Dois pesos, duas medidas? Diferença nas punições a aterros em Aparecida de Goiânia levanta questionamentos

06 junho 2025 às 19h46

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*Atualizada às 9h49 de 7/6 com posicionamento da Semad
Em março de 2025, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) embargou o aterro sanitário municipal de Aparecida de Goiânia, alegando o descumprimento, por parte da Prefeitura, de um Termo de Compromisso Ambiental (TCA) firmado para regularizar as estruturas e a operação do local. Na ocasião, a pasta chegou a rescindir o TCA, afirmando que a decisão foi tomada após “um ano de cobranças e de negociações para que as irregularidades fossem sanadas”.
A medida contrasta com a postura adotada apenas um mês antes, em fevereiro, diante de irregularidades constatadas no outro aterro da cidade – este de gestão privada. Na ocasião, o empreendimento foi flagrado descartando chorume de forma irregular em um afluente do córrego Santo Antônio, um dos principais mananciais de Aparecida. A denúncia foi registrada em vídeo por um morador do bairro Vale do Sol, vizinho ao aterro, que garantiu que o problema não era novidade: “Isso acontece todo ano, e este já é o terceiro consecutivo. O odor é insuportável”.
Acionada, a Semad confirmou ter ido ao local e, em nota, declarou que “medidas foram adotadas e o vazamento foi cessado”. No entanto, mesmo com indícios de contaminação da rede pluvial e uso de locais inadequados para o descarte de chorume, a penalização foi mais branda do que aquela aplicada ao aterro municipal.
O relatório de fiscalização nº 00440/2025 da própria Semad apontou que o sistema de drenagem pluvial do aterro privado era “inadequado”, pois “não abrangia toda a estrutura do maciço e não havia rede de drenagem no entorno das lagoas de chorume”. A ausência de medidas de contenção também foi observada em áreas internas do empreendimento que, embora não operacionais, careciam de qualquer estrutura de controle hídrico. “Não havia quaisquer medidas de disciplinamento das águas instaladas, seja na forma de instalação de estruturas e rede de drenagem, ou técnicas de dissipação e contenção”, descreve o documento.
Na área de disposição de resíduos, os técnicos detectaram a comunicação direta entre a rede de drenagem de chorume do maciço e a rede de drenagem pluvial, o que resultava na “contaminação das águas pluviais que são posteriormente direcionadas para infiltração no solo”. O relatório também registrou que as falhas no sistema de drenagem provocaram a “descaracterização e início de processos de ravinamento” e a “desconstrução dos taludes do maciço”, condições que, segundo os fiscais, “podem levar ao comprometimento da estabilidade geotécnica da estrutura”.
Apesar da gravidade das infrações, o aterro privado não foi embargado. A sanção ficou restrita à aplicação de multa no valor de R$ 1,7 milhão e à exigência de medidas corretivas. A reportagem apurou que, no caso do aterro municipal, infração semelhante resultou não apenas em multa maior, de R$ 2,7 milhões, como também em embargo. O aterro privado, por sua vez, foi multado em dois momentos distintos, totalizando R$ 2 milhões.

A diferença no rigor das penalidades entre os dois aterros – um público, outro privado – não parece ser um episódio isolado. O Jornal Opção apurou que o aterro operado pela empresa CTR Metropolitana Serviços Ambientais recebeu sua Licença de Instalação (LI) em 2015, autorizando o recebimento de até 1,2 mil toneladas de resíduos por dia, com validade até 2021. No entanto, essa licença foi concedida mesmo sem a conclusão da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), uma exigência essencial para o funcionamento adequado do aterro e o tratamento do chorume. Somente em agosto de 2022 a CTR Metropolitana firmou convênio com a Saneago para destinar o lixiviado à ETE Dr. Hélio Seixo de Britto.
No início de 2023, a mesma empresa foi autuada pela Semad em R$ 250,5 mil por não cumprir a condicionante que determinava a destinação do chorume a uma instalação licenciada. Apesar disso, nenhuma medida de embargo foi aplicada. Em contrapartida, o aterro municipal de Aparecida firmou um novo TCA em julho de 2024, válido por 180 dias, com o compromisso de cumprir 40 obrigações e metas específicas para sua regularização.
Danos ao meio ambiente
Operadora do aterro sanitário privado de Aparecida de Goiânia, a CTR Metropolitana Serviços Ambientais compõe o grupo Orizon Valorização de Resíduos, que detém a maior quantidade de contratos com municípios para serviços de destinação de resíduos no Brasil.
Em entrevista concedida ao Jornal Opção em fevereiro deste ano, à época da denúncia de vazamento do chorume, um engenheiro ambiental e sanitarista alertou, sob reserva, sobre o risco ambiental causado pelo ocorrido. “O crime ambiental pode ser genérico, mas o principal dano é ao lençol freático. O chorume lançado irregularmente no solo pode infiltrar e contaminar os recursos hídricos subterrâneos”, explicou.
Segundo ele, a Orizon, que controla a CTR Metropolitana, por ser uma empresa de capital aberto com ações na bolsa de valores, deveria ter uma fiscalização ainda mais rigorosa. “Isso já aconteceu antes. Há alguns anos, um diretor de uma multinacional foi preso por um acidente parecido no Pará. Em 2010, um diretor da Comurg também foi preso por um problema semelhante no aterro de Goiânia. Isso demonstra um despreparo na vigilância, tanto dos órgãos governamentais quanto do compliance da empresa”.
Pressão por privatização?
Como noticiado pelo Jornal Opção nesta sexta-feira, 6, após o embargo do aterro sanitário municipal pela Semad devido à perda da licença durante a gestão anterior, a Prefeitura de Aparecida de Goiânia vai contratar emergencialmente um aterro privado, de forma temporária, para os resíduos domésticos da cidade. De acordo com o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Wagner Siqueira, essa contratação, prevista para os próximos dias, resulta de um acordo firmado com o Ministério Público, com o objetivo de garantir a destinação adequada do lixo enquanto a licença do aterro municipal não é regularizada.
Em entrevista à reportagem, Siqueira explicou que o embargo foi consequência de falhas da gestão anterior, que não solicitou a renovação da licença dentro do prazo. “O então prefeito [Vilmar Mariano] perdeu a licença por não protocolar o pedido e por não adotar os manejos necessários. Assim que o prefeito Leandro Vilela assumiu, conseguimos restabelecer uma condição extraordinária de operação do aterro”, afirmou.

O secretário garantiu que toda a documentação necessária para a emissão da nova licença já foi enviada e está em análise. Enquanto isso, a solução encontrada foi contratar, em caráter emergencial, os serviços do aterro privado da região, operado pela CTR Metropolitana Serviços Ambientais.
Fontes ouvidas pela reportagem, porém, indicam que nos bastidores existe uma suposta pressão da Secretaria Estadual de Meio Ambiente para que o aterro municipal seja privatizado. Um especialista em manejo de resíduos, que falou sob condição de anonimato, disse que há a percepção de um tratamento desigual: “parece que há um cartão amarelo para um e vermelho para o outro. Dois pesos, duas medidas” em relação às sanções aplicadas a aterros privados e públicos por violações semelhantes.
A Semad, por sua vez, declarou na época do embargo que “caso o município deseje regularizar as estruturas e transformá-las em um aterro sanitário, poderá solicitar o licenciamento corretivo, mediante a apresentação de relatórios que comprovem a adequação completa das instalações para uma operação segura”.
O que diz a Metropolitana Serviços Ambientais
Em nota enviada ao Jornal Opção, a CTR Metropolitana declarou operar com tecnologia avançada para a destinação final de aproximadamente 12 mil toneladas de resíduos por mês, “reforçando seu papel e responsabilidade essencial na preservação ambiental e na qualidade de vida da população”.
Sobre o tratamento do chorume (ETC), a empresa afirmou ter adquirido o “equipamento mais moderno do Centro-Oeste, com tecnologia alemã”, capaz de tratar até 220 mil litros por dia. O sistema, detalha a Metropolitana, usa o processo de osmose reversa, que “garante a qualidade do efluente final ao nível de água tratada, resultando na produção de água de reuso, que pode ser usada em suas próprias instalações, em conformidade com o que estabelece a legislação vigente”.
“A empresa informa que, em relação ao incidente de fevereiro de 2024: foi rapidamente solucionado, sem prejuízos ao meio ambiente ou à continuidade dos serviços essenciais. As autoridades competentes — em especial os órgãos municipais e estaduais — acompanham todas as ações da CTR, atestando-se a regularidade e a conformidade das medidas adotadas e a operação atual”, concluiu.
O que diz a Semad
A reportagem do Jornal Opção perguntou à Semad se, após aplicação de multa à Metropolitana, houve fiscalizações posteriores. Em resposta, a pasta afirmou que em ato contínuo ao processo que flagrou o descarte irregular de chorume, foi realizado, no dia 14 de fevereiro, nova vistoria para constatar a cessação do lançamento e medidas a serem adotadas para correção do dano.
A Secretaria informou que o processo foi acompanhado administrativamente pelas equipes da Superintendência de Licenciamento Ambiental (SLA), Gerência de Licenciamento de Atividades de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano (Geinf) e da Gerência de Licenciamento de Atividades Estratégicas e de Significativo Impacto (Geasi). “A Metropolitana, então, deu entrada no processo 2025969 no Sistema Ipê, ainda dentro do prazo de validade de sua licença de operação nº 51/2024, tendo sido realizada vistoria para acompanhamento das demandas de regularização ambiental do empreendimento no dia 03/06/2025”.
A reportagem também questionou o porquê de a pena da Metropolitana ter sido, novamente, aplicação de multa, já que a empresa já havia sido alvo de auto de infração. A Semad respondeu que tendo em vista se tratar de empreendimento que recebe os resíduos de diversos municípios, “a paralisação súbita das operações poderia causar dano à ordem pública, interrompendo a coleta municipal nos municípios afetados que não teriam tempo hábil para adotar outra solução devidamente licenciada para a sua disposição de resíduos”. “Por esse motivo, e considerando que a licença nº 51/2024 ainda se encontrava válida, optou-se pela aplicação de multa diária até a comprovação pela Metropolitana Serviços Ambientais da adequação do empreendimento às normas vigentes”.
Foi questionando, ainda, pelo Jornal Opção, se não estaria havendo tratamento desigual entre os aterros, uma vez que ambos os aterros cometeram violações semelhantes, principalmente no que toca ao tratamento de chorume. A isso, a Secretaria de Meio Ambiente disse que o “lixão de Aparecida de Goiânia, para além das mesmas infrações constatadas no aterro da MAS [sic], apresentava também irregularidades graves e que afetavam diretamente a disposição de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), como ausência de recobrimento e compactação, atração excessiva de avifauna e entomofauna, controles inadequados de dispersão de poeira e odores, dentre outros constatados no Relatório de Fiscalização”.
Essas falhas graves e continuadas, continuou a pasta, resultaram na rescisão do TCA, bem como no indeferimento e arquivamento do processo de licenciamento.
“Portanto, é importante ponderar que existem diferenças sensíveis entre o processo que envolve o aterro da Metropolitana e o lixão de Aparecida. A primeira delas é que a Metropolitana tem licença ambiental, diferente do lixão de Aparecida”, argumentou.
“O segundo ponto é que as infrações constatadas no lixão de Aparecida são significativamente mais graves e numerosas do que as observadas no lixão de Aparecida, como dito anteriormente. O que houve na Metropolitana foi um vazamento ocorrido no período de chuva e a empresa se comprometeu imediatamente a fazer a correção. O terceiro ponto é que a Metropolitana hoje recebe resíduos sólidos de vários municípios e não haveria, para eles, solução de curto prazo no que tange à disposição ambientalmente adequada de resíduos sólidos. Por essas razões, o embargo não foi feito”.
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