“Goiás é um paraíso para a espeleólografia”. É assim que o espeleólogo Alexandre Lobo começa a relatar a sua experiência ao desbravar o Poço da Camisa, que ficou conhecido como “Lago Sem Fundo de Goiás”, em Divinópolis, cidade que fica a 643 quilômetros de Goiânia. O local foi identificado em 1994 por uma expedição franco-brasileira na área do Parque Estadual da Terra Ronca, mas nunca havia sido explorado por alguém. O poço encanta pelas suas águas cristalinas em tempo de seca, mas que ficam esverdeadas e leitosas em tempo de chuva. 

O nome, segundo uma crença local, veio após um vaqueiro sumir na região e sua camisa ser encontrada presa em um galho perto do poço. A caverna fica dentro de uma propriedade privada, cerca de 100 km do núcleo central do Parque Estadual de Terra Ronca.

O espaço voltou a ser explorado quase 28 anos depois, quando uma pessoa que trabalhava no ramo do turismo foi até a região. Essa pessoa convidou um amigo de Alexandre, que atua como instrutor de mergulho. A descida entre o topo da caverna e água chega a 40 metros de altura.  “Ele mergulhou até 60 metros de profundidade. Lá, ele encontrou uma pilha de sedimentos e um conduto lateral. Ele não entrou nesse espaço porque não estava com o equipamento e com as misturas de gases próprias para fazer isso.”

Encantando com a beleza da região, esse amigo convidou Alexandre para fotografar a região e captar toda a essência mágica do local. Ele afirma que ficou impressionado com a beleza do espaço e que sentiu uma sensação diferente das cerca de mil cavernas que já explorou. “Já tem mais de 30 anos que eu exploro cavernas. E já conheci muita coisa. Quando eu vi a foto, pensei que estava no México, que tem os cenotes, na península de Yucatán, na região da Riviera Maya. O Poço das Camisas me deixou surpreso. Achei o lugar sensacional, lindo e mágico. E me senti privilegiado, pois sei que sou um dos poucos seres humanos que visitaram o local”, afirma. 

Vídeo: Alexandre Lobo

Reconhecimento

Alexandre conta que ficou o dia todo tirando fotos da caverna. O trabalho foi reconhecido no maior concurso latino-americano de fotografia. Ele não venceu o prêmio, mas recebeu uma menção honrosa pela captura das belezas naturais feita em terras goianas. No ano passado, durante uma expedição comemorativa de 30 anos da primeira incursão franco-brasileira, o grupo descobriu mais de dois quilômetros de novas passagens subterrâneas.

“Hoje, com as tecnologias de iluminação e escalada, conseguimos alcançar locais que antes nem víamos. Goiás ainda tem muito a ser descoberto debaixo da terra.”

Foto: Alexandre Lobo

Estudos para viabilizar o turismo na região

Apesar disso, Alexandre conta que não há muitas informações sobre a formação do Paço das Camisas e que estudos mais aprofundados são necessários como forma de catalogação e para regulamentar a atividade turística na região, que ainda não é permitida. 

“A gente não tem muita informação da gênesis dela. O que se sabe é que cavernas são feitas por maciços rochosos e o tipo de rocha que tem lá são feitas de calcários e dolomitos, que são facilmente dissolvidos por águas ácidas. Com passar de milhões de anos, se formam uma fratura e o lençol freático muda as características. No caso do Poço das Camisas, as águas daquela região são mais ácidas e culminou nesse poço enorme.” 

Queremos prospectar mais na região. Ver se tem outros poços com as mesmas características, se são interligados, como se comporta o nível d’água na região. Ver informações de poços artesianos ou semi-artesianos de moradores. Medir o nível desses poços para saber se regula com o nível do Poço da Camisa. São todos esses estudos que a gente precisa fazer. Inclusive, se existir a intenção de abrir para visitação regular e turística. Por isso, tem que se fazer um plano de manejo espeleológico. E, para se fazer esse plano, é preciso fazer todos esses estudos. Não se pode transformar o Poço da Camisa em ponto turístico sem estudo. É preciso medir, entender, planejar. Assim como Bonito (MS) fez com o Abismo Anhumas, que hoje é modelo de turismo sustentável.

Além das belezas do Poço das Camisas, Alexandre destaca que há outros municípios a serem explorados em Goiás. Um deles é o município de Vila Propício, próximo a Pirenópolis, onde há nascentes cristalinas e fervedouros,  fenômenos semelhantes aos encontrados no Jalapão (TO).

Lobo realiza um projeto na cidade para digitalizar cavernas em 3D e criar tours virtuais que serão usados no ensino de ciências naturais nas escolas públicas locais. “É uma forma de unir educação, turismo e preservação ambiental. O aluno pode conhecer a caverna virtualmente antes de visitá-la pessoalmente.”

Ele destaca ainda que Goiás conta com três das 10 maiores cavernas do Brasil em extensão, sendo a maior dela a Lapa de São Mateus, em São Domingos, com quase 23 mil metros. Em seguida, temos a Lapa de São Vicente e a Lapa da Angélica, que têm 16.390 metros e 14.100 metros, respectivamente. Ambas ficam em São Domingos. Os dados estão no Cavernas –  Atlas do Brasil Subterrâneo Grupo Bambuí de Pesquisa Espeleológicas  e CECAV/ICMBio.

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