Com a entrada em vigor prevista para esta sexta-feira, 1, da sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros anunciada por Donald Trump, diplomatas do Itamaraty defendem cautela e articulação prévia antes de qualquer contato direto entre o presidente dos Estados Unidos e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A avaliação interna no Ministério das Relações Exteriores é de que uma ligação entre os dois chefes de Estado só deve ocorrer após um acerto entre emissários da Casa Branca e do Palácio do Planalto. O temor é que uma conversa mal planejada resulte em constrangimentos semelhantes aos já registrados em interações recentes de Trump com outros líderes internacionais.

“Telefonema entre presidentes não se improvisa. Requer preparação prévia. Em crises como a atual, mais ainda”, disse um diplomata, sob condição de anonimato, à GloboNews. “Quando não há costura bem amarrada, acontecem cenas como a do Zelensky e do Ramaphosa no Salão Oval recentemente.”

No caso do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, Trump elevou o tom e classificou o líder como “desrespeitoso” com os EUA. Já em reunião com o sul-africano Cyril Ramaphosa, o norte-americano exibiu vídeos sem comprovação sobre um suposto “genocídio branco” na África do Sul.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também defendeu uma preparação criteriosa para qualquer eventual contato entre os presidentes, ressaltando a necessidade de um ambiente respeitoso e diplomático.

“Tem de haver uma preparação antes para que seja uma coisa respeitosa, para que os dois povos se sintam valorizados à mesa de negociação. Não haja um sentimento de vira-latismo ou subordinação”, afirmou o ministro. “Já presenciamos conversas que não foram respeitosas. Cabe aos ministros azeitar os canais.”

Segundo Haddad, há sinais de que o governo norte-americano está aberto a discutir alternativas ao tarifaço, o que reforça a importância de diálogo técnico e diplomático antes de qualquer movimentação presidencial.

Enquanto isso, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que estava em Nova York participando de evento sobre a Palestina, sinalizou disposição para ir pessoalmente a Washington negociar com membros do governo Trump, caso haja abertura formal.

“Nossa posição quanto à negociação está clara: estamos prontos para dialogar sobre as tarifas. A viagem do ministro é mais uma reiteração dessa postura”, afirmou um interlocutor do Itamaraty. Até o momento, não há confirmação oficial de reuniões em Washington, mas diplomatas indicam que os bastidores seguem em movimentação constante.

No Planalto, auxiliares de Lula veem com apreensão o comportamento “imprevisível” de Trump em interações com outros chefes de Estado. Por isso, insistem na necessidade de roteirização conjunta da conversa, caso ela aconteça.

Apesar da disposição para negociar as tarifas, o governo brasileiro tem reiterado que não aceitará discutir temas considerados internos, como a situação judicial do ex-presidente Jair Bolsonaro — réu no Supremo Tribunal Federal por tentativa de golpe de Estado e outros crimes.

“A soberania do Brasil e o estado democrático de direito são inegociáveis”, informou o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), em nota. “O governo brasileiro continua aberto ao debate comercial, em postura clara também para os EUA.”

Nos bastidores, fontes do Itamaraty e do MDIC informam que já ocorreram cerca de dez rodadas técnicas de conversas com autoridades norte-americanas. Ainda assim, não houve consenso até o momento.

Uma carta enviada por Trump a Lula incluiu menções ao cenário político brasileiro e ao processo contra Bolsonaro, o que foi interpretado como uma tentativa de pressionar o governo brasileiro em temas fora da pauta comercial.

Senadores pressionam por diálogo direto

Enquanto a diplomacia busca costurar um canal de negociação técnico, parte da comitiva de senadores brasileiros que está em missão nos EUA tem defendido que Lula e Trump conversem diretamente, na tentativa de conter os efeitos do tarifaço. A medida, se mantida, afetará exportações agrícolas, siderúrgicas e industriais brasileiras.

O Itamaraty, no entanto, insiste que telefonemas presidenciais não devem ocorrer por impulso. “Improvisação e voluntarismo aqui não cabem”, reforçou um diplomata ouvido pela reportagem.

Se não houver recuo por parte dos EUA, a sobretaxa de 50% sobre importações brasileiras passa a valer já nesta sexta-feira, 1º. A medida é vista por analistas como a maior interferência comercial americana na América Latina desde a Guerra Fria, com impacto direto sobre a balança comercial brasileira e o clima diplomático entre os dois países.

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