El País fecha parceria com Intercept e divulga conversas para derrubar Gilmar Mendes
06 agosto 2019 às 14h44

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Procuradores da Lava Jato discutiram ações para coletar dados e informações sobre o ministro para conseguir a suspeição ou impeachment

O El País, primeira parceria internacional do The Intercept na “Vaza Jato” – Folha, Veja e Reinaldo Azevedo já trabalham conjuntamente – divulgou que procuradores da Lava Jato, liderador por Deltan Dallagnol, atuaram para coletar dados e informações sobre o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. O intuito seria o impeachment do ministro, ou pelo menos um pedido de suspeição.
Os membros da força-tarefa e seus assistentes discutiram por meses, conforme supostas conversas do Telegram enviadas ao The Intercept por fonte anônima, estratégias contra o ministro, como acionar investigadores na Suíça para tentar reunir munição. As conversas podem conter erros, pois foram reproduzidas ipsis litteris.
Mensagens trocadas
Em 19 de fevereiro, Deltan, no grupo Filhos do Januário 4, disse: “”Gente essa história do Gilmar hoje!! (…) “Justo hoje!!! (…) “Que Paulo Preto foi preso”, começou o coordenador da força-tarefa em Curitiba, em conversa que antecedeu uma ideia para rastrear possível elo entre o ministro e Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, preso em Curitiba num desdobramento da Lava Jato e apontado como operador financeiro do PSDB.
A expectativa é Mendes tivesse sido beneficiário de contas e cartões que o operador mantinha na Suíça, um material já com investigadores do país europeu, uma vez que o ministro concedeu antes dois habeas corpus em favor de Paulo.
“Hummm acho que vale falar com os suíços sobre estratégia e eventualmente aditar pra pedir esse cartão em específico e outros vinculados à mesma conta” (…) “Talvez vejam lá como algo separado da conta e por isso não veio” (…) “Afinal diz respeito a OUTRA pessoa”, sugere Deltan como estratégia para chegar ao ministro, que, conforme o procurador Athayde Ribeiro da Costa, não poderia ser feito. “Vc estara investigando ministro do supremo, robinho.. nao pode”. Roberson Pozzobon ironizou: “Não que estejamos procurando”. Conforme o artigo 102 da Constituição, um ministro do STF só pode ser investigado com autorização de seus pares.
Corporativismo
O procurador Paulo Galvão em algumas mensagens alertou Deltan para a possibilidade de corporativismo do Supremo. “Mas cuidado pq o stf é corporativista, se transparecer que vcs estão indo atrás eles se fecham p se proteger”.
Quando outros procuradores levantaram a tese de ligar Mendes a Paulo Preto por meio do tucano Aloysio Nunes, que ligou para o gabinete do ministro no dia da prisão de Preto, Galvão também puxou o freio: “Mas calma que isso não quer dizer muita coisa rs”.
Dallagnol, então, falou em “botar no papel. Mostrar suspeição. Pegar quem trabalhava nessa época no mesmo local. Imprensa é o ideal”.
À época citada por Deltan é a gestão Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Conforme o El País, nos diálogos, os procuradores lembram que Paulo Preto era subordinado do tucano durante o Governo FHC, quando o ex-senador foi ministro-chefe da Secretaria-geral da Presidência, entre 1999 e 2001. E que Gilmar Mendes trabalhava “do ladinho” —segundo as palavras de Roberson Pozzobon— de ambos. A triangulação se fecharia porque, naquele período, Mendes foi subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil (entre 1996 a 2000) e advogado-geral da União (de 2000 a 2002).
“Mas não é novidade que Gilmar veio do psdb e de dentro do governo fhc!!! Cuidado com isso”, diz Paulo Galvão, que é respondido por Dallagnol: “Agora é diferente”(…) “Não é uma crença ou partido em comum” (…) “É trabalhar lado a lado, unha e carme”.
Já Pozzobon diz que é preciso ter informações mais fundamentadas antes de passá-las para a imprensa. “Mas acho que temos que confirmar minimamente isso antes de passar pra alguém investigar mais a fundo, Delta”.
Em março de 2019, a força-tarefa tentaria novo pedido de suspeição de Gilmar Mendes, desta vez no caso Paulo Preto, alegando relações do magistrado com Aloysio Nunes. Dallagnol articularia com as forças-tarefas da Lava Jato de Curitiba, do Rio de Janeiro e de São Paulo para dar força ao pedido. Este, como outros do passado, também foi arquivado.
Força-tarefa
Ao El País, a força-tarefa, disse em nota que “não surgiu nas investigações nenhum indício de que cartões da conta de Paulo Vieira de Souza tenham sido emitidos em favor de qualquer autoridade sujeita a foro por prerrogativa de função”.
Além disso, a nota informou que, “em todos os casos em que há a identificação de pagamentos de vantagens indevidas e lavagem de ativos no exterior, o Ministério Público busca fazer o rastreamento do destino de todos os ativos ilícitos, para identificar os destinatários desconhecidos”. Ainda conforme informado ao El País, a força-tarefa afirma que, sempre que surgem indícios do envolvimento em crimes de pessoas com foro privilegiado, a força-tarefa encaminha as informações à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal.
Ministros
Vale lembrar que, na última semana, foi revelado pela Folha de S. Paulo e The Intercept que Deltan também tentou investigar Antonio Dias Toffoli. O coordenador tinha interesse em suposto envolvimento do presidente do Supremo, de Mendes e suas esposas em empresas envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras.
À época, Gilmar disse que a Lava Jato era uma “organização criminosa para investigar pessoas”. Marco Aurélio, também ministro, afirmou que era “inconcebível que um procurador da República de primeira instância busque investigar atividade desenvolvida por um ministro do Supremo”.