”. “O PL da anistia, ele é uma questão de sobrevivência política e união interna para o bloco de direita ou centro-direita”, pondera. “Então, para eles, o cenário internacional e o cenário político interno são apenas compartimentos irrelevantes. Eles vão prosseguir ali na sua tentativa de torná-lo livre, elegível”.
Uma tacada de mestre na geopolítica global
Estratégico e pragmático. É assim que os especialistas veem o movimento de Lula. A reaproximação com os Estados Unidos, sem abrir mão das sólidas relações com China e outros países do BRICS, é um exercício de equilíbrio que projeta o Brasil como um ator global independente. “É uma tacada de mestre do Lula”, define Marcos Marinho.
“Ele demonstra com clareza o que ele sempre replica nos seus discursos, que ele é um líder de uma nação e ele atua de maneira não ideológica, de maneira pragmática”.
Rejaine Pessoa corrobora essa visão. “A reaproximação é estratégica, é um passo estratégico crucial para o equilíbrio e para a projeção da autonomia da política externa brasileira”. Segundo ela, Lula demonstra que a relação com Washington “não depende de afinidades ideológicas”, mas de interesse comercial e segurança regional. “Ao buscar resultados tanto com a China (…) quanto com os Estados Unidos (…), o Brasil se posiciona como ator global, é capaz de dialogar com todos”.
A consultora de Comércio Internacional da BMJ Consultores, Giselle Costa, reforça esse ponto. “O Brasil sempre buscou equilíbrio e pragmatismo em suas relações com parceiros comerciais estratégicos, como China e Estados Unidos”. Ela lembra que, historicamente, as relações com os EUA passaram por ciclos, e que o país voltou seu foco para outras regiões, levando o Brasil a ampliar parcerias no Sul Global. O reencontro com Trump, portanto, é um reajuste nesse tabuleiro geopolítico.
Venezuela e a projeção de Lula como líder global
Outro tema abordado pelos dois presidentes foi a Venezuela. Lula expressou preocupação com o agravamento da situação e se colocou à disposição para atuar como mediador entre Washington e Caracas, defendendo a América do Sul como uma “zona de paz”.
Para Rejaine Pessoa, essa disposição tem um peso significativo. “O Brasil, como vizinho e potência regional da Venezuela, ele possui ali as relações e a credibilidade necessárias para poder dialogar com o regime de Caracas, algo que os Estados Unidos não têm”.
Ela avalia que essa postura eleva a imagem de Lula de um líder que não só critica, mas propõe soluções. “Isso também tem uma relevância geopolítica, porque ele reforça a relevância do Brasil no cenário global, especialmente para Washington, que vê em Lula um caminho diplomático para lidar com problemas complexos”. Giselle Costa também vê com bons olhos essa iniciativa, lembrando que Trump “reconheceu e apoiou” o papel do Brasil como intermediário na região.

No entanto, Marcos Marinho adota uma postura mais cautelosa. Embora reconheça que a mediação projetaria Lula como um “estadista”, ele pondera sobre os riscos internos. “Chegando perto de uma eleição, sabendo que o país vem de uma polarização extremamente radical, não acredito que isso é vantagem para o Lula agora e para o governo brasileiro”. Ele acredita que o presidente pode participar de alguma forma, mas sem buscar “tanto protagonismo” no momento.
Lula no panteão dos líderes mundiais
O consenso entre os especialistas é que o encontro fortaleceu sobremaneira a imagem de Lula no cenário internacional. “Sem dúvida, a maneira como o Lula se portou nessa dinâmica com o Trump, reforçou e muito a posição dele enquanto líder mundial”, afirma Marcos Marinho. O diferencial, em sua análise, foi a postura firme do brasileiro. “Enquanto outros líderes arregaram, vamos dizer assim, né, tremeram na base e foram lá pedir bênção para ele, o Lula se manteve firme”.
Rejaine Pessoa é ainda mais enfática. “Não há dúvida que o encontro entre os dois líderes claramente fortalece a imagem de Lula como um líder global, superando aqui resistências mais imediatas”. Ela destaca que a disposição de Trump em negociar um tema que ele mesmo politizou é um “atestado de que Lula é visto como negociador capaz”.
“O sucesso em dialogar com um líder da direita americana, ao mesmo tempo em que ele mantém as relações estratégicas com os BRICS e o Sul Global, por exemplo, consolida a imagem de Lula como um ponto focal na diplomacia global”.
Para Marinho, isso rouba das oposições uma narrativa poderosa. “Lula internacionalmente é muito bem visto na União Europeia, pelo presidente da França, por vários outros líderes mundiais (…). Então essa pauta ideológica radical que ficou no Brasil, que tentou jogar Lula numa postura anti-mundo ocidental, muito ligada em questões simplesmente ideológicas, não colou”.
O caminho à frente: redução, não isenção
E o que se pode esperar, concretamente, sobre as tarifas? O otimismo é moderado pela percepção do perfil de Trump como negociador. “É muito provável que, dentro da sua estratégia de negociação (…), ao perceber que, de fato, a sobretaxa que ele pôs no Brasil está gerando problemas para o mercado interno (…), naturalmente ele vai ter que negociar”, projeta Marcos Marinho.
No entanto, ele é realista: “Não imagino que ele vai zerar a taxa, porque ele não zerou a taxa pra ninguém, né? (…) Mas uma redução de alguns produtos, principalmente, eu acredito que sim, vai acontecer”.
Rejaine Pessoa compartilha dessa visão. “Sim, eu acredito que há um espaço real e concreto, né, para redução dessas ou até mesmo a isenção, embora eu creio que a redução é mais certa do que a isenção”. Ela aponta a autorização de Trump para que as equipes técnicas comecem a negociar imediatamente como a “sinalização mais forte” desse avanço.
O argumento brasileiro, de que os EUA têm superávit comercial com o Brasil, teria sido crucial para “desmantelar a justificativa técnica inicial” das tarifas.
A especialista em relações internacionais, Giselle Costa, enxerga a simples reabertura do diálogo como um ganho. “Agora, com a aproximação, abre-se espaço para uma melhora nas relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos e possibilita a solução dos temas comerciais”. Ela destaca a “urgência” demonstrada por Trump ao determinar o início das tratativas ainda no dia do encontro.
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