Delicado e marcante, iraniano ‘Meu Bolo Favorito’ reencontra a doçura da vida em meio à escuridão
23 novembro 2025 às 17h40

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Sem exageros ou bajulações, pode-se dizer, sem sombra de dúvida, que o cinema iraniano é um dos melhores de que se tem notícia. Quase invariavelmente, diretores e roteiristas desse país do Oriente Médio, tão fatigado por guerras e regimes autoritários, conseguem entregar ao mundo histórias sensíveis, criativas e extraordinariamente bem contadas.
Produções como “A Separação”, de Asghar Farhadi, e “Onde Fica a Casa do Meu Amigo?”, de Abbas Kiarostami, que o digam. E agora, “Meu Bolo Favorito”, filme iraniano de 2024 dirigido por Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha, surge como mais uma prova incontestável disso.
Mahin, interpretada com maestria por Lili Farhadpour, é uma enfermeira aposentada de 70 anos que se arrasta por dias solitários de pequenos afazeres domésticos. Viúva, ela mendiga a atenção de filhos já ocupados demais com suas vidas e conta os minutos para um encontro anual – antes mensal – com amigas dos tempos de juventude, que hoje recheiam seus assuntos com dores, doenças e vontades não vividas.
Até que Mahin, seguindo o conselho de uma amiga, passa a se abrir de novo para a vida e começa a, quase literalmente, caçar um novo amor. A aposentada conhece Faramarz, vivido por Esmaeel Mehrabi, um taxista solitário que encontra nela um novo motivo para se levantar da cama pela manhã.
A princípio, a história, contada dessa maneira, pode soar como mais um filme sobre a redescoberta do amor na terceira idade (tema menos abordado no cinema do que se deveria). No entanto, passa longe disso.
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Lembro ao caro leitor que o povo iraniano vive sob um regime fundamentalista, que mistura teocracia xiita e magistratura. Conselhos religiosos costumam ter a palavra final sobre os assuntos mais pertinentes do país, e uma chamada Polícia da Moral pode levar presas até mulheres que estejam usando o hijab (tipo de véu islâmico) de maneira considerada incorreta.
A conexão extraordinária entre Mahin e Faramarz nasce em um contexto atual e real no qual o simples fato de uma mulher receber em casa um homem que não seja seu marido pode levá-los à prisão.
Cientes dos riscos de simplesmente se conhecerem, Mahin e Faramarz embarcam juntos numa jornada de redescoberta da vida, comovente até a alma. Com doçura e sutileza, os diretores de Meu Bolo Favorito conseguem elevar momentos singelos, como dois idosos tentando tirar uma foto pelo celular ou dançando e cantando juntos pela sala, a verdadeiras lições de como viver em tempos de adversidade.
A alegria ingênua e eufórica de Mahin e Faramarz, a excitação pela possibilidade de ter novamente uma companhia com quem dividir momentos, a delicadeza das atuações e os cenários intimistas e reconfortantes fazem com que o espectador solte suspiros e inevitavelmente fique com os olhos marejados.
“Meu Bolo Favorito” não é um filme apenas sobre o amor na terceira idade. Tampouco é apenas sobre política – apesar de os efeitos do regime iraniano serem sentidos em cada olhar e diálogo. Muito além disso, a produção é uma homenagem à simplicidade da vida, à busca atemporal do amor e ao uso desse sentimento como escudo em tempos de repressão e fundamentalismo.
Vencedor de dois prêmios no Festival de Berlim em 2024 (o Prêmio do Júri Ecumênico e o Prêmio Fipresci, da crítica internacional), “Meu Bolo Favorito” é como uma tarde de café com bolo de fubá na varanda que termina em chuva: um tanto agridoce em seu final, mas que valeu cada segundo de sua duração.
O filme está disponível no Reserva Imovision.
