Foi em Swindon, cidade no sul da Inglaterra com pouco mais de 230 mil habitantes, que Vanessa Bentley, de 45 anos, uma goiana nascida e criada no Conjunto Riviera, em Goiânia, se tornou uma das representantes mais ativas da comunidade imigrante no Reino Unido. Hoje vereadora (Parish Councillor), ela atua em pautas que vão da inclusão política à defesa de refugiados, sempre com um olhar voltado àqueles que, como ela, atravessaram o oceano em busca de uma vida melhor.

“Minha infância e juventude em Goiânia foram muito marcantes. Eu cresci rodeada de uma família muito unida, com valores sólidos e um forte senso de comunidade”, conta. “A Vanessa desde a infância já demonstrava o espírito de liderança, inclusive, chegou a ser eleita como a Prefeita Mirim da nossa rua”, relembra seu irmão, Giovani Ribeiro Alves, escritor e pastor da Assembleia de Deus.

“Goiânia me ensinou muito sobre respeito, convivência e também sobre as raízes culturais que carrego até hoje”, completa Vanessa.

Foi esse sentimento de pertencimento que moldou suas primeiras convicções. A vontade de desbravar o mundo surgiu cedo, impulsionada também pela oportunidade de acompanhar sua irmã mais velha no Reino Unido.

No entanto, a mudança para a Inglaterra foi marcada por uma tragédia familiar. “Infelizmente, nossa história aqui começou com uma grande tragédia: a perda da minha sobrinha Lúcia Vânia, de apenas 11 anos, em um acidente muito grave entre um trem e um ônibus, que ficou bastante conhecido em Goiânia. Isso mudou completamente o rumo da nossa família, mas também nos fortaleceu e nos uniu ainda mais nesse novo país”, relembra.

Do outro lado do oceano, a dor e a distância não apagaram o vínculo com as raízes. Para a família que permaneceu em Goiás, acompanhar a trajetória de Vanessa tornou-se também uma forma de superação coletiva. Seu irmão, Giovani Ribeiro, resume o sentimento com orgulho e admiração: “Temos acompanhado a trajetória da Vanessa de muita resignação, renúncia e esforço para chegar onde chegou”.

Vereadora Vanessa Bentlley, seu irmão Giovani Ribeiro Alves e sua cunhada Leila Garcês de Araújo | Foto: Arquivo pessoal/ Giovani Ribeiro

O início foi desafiador: o idioma, a rotina, a burocracia. Mas Vanessa encontrou seu lugar. A fluência no inglês e a curiosidade natural por outras culturas facilitaram a adaptação. “Sempre gostei muito de inglês, desde novinha. Isso facilitou muito o processo de aprendizagem. Falo fluentemente e sempre procurei me integrar à cultura local, sem nunca esquecer minhas raízes brasileiras.”

Vanessa Bentley conta que começou auxiliando outros imigrantes como tradutora informal e professora de inglês. A conexão com a comunidade se intensificou, e o próximo passo foi natural: ingressar no setor bancário, onde, há mais de 10 anos, orienta brasileiros a entender o sistema financeiro britânico e superar as barreiras linguísticas.

Hoje, do outro lado do balcão, ela orienta brasileiros recém-chegados sobre como abrir contas, buscar crédito e lidar com o sistema financeiro do Reino Unido — procedimentos que, para muitos, ainda parecem indecifráveis.  “Quando entrei no banco, meu leque de atuação se ampliou muito, porque pude ajudar os brasileiros a entenderem melhor as questões financeiras aqui no Reino Unido — algo fundamental para quem está longe do seu país.” Seu papel vai além do atendimento técnico: ela oferece escuta, empatia e soluções práticas para quem ainda tenta encontrar chão em uma nova terra.

Filha de Nolberto Alves Pereira, líder comunitário, e Zilda Ribeiro Alves, Vanessa cresceu em um ambiente onde a política era “o ar que se respirava”. O tio, Germino Alves, vereador por quatro mandatos em Goiânia, deixou um legado que a acompanharia até o outro lado do Atlântico. 

“Meu tio, Germino Alves, faleceu em 1982, quando eu ainda era bem pequena, mas deixou um legado muito forte, não só dentro da nossa família, mas também na política de Goiânia. Depois do falecimento dele, foi o meu pai quem deu continuidade a esse legado… cresci cercada por prefeitos, vereadores, senadores e até governadores”, conta Vanessa.

Em Swindon, essa vivência política ganhou corpo. “Como eu já trabalhava há mais de 10 anos apoiando a comunidade, senti a necessidade de me posicionar politicamente para ter mais voz e buscar apoio da prefeitura de Swindon”. Ela se filiou a um partido local, o Partido Trabalhista (Labour Party), que se alinhou a seus valores e lançou sua candidatura com base no trabalho já realizado junto à população.

“A filiação foi natural, baseada nos valores que eu defendo e na proposta de trazer mais diversidade e inclusão para a política local. O partido me acolheu bem e entendeu a importância de uma voz imigrante no parlamento municipal”, ressalta Vanessa.

O resultado foi a eleição. Com uma base de apoio formada por brasileiros, portugueses e outros imigrantes, Vanessa conquistou um assento na Câmara, levando pela primeira vez uma voz brasileira para o Parlamento Municipal da cidade. 

A eleição de Vanessa foi recebida com entusiasmo e emoção tanto no Reino Unido quanto do outro lado do oceano, em sua terra natal. “Para a família é um orgulho ter a Vanessa como Vereadora na Inglaterra, sobretudo, lutando em favor dos imigrantes brasileiros”, afirma seu irmão Giovani Ribeiro.

Mais do que um feito pessoal, sua chegada à Câmara simbolizou um feito para milhares de brasileiros que vivem em Swindon — especialmente os goianos, que compõem uma parcela de mais de 20 mil conterrâneos que residem na cidade.

Embora a participação política dessa comunidade ainda seja limitada, a vereadora já observa um crescimento constante. “Muitos brasileiros não sabem que têm direito a votar nas eleições locais. Por isso, uma parte do meu trabalho é justamente informar, conscientizar e incentivar a participação política”, explica Vanessa. Para ela, combater o preconceito passa por “mostrar que o imigrante contribui, trabalha, gera renda e enriquece culturalmente o país. Eu sou prova viva disso: uma brasileira, goiana, que veio para somar”.

Desde o início do mandato, Vanessa Bentley tem se dedicado a pautas que refletem diretamente as necessidades dos imigrantes em Swindon. Com firmeza, ela afirma: “Como vereadora local em Swindon, estou sempre defendendo a causa do imigrante, do refugiado e do asilado. Representar essas vozes dentro da Câmara é uma responsabilidade que levo com muita seriedade”.

Entre suas conquistas, destaca a realização de uma audiência com o prefeito, que reuniu 25 empreendedores brasileiros. “Eles puderam ser ouvidos diretamente, apresentaram suas demandas e ideias para o crescimento da cidade”, relembra a vereadora.

Além disso, a vereadora lidera a articulação para a criação de um centro comunitário voltado à arte, cultura e capacitação da comunidade imigrante. A proposta, ainda em desenvolvimento, busca valorizar a identidade brasileira e criar oportunidades de formação. “É um sonho nosso. Um espaço voltado para a valorização da arte e da cultura brasileira, que também ofereça cursos profissionalizantes e projetos voltados para o fortalecimento da nossa comunidade”, explica.

Essa dedicação, tanto na vida política como no setor bancário, fortaleceu os laços com a comunidade goiana — uma das mais ativas em Swindon. “A maioria dos meus clientes no banco são goianos, e eu sinto um orgulho enorme disso. O goiano, em Swindon, realmente faz acontecer e representa muito bem nossa cultura e nossa gente. Claro que temos brasileiros de outras regiões, mas o goiano tem uma visão empreendedora muito forte, e isso ajuda Swindon a prosperar”, ressalta a vereadora.

Segundo Vanessa, muitos desses imigrantes abriram restaurantes, lojas e pequenos negócios que, além de movimentarem a economia local, preservam tradições brasileiras e geram empregos. “Essa conexão me permite apoiar diretamente essas pessoas, ajudando-as a se estabelecerem, a crescerem e a contribuírem para o desenvolvimento da cidade”, diz. Para ela, esse ciclo virtuoso mostra que “é possível ocupar espaços de liderança e inspirar outras pessoas, especialmente da nossa comunidade, a acreditarem que podem fazer a diferença também”.

A vida pública de Vanessa Bentley, por mais visível que seja, repousa sobre um alicerce silencioso e firme: sua família. Casada há duas décadas com o inglês Stephen Bentley, ela credita ao marido uma parte essencial de sua trajetória. “Desde o começo, ele sempre me permitiu viver a cultura dele com respeito e liberdade”, conta. A convivência entre dois mundos, segundo ela, foi construída com paciência, escuta mútua e uma curiosidade genuína que transformou diferenças em pontes. “Essa troca entre nossas culturas foi muito bonita e enriquecedora”, diz.

Stephen, além de parceiro, tornou-se um entusiasta das raízes brasileiras da esposa. “Meu marido ama o Brasil, especialmente Goiânia, e tem um carinho enorme por essa cidade.” Orgulhoso da caminhada política de Vanessa, ele acompanha cada passo de perto, reconhecendo o impacto que ela tem gerado na vida de tantos imigrantes. Para a vereadora, o suporte familiar é mais do que emocional, é estrutura. 

Na educação dos dois filhos, Brandon e Lucas Giovani Bentlley, ela ressalta a importância de equilibrar tradição e integração. “Buscamos sempre equilibrar esses dois mundos — o brasileiro e o britânico —, para que eles cresçam conectados com suas raízes e também integrados à cultura local”.

Além de seu trabalho político e bancário, Vanessa é diretora comercial da Rádio Mais Brazil UK, onde continua a promover a cultura e os interesses da comunidade brasileira. Aos brasileiros que pensam em migrar para a Inglaterra, ela aconselha: “É preciso vir com planejamento, responsabilidade e mente aberta. Aprender o inglês é essencial, buscar conhecer as leis e a cultura local também. Participar da sociedade, envolver-se com a comunidade e não ter medo de pedir ajuda faz toda a diferença”.

Para quem já está em Swindon, o exemplo de Vanessa Bentley mostra que é possível sim ocupar espaços de liderança, manter as raízes culturais e, ainda assim, abrir caminhos para que outras vozes também sejam ouvidas. Como ela diz, com firmeza e serenidade: “Meu foco sempre foi representar com seriedade e compromisso,  independentemente da quantidade de votos, porque cada um deles representa uma história e uma esperança”.

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