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José Carlos Guimarães

Especial para o Jornal Opção

A menos de um mês da COP 30, no Pará, o presidente Lula da Silva autorizou a exploração da Margem Equatorial, a 500 km da foz do rio Amazonas. Os argumentos a favor da pesquisa de viabilidade econômica no local são múltiplos e bem fundamentados.

Um deles diz que a Guiana já está extraindo petróleo naquelas proximidades; outro, que a exploração vai estimular a economia do Amapá, trazendo “desenvolvimento” para o estado, e um terceiro argumento sustenta que o petróleo tem impacto direto na produção de derivados de plástico em toda indústria: o insumo é indispensável porque não se descobriu uma matéria prima que o substitua, nessa finalidade. Finalmente, o que está em jogo é a autossuficiência energética do Brasil.

O problema desses argumentos (fortíssimos) é saber se pesam mais que a sobrevivência da espécie humana. Pois são tão verdadeiros quanto aquele que poderia ser utilizado pelos ambientalistas: temos 195 países preocupados com suas próprias economias, mas um único planeta à nossa disposição. É uma ilusão achar que teremos “segurança” e “desenvolvimento” sustentável se o aquecimento global se tornar irreversível, uma vez que todos os países estão contidos neste único planeta, ao nosso alcance. Cai por terra, assim, a justificativa técnica do Ibama e do Ministério de Minas e Energia, em face de um argumento técnico de maior magnitude e importância.

Além de termos apenas o planeta Terra à nossa disposição – se a vida se tornar inviável, nossa espécie também estará condenada –, toda cautela e rigor do Ibama em favor da fauna nativa e dos povos originários da região Norte não respondem ao desafio principal. E são insuficientes diante de uma simples pergunta: a exploração de petróleo na Margem Equatorial decorrerá ou não na emissão de mais dióxido de carbono da atmosfera, agravando o aquecimento global? Obviamente, a resposta é sim!

Isso com certeza é radical, mas não é “extremismo” porque não é uma posição subjetiva, visto que decorre de dados científicos de conhecimento público. Além da fauna e flora locais, o que está em jogo é o clima mundial, socializado por todos, inclusive os que não têm nada a ver com os problemas do Brasil. O Brasil também não tem nada a ver com a queima de carvão, mas está pagando o preço por isso. É justo apenas porque o carvão é insumo indispensável para um determinado grupo de países? Essa é a lógica atual: em um mundo fragmentado em países, cada um trabalha pelo “próprio interesse”, em detrimento dos demais.

Coloquei “próprio interesse” porque é uma ironia, se nenhum país escapará das consequências do aquecimento global e das mudanças climáticas, nem mesmo os que os estimulam reiteradamente. Assim como “segurança” e “desenvolvimento”, o termo “interesse nacional” tem importância retórica, mas é vazio de conteúdo, quando se trata de um risco antropogênico de escala global, como este e outros (Inteligência Artificial, armas nucleares e biotecnologia). 

É escandaloso observar o apoio que iniciativas como a exploração de petróleo ainda recebem por parte de algumas pessoas técnicas e bem informadas, ideologicamente afinadas. Segundo elas, interesse econômico nacional é diferente de interesse global, na atual conjuntura internacional. Sua mentalidade é a do século XX, que tem origem com a formação dos estados nacionais, a partir da Idade Média, quando o que determinava a política era a concorrência entre as nações. Essa mentalidade se conforma perfeitamente àquele mundo, quando não havia aquecimento global e estávamos todos seguros. Em um quadro histórico onde existe aquecimento global, não é mais possível pensar daquela maneira, porque parte substancial da realidade é bem diferente.

Portanto, a política está atrasada em relação ao maior desafio do século XXI porque a mentalidade dos dirigentes ficou ultrapassada: de costas para o presente, ainda reflete um mundo que não existe mais: aquele onde cada um corria por si, porque isso não ameaçava a existência comum.

Estimular o uso de combustíveis fósseis não tem nada mais a ver com “segurança”, “interesse nacional” e “desenvolvimento econômico”, uma vez que a consequência ecológica do aquecimento global, produzido pelos combustíveis fósseis, é justamente destruir as bases de nossa segurança, interesse nacional e possibilidades de desenvolvimento econômico.

A única possibilidade dos argumentos pró-exploração de petróleo na Margem Equatorial estarem certos (e qualquer outro desta natureza, daqui para frente), são os estudos científicos sobre a física do aquecimento global estarem errados. Esse é o tipo de debate que a extrema direita, negacionista, propôs durante a epidemia de covi-19, pelo qual foi ferozmente questionada pela esquerda. Será que a esquerda resolveu relativizar sobre ciência, e considera o IPCC militante? A menos que os climatologistas estejam mentindo para nós (ou pelo menos errados em 95% das conclusões), o mundo não pode mais produzir e consumir energia fóssil.

Resta, portanto, ao ministério de Minas e Energia, apresentar pesquisas científicas que sustentem que o uso de combustíveis fósseis é compatível, hoje em dia, com a segurança planetária e a manutenção da vida.

José Carlos Guimarães, historiador, é colaborador do Jornal Opção.