Diego Trindade d’Ávila Magalhães é professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em entrevista ao Jornal Opção, o professor analisa os 12 dias de conflito entre Irã, Israel, e posteriormente Estados Unidos. Diego Magalhães traça ainda um panorama para o futuro na região, a partir do equilíbrio das forças como atualmente se encontram. 

Qual o contexto do conflito entre Irã e Israel? Como a relação dos países se degradou a partir da Revolução Iraniana de 1979?

Os antecedentes da guerra entre Israel e Irã remetem a um problema comum mais amplo: a intervenção de grandes potências para forçar uma mudança de regime político em outros países. No caso, quando o Irã era governado por uma monarquia relativamente secular e liberal, o país tinha boas relações com Israel. Razões econômicas motivaram os EUA e o Reino Unido a apoiarem grupos que contribuíram para a Revolução Iraniana, que instituiu em 1979 o atual regime republicano e teocrático com forte teor antisionista. O resultado daquela intervenção não gerou os benefícios esperados por aquelas grandes potências e criou um poderoso inimigo contra Israel.

Qual a diferença entre os ataques feitos pelos países e uma guerra formalmente declarada? 

Uma guerra envolve o uso de violência organizada a partir de um beligerante, não necessariamente uma declaração. Os ataques de Israel e, depois, dos EUA, ao Irã levaram ao atual estado de guerra. Efetuar um ataque surpresa, em vez de declarar guerra, tem sido uma prática recorrente no século XXI. A principal razão para isso é a vantagem tática de um ataque não anunciado previamente. Consequentemente, reforçam-se dinâmicas hobbesianas de prevalência da força em um “estado guerra de todos contra todos”, que gera cada vez mais crises humanitárias, ignorando o Direito Internacional e as instituições internacionais que oferecem meios pacíficos de solução de controvérsias. 

Qual são os objetivos dos Estados Unidos e de Israel nesse conflito?

Os objetivos dos EUA e de Israel não necessariamente refletem as aspirações das suas respectivas nações. A leitura do “interesse nacional” depende dos tomadores de decisão, de grupos de interesse, etc. 

Em perspectiva mais ampla, há pelo menos cinco décadas, os EUA têm apoiado incondicionalmente Israel com objetivo de estabelecer uma base para suas intervenções no Oriente Médio. O lobby israelense em Washington reforça essa posição e tem conseguido recursos militares, tecnológicos e financeiros para o país. Ambos os estados têm feito o máximo para impedir a consolidação de estados estáveis e fortes com posições antagônicas na região. 

Na atual conjuntura, interesses políticos domésticos moldam a tomada de decisão. O fato de o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, ser alvo de graves acusações que podem resultar em sua prisão tem prolongado o estado de guerra. O presidente dos EUA também vê benefícios políticos ao apoiar Israel e tentar unir o país durante uma nova guerra. 

Qual o impacto da guerra na região? O Irã ameaçou fechar o Estreito de Ormuz em retaliação; qual seriam as consequências? 

O impacto da guerra é o sofrimento humano em grande escala, sobretudo de civis. Milhões de pessoas fugindo de casa sem ter para onde ir, com fome e risco de morte. O contexto caótico fortalece a instabilidade política e o terrorismo. 

O Estreito de Ormuz é um dos gargalos relevantes para a economia mundial, ainda muito dependente de petróleo. O Irã disputará com os EUA o controle sobre essa área marítima. O interesse de potências como França e China na estabilidade dos fluxos comerciais é o principal vetor de efetiva ampliação dos atores envolvidos nessa questão. 

Como o confronto pode afetar o Brasil?

Como a matriz de transporte brasileira é petróleo-dependente, e o preço da commodity é definido internacionalmente, a perspectiva é de aumento nos preços de combustíveis. Diante da natureza desse choque externo, não adianta aumentar a taxa de juros sob o pretexto de controlar a inflação. Cabe efetuar política de estímulo à oferta e de financiamento dos principais setores afetados, com o foco nas pessoas de menor renda.

Acredita que outros países podem se envolver no conflito com a escalada das tenções? Tendo em vista que o Irã é um dos maiores fornecedores de drones para a guerra da Ucrania, como a Rússia pode reagir?

Irã e Rússia têm uma parceria estratégica abrangente, e é possível um envolvimento informal da Rússia na guerra. A princípio, a União Europeia e a China insistem na solução pacífica por meio da ONU. O que esses atores farão em seguida dependerá justamente do acirramento da violência entre Irã, Israel e EUA. 

A perspectiva de uma Terceira Guerra Mundial existirá enquanto prevalecer a ideia de que conflitos de interesse se resolvem com violência. Albert Einstein, uma das maiores mentes do século XX, disse uma vez: “Não sei como será a terceira guerra mundial, mas sei como será a quarta: com pedras e paus”.