Conheça a cidade onde as pessoas vivem embaixo da terra devido ao calor escaldante

23 junho 2025 às 11h42

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No árido deserto australiano, a cidade de Coober Pedy desafia as condições extremas do clima com uma solução arquitetônica única: a vida subterrânea. Localizada a cerca de 848 quilômetros ao norte de Adelaide, no sul da Austrália, a pequena comunidade de aproximadamente 2,5 mil habitantes se tornou mundialmente conhecida por abrigar casas, hotéis, lojas e até igrejas construídas debaixo da terra.
A estratégia não é apenas uma curiosidade turística, mas uma necessidade real para enfrentar temperaturas que, durante o verão, ultrapassam facilmente os 40°C e, em situações extremas, podem chegar a 52°C.
Ao longo da rodovia que corta a região, os primeiros sinais de que há uma cidade por ali surgem de maneira discreta: montes de terra clara espalhados aleatoriamente e tubos brancos que emergem do solo. Essas estruturas funcionam como sistemas de ventilação das residências subterrâneas e são fruto de décadas de escavação realizadas por mineradores de opala, principal atividade econômica da cidade. Grande parte das elevações de areia visíveis ao longo do caminho são, na verdade, resíduos das escavações feitas ao longo de mais de um século de mineração.

A escolha por viver no subsolo não se restringe apenas ao conforto térmico. Durante o inverno, enquanto a superfície enfrenta noites geladas com temperaturas que podem cair a 2°C ou 3°C, as casas subterrâneas mantêm uma temperatura interna estável e agradável de 23°C a 24°C durante todo o ano.
“Para viver acima do solo, você paga uma verdadeira fortuna pelo aquecimento e refrigeração, já que, muitas vezes, faz mais de 50°C no verão”, afirma Jason Wright, morador local e administrador de um camping subterrâneo chamado Riba’s, à BBC.
O nome da cidade, Coober Pedy, significa “homem branco em um buraco” na língua aborígene australiana, uma definição que traduz com precisão o modo de vida de seus habitantes. Atualmente, estima-se que cerca de 60% da população local viva em residências subterrâneas, conhecidas como “dugouts”. Essas moradias são construídas em rochas de arenito e siltito, materiais macios o suficiente para permitir escavações manuais, mas estáveis o bastante para garantir a segurança estrutural.
Além de proteger contra o calor escaldante e o frio intenso, a vida subterrânea oferece outras vantagens inesperadas. Wright ressalta, por exemplo, que as casas subterrâneas são livres de insetos. “Quando você chega à porta, as moscas saem das suas costas, elas não querem entrar no escuro e no frio”, comenta. A ausência de poluição sonora e luminosa também torna as noites em Coober Pedy particularmente silenciosas e tranquilas.
Outro fator que impulsiona o estilo de vida subterrâneo é a economia. Enquanto o preço médio de uma casa em Adelaide ultrapassa os 700 mil dólares australianos (cerca de R$ 2,25 milhões), em Coober Pedy, imóveis com três quartos chegam a custar em torno de 40 mil dólares australianos (aproximadamente R$ 126 mil). Embora muitas dessas propriedades exijam reformas, a diferença de preço é um atrativo considerável.
Curiosamente, em algumas ocasiões, o processo de escavação para ampliar as residências gera lucros inesperados. Casos como o de um hotel que, durante obras de expansão, encontrou opalas avaliadas em 1,5 milhão de dólares australianos (cerca de R$ 4,8 milhões) são celebrados na cidade. Wright conta ainda a história de um morador que, ao instalar um chuveiro, descobriu uma valiosa gema incrustada na parede.
Além das residências, Coober Pedy abriga de igrejas até áreas de camping subterrâneas. No Riba’s, por exemplo, os visitantes podem montar suas tendas em nichos localizados a vários metros de profundidade, com acesso por meio de um túnel escuro. A profundidade mínima exigida para as construções é de quatro metros, justamente para evitar riscos de desabamento.

Mas o conceito de vida subterrânea não é exclusividade de Coober Pedy. Em outras partes do mundo, comunidades inteiras também recorreram ao subsolo como forma de proteção contra o clima inóspito ou ameaças externas. Na Turquia, a cidade de Derinkuyu, na Capadócia, foi abandonada em 1923 e possuía uma complexa rede de túneis, podendo ter abrigado até 20 mil pessoas. Já em Chongqing, na China, abrigos antiaéreos da Segunda Guerra Mundial foram reabertos em 2023 para proteger a população de uma intensa onda de calor.
No entanto, a geologia de Coober Pedy oferece vantagens naturais difíceis de replicar em outras regiões. Segundo Barry Lewis, funcionário do centro de informações turísticas local, as rochas de arenito da cidade são extremamente macias. “Elas são muito moles, você pode raspá-las com um canivete ou com a unha”, explica à BBC. Essa característica facilitou a construção de túneis e permitiu que, com o uso de máquinas modernas, fosse possível escavar uma casa inteira em menos de um mês.
Além da mineração de opala, o turismo representa uma importante fonte de renda para a cidade. Visitantes do mundo inteiro se encantam com as paisagens desérticas, os tours nas “dugouts” e os eventos locais, como os festivais de opala e as competições de escavação. A cultura subterrânea tornou-se, por si só, uma atração turística.
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