O comércio de Goiás atravessa o fim de ano sem a tradicional corrida por contratações temporárias. O motivo, segundo o presidente do Sindicato do Comércio Varejista no Estado de Goiás (Sindilojas-GO), José Reginaldo Garcia, não é falta de demanda, mas uma escassez inédita de trabalhadores.

“O mercado não está preocupado com as vagas temporárias e, sim, com as efetivas. Hoje, todo mercado está contratando”, afirma. A estimativa do sindicato aponta para cerca de 5 mil vagas efetivas ainda abertas no setor, número que permanece inalterado desde setembro.

“Se você for em qualquer shopping, vai ver a dificuldade no atendimento, justamente por falta de mão de obra”, diz Garcia. Segundo o presidente, a queda na natalidade é um dos principais fatores estruturais.

“Na década de 60, eram seis filhos por mulher. Hoje é um filho e meio. Para cada seis pessoas com 60 anos, temos 3,8 com 25, que é o auge da força de trabalho. Daqui a 25 anos vai piorar”, afirma.

O avanço de trabalhos flexíveis também mudou o cenário. “Muita gente prefere ser entregador, motorista de aplicativo, trabalhar a hora que quer. Isso diversifica a forma de trabalhar e prejudica o empresário na hora de contratar”, diz.

O presidente aponta ainda o peso dos benefícios sociais. “A pessoa pensa: vou ganhar R$ 2 mil e perder meus R$ 1 mil de bolsa? Prefiro fazer bico.” Ele afirma que a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio) já sugeriu ao governo uma transição mais suave.

“Propusemos que quem entrar no mercado não perca o benefício de imediato. Isso ajudaria essas pessoas a voltarem ao trabalho.” Garcia descreve uma mudança profunda na dinâmica de contratação.

“Antes, você abria uma vaga e vinham 20 pessoas. Hoje, você visita 20, 30, 40 lojas e o empregado é quem escolhe onde vai trabalhar. Mesmo sem experiência, os candidatos encontram espaço”, afirma.

“Todo varejista gosta de formar seu empregado. Só no Flamboyant treinamos mais de 3 mil pessoas este ano.” Porém, ele alerta: “A dificuldade continua enorme, e tende a piorar.”

Salários é pressão por atratividade

Com pouca oferta de mão de obra, os salários aumentaram. “O salário base de vendedor é R$ 1.795 mais comissão, mas ninguém paga menos que R$ 2.500 ou R$ 3.000 em Goiânia”, diz o presidente do Sindilojas.

Ainda assim, setores como alimentação enfrentam crise mais grave. “Auxiliar de cozinha, serviços gerais, onde os salários são menores, e muitos migram para o comércio. Já teve loja de alimentação que não abriu porque não tinha funcionário.”

A escassez de candidatos não é exclusiva de Goiás. Segundo Dayana Amaral, mestre em Psicologia Organizacional, “há fortes indícios de que o cenário de ‘muitas vagas abertas, mas dificuldade de preenchê-las’ é nacional”.

Ela reforça a inversão de expectativas: “Antigamente eram as empresas que selecionavam seus candidatos; hoje são os candidatos que escolhem as empresas.” Dayana afirma que o pós-pandemia transformou o perfil do trabalhador.

“Eles não buscam só emprego: buscam experiência, propósito e equilíbrio. Querem escolher dias e horários. Tornaram-se muito mais seletivos.” Os líderes passaram a pesar mais do que a marca empregadora. “Os candidatos escolhem os líderes. Observam postura, ética e o clima da equipe.”

Sobre o comércio, ela aponta fatores frequentes de rejeição: trabalho em fins de semana, feriados, jornadas longas, exigência emocional e física no atendimento direto ao público. “Uma jornada pesada afasta candidatos mesmo quando o salário é razoável”, conclui. “Benefícios também viraram diferencial.”

Mudança é global, diz a headhunter Marisol Lloris

A administradora e psicóloga Marisol Lloris, headhunter da Lloris Relações Humanas, destaca que o fenômeno é mundial. “Depois da pandemia, o perfil dos profissionais mudou em todo o globo. E não adianta colocar a culpa nos jovens, isso aparece em todas as faixas etárias.”

Ela observa um comportamento inquieto entre trabalhadores. “As pessoas não dão mais tempo ao tempo. Se algo não agrada, elas saem. Pulam de empresa em empresa sem avaliar os impactos. Isso não tem sido bom para ninguém.”

Sobre o comércio, Marisol reforça o desgaste: “O varejo exige muito: horários, dias de trabalho, volume de atendimentos, aparência, energia emocional. Muitas pessoas sabem que não vão dar conta. Exige estar bem, sorridente, de pé, longe do celular. Isso desagrada muita gente.”

Marisol concorda que benefícios e jornadas mais curtas ganham peso crescente. “Depois da pandemia, qualidade de vida virou prioridade.” Para atrair talentos, ela defende foco na marca empregadora.

“O mais importante é como sua empresa é vista. Isso reflete como ela trata sua equipe. Um ambiente acolhedor, com treinamentos e valorização, cria estabilidade e perspectiva de carreira.”

Mercado brasileiro

Enquanto o varejo goiano enfrenta dificuldades para ocupar vagas permanentes, o mercado brasileiro se prepara para um aumento expressivo nas contratações temporárias. Segundo a Associação Brasileira do Trabalho Temporário (ASSERTTEM), o último trimestre de 2025 deve gerar 535 mil contratos temporários, alta de 7,5% em relação ao ano anterior.

O país deve fechar o segundo semestre com mais de 1 milhão de contratações temporárias, impulsionadas pela Black Friday, Natal e início das férias escolares. A ASSERTTEM informa ainda que:

  • a Indústria responderá por 50% das contratações;
  • Serviços por 30%;
  • Comércio por 20%, principalmente logística e e-commerce.

O trabalho temporário permanece como porta de entrada importante: “A taxa média de efetivação dos temporários é de cerca de 20%”, afirma Alexandre Leite Lopes, presidente da entidade

No 3º trimestre, o país registrou 624 mil contratações temporárias, aumento de 2% em relação ao ano anterior, com destaque para agronegócio, indústria e logística.

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