Conheça o ipê-amarelo de quase 70 anos que testemunhou o crescimento do centro de Goiânia

21 setembro 2025 às 20h32

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Em meio ao constante pulsar de uma metrópole em evolução, onde o concreto frequentemente supera o verde, uma sentinela permanece. Diante do estacionamento do Parque Mutirama, no Setor Central, um ipê-amarelo de quase 70 anos ergue seus galhos retorcidos como um testemunho vivo da história goianiense.
Plantado em 1957 por Cecília de Siqueira Brito, uma paulista que adotou Goiânia como lar, a árvore não é apenas a mais antiga de sua espécie na capital, mas um arquivo biológico que viu crianças brincarem em sua sombra, uma residência familiar transformar-se em estacionamento e uma cidade borbulhar à sua volta. Agora, este símbolo de resiliência e beleza, conhecido por sua floração exuberante que pontifica o árido cerrado, está em vias de ser tombado como patrimônio histórico e cultural do estado, um tributo à sua narrativa singular e à sua imponência silenciosa.
A história deste ipê específico entrelaça-se com a da própria família Brito. Quando Cecília chegou de São Paulo, estabeleceu-se em uma casa de quintal generoso na então incipiente Avenida Contorno. Ali, ela plantou a muda que, décadas depois, se tornaria uma referência urbana.
Seus filhos e, posteriormente, seus netos, cresceram correndo ao redor do seu tronco, pendurando balanços em seus galhos mais baixos. A árvore foi cenário de risos, de jogos infantis e de reuniões familiares, uma constante em um mundo em rápida transformação.
Com o tempo, a casa deu lugar ao progresso, substituída por um estacionamento para atender aos visitantes do vizinho Parque Mutirama. No entanto, contra todas as probabilidades, o ipê permaneceu. Ele sobreviveu à antropização intensiva, à expansão do asfalto e ao surgimento de supermercados e edifícios, tornando-se um elo poético e persistente com um passado mais simples.
A bióloga Wanessa de Castro, da Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma), é uma das guardiãs modernas desta história. Em entrevista ao Jornal Opção, ela detalha a jornada para preservar o espécime. “Esse ipê do Mutirama tem 68 anos. Para nós, ele é o mais lindo de Goiânia. É muito perto do prédio da Amma, então a gente sempre passa por ele, há anos, esperando a sua florada. Até que resolvemos: vamos fazer um relatório para tombar este pé, para não perdê-lo, já que ele está numa área interna particular. Fomos então levantar a história dessa família”.
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O processo de tombamento, conforme explica a bióloga, já foi encaminhado à Secretaria Municipal de Cultura (Secult). “O processo dele está na Secult, para fazer o tombamento. Nós fizemos um relatório da importância dele”. A previsão para a conclusão, no entanto, ainda é incerta, dependendo da análise técnica dos especialistas. O objetivo é transformar a árvore em um patrimônio formal, garantindo sua proteção legal perpétua.
A ciência por trás da beleza
Além de sua história, o ipê-amarelo (Handroanthus serratifolius) é uma maravilha da adaptação biológica. Conhecida como “a flor nacional” do Brasil, sua espetacular floração amarela, que ocorre no auge da seca, é na verdade uma sofisticada estratégia de sobrevivência.
Wanessa de Castro explica o fenômeno: “É uma espécie brasileira, porque se adapta muito bem no cerrado. Essa época do ano traz esse contraste: o cerrado é totalmente seco, com temperaturas altas e estresse hídrico. É esse estresse que ele passa que faz com que ele floresça. Ele perde as folhas para economizar energia para poder florescer e depois soltar sementes para germinarem com a chegada das chuvas”.
Contudo, mesmo sendo uma espécie nativa e adaptada, viver no coração de uma cidade impõe desafios extras. “Ele precisa de uma área permeável boa para conseguir infiltrar água da chuva, que fará sua manutenção durante o ano”, pontua a bióloga. Enquanto mudas requerem cuidado humano e irrigação, uma árvore adulta depende criticamente de solo não impermeabilizado para que suas raízes acessem a água subterrânea. A localização do ipê do Mutirama, embora asfaltada ao redor, ainda lhe oferece o mínimo necessário para persistir.
Sua floração é um evento fugaz e magnífico. “A floração dele é muito rápida: de três a sete dias ele já perdeu as flores”, destaca Castro. Essa brevidade é o que torna o espetáculo anual tão aguardado e especial. Neste ano de 2025, contudo, o ipê histórico tem demonstrado uma floração mais tardia, um comportamento que intriga os especialistas. “Ele é um dos últimos a florescer. Pode ser pela idade, pode ser pelo ciclo dele, por estar perto de um parque… Se o metabolismo dele é mais lento por conta da idade, demandaria um estudo”, pondera a bióloga.
Goiânia, a cidade dos Ipês
A paixão por ipês não se restringe a esta única árvore. A Amma estima existirem mais de 50 mil exemplares espalhados pela capital, um verdadeiro mar de cores durante a temporada de floração. Conforme Wanessa de Castro contabiliza, há cerca de 10 mil exemplares apenas das espécies amarela e rosa, número que cresce constantemente devido à preferência popular nas ações de distribuição de mudas da prefeitura.
A cidade é pontuada por verdadeiros corredores de beleza. “Em frente à Avenida Anhanguera, no Largo das Rosas, tem árvores de ipês de fora a fora. Lá na Goiás Norte tem os ipês também… uma avenida só de ipês, que foi uma retirada dos Flamboyants, substituídos por ipê branco”, enumera Castro. Além do amarelo, a palette urbana é enriquecida pelas variedades roxa, rosa, branca e pela mais rara de todas, a verde.
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Todas as espécies compartilham o mesmo ciclo, florescendo sequencialmente durante a seca. “Primeiro vem o ipê roxo, depois o amarelo, o branco e por último o rosa”, detalha a bióloga. Este espetáculo cronometrado pela natureza transforma o cinza da estiagem em uma explosão de cores, elevando o moral da população e proporcionando um serviço ecológico para a fauna local, que encontra alimento em suas flores.
Planejamento urbano e conservação
A popularidade do ipê, no entanto, exige planejamento. Sua majestade é também seu desafio logístico. “A maioria das espécies de ipês são de grande porte”, alerta Wanessa de Castro. “Para uma calçada, tem que ser avaliado se pode ou não para não ter um conflito com fiações ou estruturas”.
O ipê-amarelo, em particular, é um gigante que não se adequa a espaços confinados. A prefeitura, portanto, prioriza seu plantio em parques, canteiros centrais largos e áreas de preservação, onde pode alcançar seu pleno potencial sem riscos.
Paralelamente, a Amma conduz um programa de reflorestamento e enriquecimento do verde urbano. “Vamos realizar plantios no período chuvoso… priorizamos espécies do cerrado, principalmente frutíferas, para a fauna ter alimento”, planeja a bióloga. A meta é plantar entre 5 mil a 10 mil árvores anualmente, adaptando as espécies escolhidas às características específicas de cada área—seja mais brejosa ou seca. Espécies como o ipê, o nó-de-porco e o jacarandá-mimoso são frequentemente selecionadas para áreas de porte maior.
Este esforço é vital para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e das ilhas de calor urbanas. “O canteiro central tem muita função de resfriar o local”, explica Castro, referindo-se à substituição gradativa de espécies problemáticas, como o jamelão.
Segundo Wanessa de Castro, o ipê-amarelo do Parque Mutirama transcende sua existência botânica. Ele é um monumento vivo. Sua beleza estética—a “florada diferente de outros, muito bonita”—é apenas a camada superficial de seu valor.
Sua verdadeira importância reside na “idade dele, a história que ele tem para o Centro de Goiânia. Ele viu o Centro se modificar com o passar dos anos… ele conta a história, desde a época que foi plantado, quando ali era uma residência”.
Enquanto aguarda a decisão final sobre seu tombamento, a árvore segue seu ciclo eterno. Neste Dia da Árvore, sua copa pode não estar mais no ápice dourado, já que se passaram mais de sete dias desde que começou a florescer, mas sua presença por si é um lembrete de que a identidade de uma cidade é construída não apenas sobre edifícios e avenidas, mas também sobre as raízes profundas de seu patrimônio natural.
Para o cidadão comum, identificá-lo é simples: observe a flor em forma de “conezinho” característica do gênero Handroanthus. Para entendê-lo, porém, é necessário um olhar mais atento. É ver além da casca dura, o que o nome “ipê” significa em tupi, e enxergar a crônica viva de Goiânia que ele carrega.
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