Entenda como partidos mudaram para se adaptar à nova regra eleitoral que vai ‘aniquilar os pequenos’

26 abril 2025 às 21h00

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Apesar das próximas eleições ocorrerem somente em 2026, partidos e agentes políticos estão em constante movimento em preparação para o pleito. Montadores de chapa, por exemplo, já fazem articulações para ter um grupo forte visando o sistema proporcional, que define os ocupantes das cadeiras nas Assembleias Legislativas e na Câmara dos Deputados.
A eleição de 2026 promete ser uma das mais complexas da história recente, especialmente por conta da nova regra de distribuição das vagas legislativas, segundo o deputado estadual Gugu Nader (Avante), em entrevista ao Jornal Opção.
Aprovada em 2021, mas só agora plenamente em vigor, a norma exige que os candidatos alcancem, individualmente, pelo menos 20% do quociente eleitoral para serem eleitos — além, claro, de o partido atingir o quociente completo. Gugu Nader comentou sobre o impacto dessas mudanças e não poupou críticas. “Essa eleição vai aniquilar os partidos pequenos”.
Como funciona a nova regra?
Por falar no sistema proporcional, a escolha é frequentemente tema de dúvida entre os eleitores. Para o professor de Direito Eleitoral e técnico judiciário do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-GO), Alexandre Azevedo, o ponto de partida é entender o chamado quociente eleitoral — cálculo decisivo para que um partido conquiste cadeiras no Legislativo.
“O quociente eleitoral representa a quantidade mínima de votos que um partido precisa ter na eleição proporcional para eleger um candidato”, explica Azevedo, em entrevista ao Jornal Opção. Esse número é obtido a partir da divisão do total de votos válidos pelo número de vagas disponíveis.
Mas o professor destaca que esse cálculo só pode ser feito com exatidão após a apuração de todos os votos. “Os partidos fazem uma estimativa a partir da quantidade de eleitores que efetivamente comparecem, excluindo votos brancos, nulos e abstenções. Costuma-se trabalhar com uma média de 30% de ausência ou votos inválidos”, diz.
O quociente eleitoral, segundo Azevedo, não determina a eleição de um candidato individualmente, mas sim do partido. “É o partido que precisa alcançar essa quantidade de votos. A partir daí, os mais votados dentro da legenda é que serão eleitos”, completa.
A definição do quociente eleitoral também influencia diretamente nas estratégias partidárias e nas escolhas dos próprios candidatos. “É muito comum vermos o troca-troca de partidos. O candidato percebe que, em determinado partido, há muitos concorrentes fortes e que sua chance de ser eleito é menor. Então ele busca outra legenda onde possa se destacar”, pontua.
Gugu detalha com um exemplo prático: “Vamos supor que o quociente para deputado estadual seja de 80 mil votos. Um partido que fizer 160 mil leva dois deputados. Se fizer 200 mil, sobra 40 mil votos. Essa sobra pode puxar mais um candidato — desde que ele tenha pelo menos 16 mil votos, que são os 20%.”
O problema, segundo ele, é que poucos partidos pequenos conseguirão cumprir essa matemática. “Tem partido que não vai fazer nem 50 mil votos. E tem candidato que vai ter 15 mil votos, mas se o partido não tiver batido os 80 mil, ele está fora.”
Segundo ele, a dinâmica das sobras será determinante para a definição das vagas. “A primeira sobra puxa o mais votado, a segunda o segundo mais votado e, a partir da terceira, começa a puxar o partido que teve mais votos. Os partidos grandes vão dominando tudo.”

As sobras eleitorais e a nova regra do STF
Depois da definição das cadeiras por meio do quociente partidário, inicia-se a distribuição das chamadas sobras eleitorais — vagas que restam após esse primeiro cálculo. Para disputar essa fase, o partido precisa atender a dois critérios: obter pelo menos 80% do quociente eleitoral e ter candidatos com votação individual de ao menos 20% desse quociente.
O professor também destaca uma mudança importante nas regras para as próximas eleições, com base em decisão recente do Supremo Tribunal Federal. “O STF decidiu que, na fase final de distribuição das sobras, caso ainda restem vagas e nenhum partido preencha os requisitos, poderão participar todos os partidos que inicialmente os haviam cumprido”, afirma.
Essa nova regra, segundo Azevedo, tem potencial para beneficiar legendas menores, ampliando a diversidade de representação no Legislativo. “É uma inovação que já valerá para as eleições de 2026”, conclui.
Além disso, o professor saiu em defesa do sistema proporcional. Para ele, trata-se de um modelo que garante a diversidade política nos parlamentos. “O pessoal critica muito o sistema do quociente, o sistema proporcional em si, mas é bom ter em mente que esse sistema visa assegurar a representação minoritária, a representação de partidos pequenos, inclusive”, afirmou.
Azevedo reforça que, diferentemente do Executivo, o Legislativo deve refletir a pluralidade da sociedade. “O parlamento deve ecoar, deve ressoar a voz da sociedade coletivamente considerada. Então, para isso, eu tenho que ter a maioria, mas eu também tenho que ter na representação a minoria”, explicou.
Previsão para 2026
Gugu também compartilhou previsões eleitorais. Para deputado estadual, ele estima que o Avante possa eleger de quatro a seis deputados. Já para federal, aposta em até dois nomes, dependendo da votação do presidente da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), deputado Bruno Peixoto. “Se o Bruno tiver mais de 200 mil votos, faz dois federais com certeza, por causa da sobrinha dos 20%”, diz.
Ele alerta, no entanto, que muitos candidatos podem ter boas votações e mesmo assim ficarem de fora. “Vai ter gente com 50 mil, 70 mil, até 100 mil votos que vai perder. Se o partido não atingir os 80% e o cara não fizer os 20%, acabou”, explicou com relação às sobras eleitorais.
Já Alexandre Azevedo, questionado sobre uma estimativa atual de quantos votos serão necessários para eleger um deputado estadual ou federal em Goiás, ele pondera que ainda é cedo para calcular com precisão. “A eleição anterior foi há três anos. Houve muitas mudanças no eleitorado e o cadastro eleitoral só será fechado em maio do ano que vem. Só então teremos um cenário mais claro sobre o número de eleitores aptos a votar”, afirma.
Além disso, ele destaca fatores que podem influenciar a conta, como a migração de eleitores da região do Entorno de Brasília, que transferem seus títulos para o Distrito Federal, e a possível alteração no número de vagas. “Há conversas sobre o aumento de 17 para 18 deputados federais por Goiás, o que também levaria a um acréscimo nas vagas da Assembleia Legislativa, de 41 para 42. Isso muda o quociente”, explica.
Para o deputado, o recado está claro: “Partido pequeno vai naufragar. Essa nova regra vai mudar completamente o jogo político.” A conta de Gugu para o quociente eleitoral, visando deputado federal, é de cerca de 222 mil votos.
“Essa é a eleição da aniquilação. Olha a palavra: aniquilar, acabar, destruir, tirar do mapa”, afirmou o parlamentar. Ele se refere ao alto quociente eleitoral necessário para eleger deputados, especialmente federais. “Um partido, por menor que seja, tem que ter no mínimo 170 mil votos para fazer o primeiro deputado federal em Goiás [para ter chance de sobra]. Como é que esses partidos pequenos vão arrumar isso?”
Quociente eleitoral x quociente partidário
Azevedo também esclarece a diferença entre dois conceitos fundamentais no processo proporcional: o quociente eleitoral e o quociente partidário. “O quociente eleitoral é a quantidade de votos necessária para um partido eleger um candidato. Já o quociente partidário é o número de cadeiras que o partido conquistou inicialmente com base nesse cálculo”, resume.
Por exemplo, se o quociente eleitoral for de 12 mil votos e um partido alcançar 26 mil votos, ele conquista duas cadeiras (26 mil dividido por 12 mil). “A fração é desprezada. Então esse partido elege dois candidatos inicialmente”, explica.
O advogado eleitoral Júlio Meirelles lembra que o quociente eleitoral é obtido quando se divide o o número de votos válidos pelo de lugares a preencher na respectiva casa legislativa. Questionado se existe uma estimativa de quantos votos um partido ou federação precisa para conquistar pelo menos uma vaga de deputado estadual ou federal nas próximas eleições em Goiás, Meirelles destaca que é costume adotar como estimativa o número de votos que representou o quociente eleitoral na eleição imediatamente anterior.

“Se houver um acréscimo no número de eleitores, faz-se acréscimo proporcional no quociente eleitoral. Mas é só estimativa”. Ainda segundo o advogado, As regras que nortearão as próximas eleições proporcionais provavelmente serão as mesmas que balizaram as eleições de 2022. Isso se não houver alteração até o dia 4 de outubro desse ano.
Para Meirelles, o sistema proporcional adotado no Brasil não é perfeito, mas é o mais adequado, “pois permite a representação de diversos segmentos da sociedade e obter melhor representação dos partidos políticos”. A proporção de cadeiras parlamentares ocupada por cada partido é diretamente determinada pela proporção de votos obtida por ele.
Federações partidárias
Gugu também atacou o funcionamento das federações partidárias, criadas após o fim das coligações proporcionais como uma tentativa de dar sobrevida a partidos com pouca expressão. Para o deputado, a medida é temporária e serve apenas para fins eleitorais, sem verdadeira identidade ideológica.
“A federação foi criada no timing de uma mentira, dizendo que unificava partidos por uma pauta. Uma pauta mentirosa. Não tem nada de pauta. A federação dura quatro anos, no máximo. É tempo determinado. Depois, cada um vai pro seu canto”, criticou.
Gugu defende que a fusão é um caminho mais seguro para partidos pequenos que desejam sobreviver à cláusula de barreira e ao sistema de votação proporcional. “Quando os dirigentes querem transformar um partido mais sólido, faz fusão. Quando é só pra eleição, faz federação”, avaliou.
Segundo ele, há um desconhecimento generalizado sobre o prazo para a formalização das federações. “Estão esperando chegar em abril para definir federação, mas ela pode sair até a véspera da convenção. Isso é importantíssimo, poucas pessoas sabem”, alertou.
De acordo com Alexandre Azevedo, as federações têm impacto direto no cálculo do quociente eleitoral. “Elas vão funcionar como um único partido para esse fim”, esclareceu o professor. Segundo ele, as federações precisam durar no mínimo quatro anos e têm regras internas para definir como as vagas em disputa serão distribuídas entre os partidos que a compõem.
Sobre as fusões partidárias, Azevedo explicou que se trata de uma outra configuração, onde dois ou mais partidos deixam de existir e criam um novo. “A regra é a mesma: vai se aplicando a votação dos candidatos daquele partido resultante da fusão”, disse.

Lista fechada
O professor também comentou os debates sobre possíveis mudanças no sistema atual, como a adoção da lista fechada. Embora o assunto seja recorrente, ele acredita que a complexidade da lista aberta é um dos principais entraves para a compreensão do eleitor.
“Desde muito tempo, já se fala em mudança no sistema. O fato é que o sistema atende à sociedade nessa representação, só que é um tanto quanto difícil de compreensão”, afirmou. Na lista fechada, o eleitor vota no partido, que define previamente a ordem dos candidatos.
“O eleitor já terá a possibilidade de saber o que esperar daquele candidato ao votar, que é votar de acordo com as diretrizes que o partido possui”, explicou Azevedo. Ele criticou a incoerência que pode surgir no modelo atual.
“Você pega, por exemplo, o União Brasil. Foi um partido que lançou candidato à Presidência da República, só que tivemos vários candidatos que fizeram campanha para o Lula. Veja, o eleitor está votando no União Brasil ou em candidatos que agem em desacordo com a linha do partido?”
Para o professor, esse tipo de distorção seria minimizado em um modelo de lista fechada, pois o eleitor saberia exatamente quais nomes compõem a lista e poderia cobrar coerência partidária. “Se eu tiver três eleitos, são esses os três eleitos. E saberá também que o voto é para aquele partido”, concluiu.
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