Conceição Evaristo e a (falta de) representatividade na ABL
31 agosto 2018 às 17h58

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Escolha de Cacá Diegues foi um ‘banho de água fria’ para entusiastas da candidatura de Conceição Evaristo, que se escolhida seria primeira escritora negra a ocupar uma cadeira na academia. Para professora da UFG, mérito da campanha foi promover o debate

Nesta quinta-feira (30), Academia Brasileira de Letras (ABL) tornou público o resultado da eleição que determinou quem passaria a ocupar a cadeira 7 da entidade, em substituição ao cineasta Nelson Pereira dos Santos, falecido em 21 de abril deste ano. Já não é de hoje que a escolha dos novos intelectuais que passaram a adentrar esse restritíssimo círculo de ‘imortais’ é acompanhada com pouco entusiasmo, para não dizer total indiferença por parte do público em geral. É aquele tipo de ocasião que um interesse genuíno apenas naqueles que possuem uma relação mais direta com os envolvidos.
Este ano, no entanto, a eleição da ABL está gerando uma repercussão maior do que em anos precedentes. Mas não em torno do nome de quem sagrou-se vencedor. A escolha do também cineasta Cacá Diegues como novo imortal da Academia está “passando em branco” diante da frustração com o desempenho da escritora Conceição Evaristo no pleito. Dos 35 votos em disputa, aquela que poderia ser a primeira escritora negra a adentrar neste hermético círculo de branquitude conquistou um único voto.
A saga de Conceição começou há quatro meses. Quando o cineasta Nelson Pereira dos Santos faleceu, a mineira autora dos livros “Olhos d’água” e “Ponciá Vivêncio” declarou interesse em concorrer a cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras (ABL). A ideia foi incentivada pela jornalista Flávia Oliveira, do jornal O Globo e comentarista da Globonews, ao escrever que votaria em Conceição: “Tá faltando preto na Casa de Machado de Assis”, escreveu na época a jornalista.
Mas o entusiasmo em prol da presença de uma mulher e negra, em um reduto que atualmente é ocupado por 35 homens e só 5 mulheres, todos brancos, ganhou fôlego mesmo na internet. Movimentos negros e feministas juntaram 25 mil assinaturas em uma petição virtual para pressionar a ABL. Nas redes sociais, também fizeram barulho e a hashtag #ConceicaoEvaristonaABL chegou a alcançar os trending topics do Twitter. No dia 18 de junho, Conceição Evaristo enfim oficializava sua candidatura, por meio de uma carta entregue à ABL.
Com a escolha de Cacá Diegues, mais do que proporcionar um imenso ‘banho de água fria’, a ABL demonstrou estar alheia à necessidade de representatividade que demandam com muito vigor de diversos segmentos da sociedade brasileira. Em todos os anos de existência da ABL, apenas dois homens negros conseguiram a façanha: João do Rio e Machado de Assis. Ao passo que a entidade segue sem que nenhuma mulher negra tenha ocupado uma das cadeiras.
“Espelho”
Para Luciene de Oliveira Dias, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás (FIC/UFG), a decisão da ABL só reflete o caráter machista e misógino inerente não apenas à entidade, mas à própria sociedade brasileira. “A academia é sim muito fechada, restrita quando a gente pensa a representatividade, não só pensando a negritude, mas também a questão de gênero. No entanto, ela não é exceção. Essa exclusão ocorre em todo o Brasil, em absolutamente todos os espaços. A escolha do Cacá Diegues nada mais é que um espelho desta falta de representatividade na ABL”, comenta.

Doutora em Antropologia pela UNB, Luciene nutre especial interesse pelos trabalhos da Conceição Evaristo e mobilização dos movimentos negros. A professore acredita que o maior mérito da escritora mineira e sua candidatura foi estimular o debate.
“O objetivo da campanha em prol de Conceição não foi sensibilizar os votantes. Ela teve um propósito muito maior. A grande vitória foi fazer com que você, que trabalha no Jornal Opção, entrasse em contato comigo, para que a gente, mesmo sem se conhecer, começasse a debater a questão. A articulação e a mobilização dos movimentos negros organizados foi interessante e teve repercussão neste caso justamente por fomentar o debate. Tenho certeza que a Conceição, por toda sua militância, considera tudo isto uma grande vitória”.
Opinião compartilhada pela historiadora Yordanna Lara. Na avaliação da ativista feminista e do movimento negro, Conceição Evaristo já é uma Imortal, por ter aberto portas que não podem ser fechadas. “. Ela não ocupará a cadeira, mas a campanha que milhares fizeram em seu nome, não pode ter sua potência e impactos apagados. Muitos mais conhecem seu nome agora; muitos desses lerão suas obras. É bem possível que, através dela, cheguem a tantas outras brilhantes escritoras negras e também inspirem outros a fazerem o mesmo”, reflete.
Para a professora, o episódio é frustrante, mas não surpreendente. “A ausência de diversidade na Academia Brasileira de Letras é um fato; seu conservadorismo, explicito. São estruturas bem fixadas com cimento branco. Ter neste momento uma mulher negra ocupando também aquele espaço, teria sido uma grande vitória contra o racismo. Seguiremos resistentes e na luta, somos milhões de “Conceições” Evaristo neste país”, conclui.