Destinar terras públicas é a política climática mais urgente para o Brasil

15 outubro 2025 às 11h57

COMPARTILHAR
Enquanto o debate global sobre mudanças climáticas se dispersa em fórmulas complexas, o Brasil negligencia uma das medidas mais eficazes e acessíveis para conter suas emissões: destinar as terras públicas ainda sem uso definido. O combate à grilagem — a apropriação ilegal de áreas da União, estados e municípios — é a chave para uma proteção florestal duradoura e para estabilizar o balanço climático nacional.
A grilagem como motor do desmatamento
A grilagem segue sendo uma das principais causas do desmatamento na Amazônia e, consequentemente, das emissões de carbono no país. Dados do Ipam mostram um avanço recente: o desmatamento em florestas públicas caiu de 54% (2021–2022) para 44% em 2024, com destaque para as Florestas Públicas Não Destinadas (FPNDs), que lideraram a redução. O resultado prova que a fiscalização funciona, mas também que seu efeito é frágil e depende de vontade política. Estudos indicam que o desmate tende a crescer em anos eleitorais ou sob sinais de tolerância governamental.
Para romper esse ciclo, o país precisa ir além da repressão e enfrentar a causa estrutural: a vulnerabilidade das terras sem destinação legal, que permanecem como alvo fácil para a ocupação criminosa.
Por que a destinação funciona
O risco de invasão de uma floresta depende de três fatores: ameaça, acesso e vulnerabilidade. A ameaça — o lucro com a madeira ilegal, a pecuária e a especulação — é constante. O acesso cresce com estradas formais e clandestinas. O único fator controlável é a vulnerabilidade, que surge quando o Estado não define o destino jurídico de suas terras.
Essa vulnerabilidade se agrava quando o poder público anistia invasores, oferecendo descontos na compra de áreas griladas. O resultado é perverso: o crime é recompensado. E, mesmo sem anistia, a ocupação ilegal continua lucrativa.
Um levantamento do Imazon, que analisou 526 decisões judiciais sobre grilagem na Amazônia Legal, revela que apenas 7% resultaram em condenações. Em 34% dos casos, os crimes prescreveram. A mensagem é clara: invadir terra pública é um negócio de alto retorno e risco mínimo.
O desafio e a oportunidade
Segundo o Observatório de Terras Públicas, o Brasil possui 50 milhões de hectares de florestas públicas sem destinação — 19 milhões sob gestão federal e 31 milhões sob os estados. Quando essas áreas recebem um destino formal — como Unidades de Conservação, territórios indígenas ou concessões florestais sustentáveis —, o risco de invasão despenca.
A destinação exige custos administrativos, como demarcação, gestão e vigilância. Mas esses custos são muito menores que o prejuízo do desmatamento e das reintegrações de posse recorrentes. Há fontes de financiamento disponíveis, como o Fundo Amazônia, o Fundo Clima e a arrecadação de multas ambientais, ainda subutilizadas.
Um plano de ação imediato
O Executivo federal e os estados devem acelerar a destinação das áreas sob sua responsabilidade, priorizando a conservação. Instrumentos provisórios, como as Áreas sob Limitação Administrativa Provisória (Alaps), podem proteger rapidamente regiões ameaçadas.
É essencial também barrar a inscrição de Cadastro Ambiental Rural (CAR) em florestas públicas e notificar eletronicamente invasores, deixando explícito que não haverá regularização de ocupações ilegais.
Como a maior parte das terras está sob jurisdição estadual, a União pode trocar destinação por abatimento de dívidas estaduais, vinculando os benefícios a metas ambientais. Estados que reduzirem o desmatamento podem receber prioridade em crédito rural, assistência técnica e investimentos em infraestrutura verde.
O Judiciário, especialmente o STF, deve garantir o cumprimento das decisões que proíbem a regularização de áreas com ilícitos ambientais e padronizar o entendimento de que ocupação não gera direito à posse. É crucial também cancelar registros fraudulentos em cartórios que dão aparência de legalidade à grilagem.
Já os Tribunais de Contas precisam auditar a governança fundiária e calcular o custo econômico e ambiental da omissão: perda de ativos florestais, emissões e renúncia de receitas públicas.
Transformar avanço em tendência
Os avanços recentes no controle do desmatamento mostram que o Brasil sabe como agir, mas ainda atua de forma reativa. A destinação de terras públicas é a política que fecha a torneira do desmatamento.
Quando uma floresta recebe identidade jurídica e presença estatal, o crime perde sua principal aposta: a esperança de que, um dia, a invasão será recompensada.
Destinar é proteger — e garantir ao Brasil justiça territorial, segurança jurídica e soberania climática.