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Veículos que estiveram envolvidos em crimes ou que foram adquiridos em leilão como sucata têm ganhado novas identidades para serem comercializados e rodar como legalizados pelas ruas de Goiás e do Brasil. Trata-se de um esquema criminoso sofisticado, onde são usados documentos falsos e “placas frias” para “maquiar” carros e, principalmente, motos.

Por meio da fraude, é possível comprar esses meios de transporte por valores abaixo da tabela Fipe em leilões e, assim, os realocar os veículos ao mercado de usados com preços até R$ 700 maiores. O Jornal Opção acompanhou de perto esse mercado e conversou com especialistas para entender os prejuízos e perigos alavancados pela prática criminosa que, inclusive, conta com a invasão de sistemas estaduais, sendo o próprio Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran-GO) uma vítima.

Conforme apurado pela reportagem, por meio de uma negociação com um suposto despachante, é possível fazer com que um veículo de leilão (sucata) seja novamente legalizado por meio da falsificação de documentos emitidos pelo próprio Detran. O valor, porém, pode chegar a R$ 200 por cada adulteração.

A fraude foi escancarada ao Jornal Opção pelo próprio criminoso, que ao acreditar estar negociando com um revendedor de veículos, contou em detalhes por ligação como funciona o esquema. O mesmo ofereceu placas Mercosul ou cinza (antiga), a fim de tornar a falsificação praticamente imperceptível.

Placa fria sendo negociada | Foto: Pedro Moura / Jornal Opção

“Pode ficar tranquilo, tenho clientes em vários Estados do Brasil e nunca deu problema. Tenho um despachante que organiza tudo no sistema, joga tudo lá direitinho. Minhas placas são originais, ainda dou uma envelhecida para passar despercebido. Envio tudo pelo Sedex e te mando o link para rastrear. A placa da moto é R$ 147 e a do carro R$ 187. O par Mercosul é R$ 227. O frete é incluso no valor”, explica.

O criminoso chega a dar um desconto devido a quantidade de placas que a reportagem informou ter interesse: 50, sendo 30 de motos e 20 de carros. Neste “pacote”, o valor cairia R$ 100 (moto) e R$ 125 (carro). O documento, porém, permaneceria o mesmo valor.

Placa fria sendo negociada | Foto: Pedro Moura / Jornal Opção

Tanto a placa quanto o documento seriam forjados de acordo com o chassi do veículo e, conforme reforçado pelo criminoso, devidamente registrado no órgão fiscalizador do Estado. Neste caso, o Detran-GO.

“Finalizando seu pedido hoje, enviamos tudo entre três e quatro dias. Tenho referências para confirmar que trabalhamos com seriedade. Já vai com lacre e arame. Pode ver a qualidade do material”, se gaba ao mandar fotos de placas Mercosul e cinzas.

Segundo o titular da Delegacia Estadual de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos Automotores (Derfrva), Danillo Martins, as placas frias possibilitam que veículos que não têm condições de circulação retornem às ruas de forma ilegal. A prática também possibilita crimes como clonagem e adulteração de veículos roubados e furtados, além da utilização destes meios de transporte em outros crimes. O cenário dificulta a investigação da polícia e, consequentemente, a punição dos autores.

O delito também coloca em risco condutores e pedestres no trânsito, visto que veículos vendidos em leilão para retirada de peças acabam voltando às ruas sem condições de rodar. Danillo explica que o indivíduo que falsifica e usa veículos com essas placas falsas podem ser presos no âmbito do artigo 311 (adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor), cuja pena pode chegar a seis anos de prisão.

“É mais comum encontrarmos placas falsas, placas frias em motocicletas, especialmente as motocicletas oriundas de leilão para a sucata, de distribuição de peças. Eles põem essas motinhas em circulação com essas placas falsas”, reforça o delegado.

Falsificação

Segundo o presidente do Detran-GO, Delegado Waldir Soares, há casos de pessoas que fabricam placas artesanais para estes veículos, chamados de “embiras”. As placas artesanais são aplicadas a veículos chamados de “sucatinhas”. Em 2023, a Polícia Civil de Goiás (PCGO) chegou a prender em flagrante delito uma pessoa que falsificava e comercializava, por meio de redes sociais, placas veiculares feitas em uma gráfica de Goiânia.

Na época, foram apreendidas diversas placas veiculares falsas, no padrão Mercosul e também placas de modelo antigo, como as ofertadas pelo criminoso à reportagem. Delegado Waldir Soares conta que a confecção de placas falsas decorre do processo de autorização do órgão que credencia empresas para serem fabricantes de placas. Somente companhias autorizadas podem funcionar neste comércio; não há outra opção legal a não ser a do trâmite regular.

“No caso de a fiscalização flagrar quaisquer veículos irregulares, são adotadas medidas administrativas e criminais. Nos casos em que os veículos são registrados (regulares), são lavradas infrações de trânsito e o condutor é conduzido para a delegacia. Caso a placa seja fria ou somente artesanal, o veículo é removido para o pátio”, explica.

Ainda de acordo com o presidente do Detran-GO, no caso das “sucatinhas embirinhas”, não é feito auto de infração pois o veículo já não é mais registrado no sistema. Neste caso é feito a condução à delegacia, onde é lavrado auto de prisão em flagrante.