Mesmo protegidos por lei, campos úmidos do Cerrado perderam 580 mil hectares de vegetação nativa

11 julho 2025 às 15h18

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Mesmo protegidos por lei, os campos úmidos do Cerrado continuam sendo desmatados e negligenciados por políticas públicas. Os olhos d’água difusos, responsáveis pela formação dos campos úmidos, são áreas onde a água subterrânea aflora de forma espalhada e contínua, sem formar um ponto único de exsudação.
As águas são distribuídas por superfícies amplas, formando áreas encharcadas com solos permanentemente ou sazonalmente úmidas, mesmo sem lâmina d’água visível.
O artigo produzido foi publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation.”O que está faltando para proteção dessas áreas não é legislação, mas a aplicação da lei”, diz Alessandra Bassani, primeira autora do artigo à Folha de S.Paulo.
“A Lei de Proteção da Vegetação Nativa [12.651/2012] prevê a proteção dos ‘olhos d’água’, definidos como afloramentos naturais do lençol freático, mesmo que não formem cursos d’água e mesmo que não sejam permanentes. Essa definição se aplica diretamente a áreas úmidas não ripárias —ou seja, que não se situam às margens de rios, e que estão presentes em todos os biomas brasileiros. O problema é que essas áreas raramente são reconhecidas como ‘olhos d’água difusos’, porque olhos d’água e nascentes ainda são indevidamente tratados na prática como sinônimos”, explica Bassani.
“Além disso, persiste um viés institucional e técnico que direciona a proteção apenas para as águas superficiais visíveis, como aquelas associadas a margens de rios ou a olhos d’água pontuais, caracterizados por um único ponto de exsudação da água subterrânea e pela presença de lâmina d’água aparente”, complementa.
Os ecossistemas vem sendo sistematicamente ignorados em mapas, licenciamentos e autorizações de uso da terra, inclusive para desmatamento, drenagem e instalação de pivôs centrais para irrigação. Entre 1985 e 2020, mais de 580 mil hectares de vegetação nativa em áreas úmidas do errado foram perdidos, 61% deles convertidos para uso agropecuário. A substituição da vegetação por pastagens e lavouras interfere diretamente na recarga dos aquíferos e no fluxo de base dos rios.
A lei 12.651 classifica como Área de Preservação Permanente (conhecida pela sigla APP) todo afloramento natural do lençol freático, incluindo os olhos d’água difusos, que dão origem a áreas de solo permanentemente ou sazonalmente saturado.
As áreas, porém, seguem desprotegidas na prática porque não são reconhecidas como olhos d’água.
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