Ao ignorar as ressalvas do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO) e do Ministério Público de Contas (MPC) durante a discussão e aprovação do decreto legislativo que reconhece a situação de calamidade pública na Secretaria Municipal de Fazenda de Goiânia, os deputados estaduais ignoraram os órgãos de controle. Durante a tramitação da proposta, deputados de oposição pediram que o decreto fosse levado ao TCM para para que o tribunal avaliasse e fizesse um parecer para dar segurança jurídica à Assembleia Legislativa de Goiás.

Na manifestação, o TCM e o MPC recomendaram condições mínimas para “evitar abusos administrativos”. Entre as condicionantes está a fixação de um prazo máximo para a vigência do estado de calamidade, definido para 120 dias. Além disso, o decreto não poderá ser utilizado como argumento para descumprir a ordem cronológica de pagamento dos prestadores de serviço nem para realizar contratação por meio de dispensa de licitação. O Paço Municipal também não pode flexibilizar os limites de despesas com pessoal e deve extinguir contratos descumpridos, irregulares ou viciados.

O parecer do TCM ainda afirma que a Prefeitura de Goiânia apresente, no prazo de 30 dias, um plano detalhado de recuperação fiscal que contenha metas, prazos e ações concretas para reverter o quadro de desequilíbrio financeiro e implementar mecanismos para melhorar a arrecadação tributária, fortalecendo a fiscalização e a recuperação de créditos inscritos em dívida ativa.

Além disso, a limitação de empenhos, conforme o artigo 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), deve ser observada, a fim de evitar o aumento excessivo de compromissos financeiros. A renegociação de contratos também deve seguir os dispositivos previstos nos artigos 129 e 130 da Lei Federal 14.133/21, e é imprescindível que contratos descumpridos, irregulares ou contrários ao interesse público sejam extintos, conforme os artigos 137 e seguintes da mesma lei, garantindo a legalidade e eficiência na gestão pública durante períodos de calamidade.

Os decretos de calamidade pública são válidos por até 180 dias e abrangem desde a suspensão a novas adesões a atas de preços até restrições na aquisição de equipamentos de tecnologia. O decreto financeiro visa possibilitar o contingenciamento de despesas e a renegociação de dívidas, incluindo precatórios e obrigações previdenciárias.

Manifestação ignorada

Provocado, ambos os órgãos de controle se movimentaram, analisaram juridicamente e de forma sistemática, os dados apresentados pela Prefeitura de Goiânia que embasaram o pedido de reconhecimento da situação calamitosa. O MPC, por exemplo, alertou que a instituição da calamidade pode trazer consigo diversas consequências jurídicas relevantes com a potencialidade de abrir margem para que a administração pública realize uma série de atos excepcionais que são vedados pela legislação. Por exemplo, descumprir a ordem cronológica de pagamentos, realizar contratações diretas, sem licitação, flexibilização nas obrigações relacionadas ao gasto com pessoal e limites de empenhos e movimentações financeiras.

Preocupação do MPC é que os atos excepcionais possam promover favorecimentos indevidos, tornando o ambiente público mais suscetível à desvio de condutas e práticas ilegais – Manifestação do Ministério Público de Contas

Ao declarar situação de calamidade na saúde, o Paço Municipal teve a garantia da excepcionalidade dos atos administrativos, limitados à Secretaria de Saúde e para as ações que fossem realmente imprescindíveis para superar a calamidade. No entanto, ao pleitear a calamidade também no âmbito das finanças, a medida tem potencial para impactar diretamente todas as esferas municipais.

Na primeira manifestação, o MPC, através da Secretaria de Controle Externo de Contas – (SECEXCONTAS) discordou da decretação de calamidade pública na Fazenda de Goiânia, mas novos documentos foram juntados ao processo e a relação entre a dívida flutuante e a receita corrente líquida do município prevista para 2025 mostrou-se capaz de impactar negativamente na disponibilidade financeira do município.

O decreto de calamidade financeira tem sido utilizado por diversas prefeituras como uma ferramenta administrativa para divulgar a crise fiscal enfrentada pelos municípios e justificar medidas emergenciais. Assim como ocorreu recentemente em pelo menos nove cidades brasileiras, o instrumento permite renegociar contratos, reduzir despesas com pessoal e chamar a atenção para a insuficiência de repasses governamentais.

Em Betim (MG), por exemplo, a prefeitura anunciou o fechamento de unidades de saúde e a suspensão de partos na maternidade pública, justificando a medida com a grave situação financeira. Apesar de cortes significativos, como a redução de R$ 100 milhões em despesas, a arrecadação municipal caiu R$ 167 milhões, agravando o cenário de crise. Situação semelhante foi registrada em Teresópolis (RJ), onde a folha de pagamento consome R$ 260 milhões da receita prevista de R$ 390 milhões, ultrapassando o limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Com validade de quatro meses, o decreto tem sido uma alternativa para que os prefeitos oficializem as dificuldades financeiras e busquem soluções administrativas diante da queda na arrecadação e do aumento das despesas.

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