Apesar de a Prefeitura de Goiânia ter ampliado a oferta de consultas com médicos generalistas, ginecologistas e pediatras nas unidades básicas de saúde (UBSs), a adesão da população segue baixa. Entre janeiro e abril de 2025, mais de 41% dos atendimentos ambulatoriais disponíveis na rede pública da capital deixaram de ser realizados por falta de agendamento.

Em paralelo, cresce a demanda nas unidades de urgência e emergência, muitas vezes para casos que poderiam ser resolvidos na atenção primária. Esse descompasso, segundo pesquisas, é consequência direta da dificuldade de acesso ao sistema, dos longos tempos de espera e da percepção de que procurar atendimento preventivo não compensa o esforço exigido.

Enquanto o município reforça a importância do acompanhamento médico regular, os dados apontam uma preferência por atendimentos de urgência, que, apesar de imediatos, não oferecem o cuidado contínuo necessário.

“Temos registrado um volume cada vez maior de atendimentos nas unidades de urgência, enquanto consultas agendadas, fundamentais para o cuidado integral, seguem ociosas. É preciso que a população compreenda que o acompanhamento regular é essencial para a promoção da saúde e prevenção de agravos”, afirma o secretário municipal de Saúde, Luiz Pellizzer.

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) disponibilizou 458.460 vagas para consultas com clínicos gerais e médicos da família nos quatro primeiros meses deste ano. Além disso, foram oferecidos 20.200 atendimentos pediátricos e 20.700 ginecológicos. No entanto, grande parte dessas vagas permaneceu desocupada, não por falta de necessidade, mas devido à dificuldade de acesso e à desmotivação da população em enfrentar as etapas para conseguir uma consulta.

Um dos principais fatores que dificultam o acesso à atenção primária é o tempo de espera. Como já divulgado pelo Jornal Opção, uma pesquisa nacional das organizações Umane e Vital Strategies, em parceria com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e apoio do Instituto Devive e da Resolve to Save Lives, revelou que 46,9% das pessoas deixam de buscar ajuda médica porque consideram a espera muito longa. A burocracia no agendamento e a dificuldade de obter encaminhamentos também são entraves: 39,2% dos entrevistados citaram esse obstáculo como determinante para não procurar atendimento.

Na prática, o caminho para ser atendido em uma UBS muitas vezes é mais demorado e complexo do que simplesmente procurar um ambulatório ou pronto-socorro, onde o atendimento, embora sobrecarregado, pode ser mais imediato. Isso cria uma inversão de lógica no SUS, onde a porta de entrada — a atenção primária — é deixada de lado.

“Buscar atendimento apenas em situações de urgência é prejudicial tanto para o sistema quanto para o próprio paciente, que deixa de receber o cuidado preventivo necessário”, explica o médico Frank Cardoso.

Outro fator importante é o comportamento da população. A pesquisa nacional revelou que 35% dos brasileiros ainda recorrem à automedicação e mais de 34% acreditam que seus sintomas não são graves o suficiente para justificar a busca por atendimento. 

Além da percepção negativa em relação ao tempo de espera, a experiência ruim no atendimento é outro elemento que afasta os usuários. Segundo o levantamento, 40% das pessoas que buscaram assistência médica não conseguiram ser atendidas. Entre os motivos apontados, destacam-se novamente a espera excessiva (62% dos casos), a insuficiência de equipamentos (34,4%) e a falta de profissionais capacitados (30,5%).

Apesar dessas críticas, quem conseguiu ser atendido avaliou positivamente aspectos como o respeito à privacidade (79,2%) e a clareza das explicações fornecidas pelos profissionais (75,1%). Ainda assim, mais da metade dos entrevistados considerou insatisfatórios o tempo de espera (57,6%) e a dificuldade para obter encaminhamentos (51,5%).

Em resposta a esses desafios, a Prefeitura de Goiânia vem investindo no fortalecimento da rede básica. Entre as medidas adotadas, estão a contratação de mais de 150 profissionais de saúde, incluindo médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, a reestruturação das salas de vacinação e a melhoria no fluxo de atendimentos nas UBSs. “Nosso compromisso é com uma atenção primária resolutiva, acessível e acolhedora”, conclui Pellizzer.

Apesar dos esforços municipais, os problemas estruturais da atenção primária se refletem em todo o Brasil. Um estudo do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) e da Umane mostra que a rotatividade de médicos entre 2022 e 2024 chegou a 33,9% no país. Nos estados com menor Produto Interno Bruto (PIB) per capita, como Maranhão e Paraíba, essa taxa é ainda mais elevada. Isso dificulta a continuidade do cuidado, especialmente em regiões vulneráveis.

O mesmo levantamento identificou avanços na cobertura de serviços essenciais, como o atendimento a gestantes e o rastreamento de câncer de mama, mas ainda revelou deficiências, especialmente na região Norte do país. No Centro-Oeste, onde está Goiânia, os índices são melhores, com 19% de internações por condições sensíveis à atenção primária — abaixo da média nacional de 20,6%. 

É importante lembrar que a atenção primária pode resolver até 85% das necessidades de saúde da população, conforme estimativas do Ministério da Saúde. Por isso, garantir o acesso a esse nível de atendimento auxilia na melhor movimentação do SUS. A Prefeitura de Goiânia oferece múltiplas formas de agendamento — presencialmente nas unidades, pelo WhatsApp (62) 3524-6305 ou pelo telefone fixo 0800 646 1560 — mas, mesmo assim, a baixa procura persiste.

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