Basta uma busca nas redes sociais para se deparar com anúncios de cibercriminosos vendendo informações de pessoas físicas e jurídicas, além de dados sigilosos de autoridades brasileiras. São ofertados CPF, RG, endereço, profissão e até fotos 3/4 em ambientes públicos e privados. Há ainda quem se aventura na obscuridade na chamada Dark Web. 

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Toda a ação foi acompanhada de perto pelo Jornal Opção, que chegou a negociar com os criminosos para entender como agem as organizações criminosas dentro da indústria do crime na internet. Além de receber ofertas de pacotes de dados, também foi oferecido à reportagem levantamentos únicos e específicos. Ou seja, o repórter teria que desembolsar apenas R$ 20 para ter acesso a dados até mesmo de autoridades do Supremo Tribunal Federal (STF). 

Um dos criminosos que se identificou como Saulon Consultas pediu apenas o nome completo da vítima ou a placa do veículo que esteja cadastrado no nome dela. Caso o contratante não tenha os dados em mãos, é possível fazer o levantamento por meio do número do celular. Tudo, de acordo com o cibercriminoso, é realizado dentro da própria segurança ofertada pela internet.

“Todas as minhas consultas são entregues em PDF. Consultas escritas são desatualizadas e com dados alterados. Não se iluda com divulgações curtas. É só propaganda enganosa, dinheiro perdido. Aqui você tem mais agilidade e clareza na análise dos dados”, reforça, ao tentar fechar o negócio com a reportagem.

Buscando ganhar a confiança do repórter, ele chega a disponibilizar um levantamento em nome de Lucas Fernando, de 32 anos, natural de Minas Gerais. No documento consta todos os dados possíveis do homem, desde CPF, RG e endereço, ao nome dos pais, senhas, e-mais, data do óbito  e até dados do Sistema Único de Saúde (SUS), como as vacinas contra a Covid-19. 

Outro criminoso com quem a reportagem negociou ofertou ainda o acesso à plataforma Painel Kingbusca. De acordo com o criminoso, que não se identificou, é possível rastrear e puxar dados de forma sigilosa pelo acesso. Os valores variam entre R$ 70 (sete dias de uso) a R$ 200 (30 dias de uso). 

“É feito o cadastro e enviado o link de acesso, mas também faço consultas. Pelo painel é possível fazer consultas sem limites, ter a geolocalização ativa, dados atualizados de 2025, radar ativo e fotos ¾”, explica.

Dados usados para golpes 

Quem tem os dados vendidos amargam prejuízos como a empresária Silvia Sebastiana da Silva, de 51 anos. Em 2022, ela recebeu uma notificação de cobrança informando que havia gasto quase R$ 2 mil em compras pelo Mercado Livre. As mercadorias tinham como destino São Paulo, embora a vítima more em Aparecida de Goiânia. A mulher acredita que teve os dados vazados.

“Me cobraram falando que tinha feito essa compra de equipamentos de computadores. Meu nome, sobrenome, data de nascimento e meu CPF batiam. Foi aí que descobri que tive meus dados pessoais vazados”, conta Silvia. 

De acordo com o delegado Rafhael Barboza, os dados são usados exclusivamente para a prática de golpes. Os mais comuns são do falso advogado, falso síndico e novo número. Embora difíceis de rastrear, há brechas que levam a polícia a localizar as organizações criminosas, principalmente os laranjas usados para lavar dinheiro. 

Nesta semana, a Polícia Civil de Goiás (PCGO) deflagrou uma megaoperação com o intuíto de desarticular uma quadrilha especializada na venda de dados bancários sigilosos na rede clandestina e utilizá-los em fraudes eletrônicas, movimentando valores milionários com o uso de criptoativos. Mais de R$ 110 milhões foram bloqueados e 94 mandados judiciais cumpridos, entre prisões e buscas em Goiás, Rio de Janeiro e no Distrito Federal.

“A venda de dados é totalmente ilícita. Todos os lugares em que a gente cadastra nossos dados deveriam ser protegidos, mas os criminosos conseguem acessá-los e vendê-los. São muito valiosos, eles usam também esses dados para fazer empréstimos. O alvo principalmente dessa modalidade são os idosos, pessoas que ainda não sabem manusear smartphones”, afirma o delegado.

Falso advogado 

Rafhael alerta que o golpe mais comum envolvendo dados vazados, atualmente, é o falso advogado. O Jornal Opção mostrou que criminosos também têm mirado agentes de segurança pública — mais especificamente policiais militares. Apenas na região Metropolitana de Goiânia, foram registrados na Polícia Civil (PC) ao menos quatro tentativas de golpe e um golpe consumado. O policial foi lesado em quase R$ 4 mil.

Segundo o delegado, os golpistas invadem sistemas da Justiça como Projudi e o Jusbrasil e, então, utilizam dados de processos judiciais e fotos de profissionais reais para enganar cidadãos, levando-os a realizar pagamentos indevidos sob a promessa de liberação de valores ou resolução de pendências judiciais. O fato se intensificou depois que cibercriminosos tiveram conhecimento de causas na justiça envolvendo agentes de segurança pública.

“Tem alguns canais que você pode pagar também para ter acesso ao processo, mas a maioria dos processos são públicos, a não ser aqueles em segredo de justiça definido por lei. Mas a maioria qualquer pessoa consegue acessar, até porque a nossa justiça tem que ser transparente e pública. Os criminosos estão se aproveitando disso para se passar pelo advogado e cobrar honorários, pedir dinheiro”, conta.

Com as informações em mãos, os golpistas entraram em contato com as vítimas, na maioria das vezes, por aplicativos de mensagens. Os criminosos se apresentam como advogados, assessores jurídicos ou até mesmo um funcionário do advogado real. Há registros também de clonagem do aplicativo de mensagens do próprio profissional, usando sua foto e logotipo do escritório.

Um dos militares abordados é o major Wanderley Alves Moura, diretor administrativo da Academia de Polícia Militar, em Goiânia. Usando dados de um processo que o policial move na Justiça, os criminosos tentaram aplicar um golpe no agente se passando pela advogada responsável pela ação judicial, Luana Ribeiro, na última quinta-feira, 3. 

“Recebi uma mensagem no celular de uma pessoa se passando pela minha advogada. Foi feita uma referência a uma causa cível que está em curso e dito que o processo havia transitado em julgado, já estava em fase de execução. No momento da mensagem, o perfil do golpista estava com os dados da advogada. Ele tinha o número histórico do processo e o valor da causa. Até uma cópia da sentença com o nome de um juiz de verdade, eles falsificaram e enviaram”, conta Major Moura.

Depois do fracasso ao aplicar o golpe no primeiro contato, os criminosos voltaram a mandar mensagem para o militar. Desta vez, porém, tentando se passar por um auditor. Eles chegaram a ligar por áudio para confirmar os dados bancários, alegando que iriam fazer uma transferência de mais de R$ 58 mil (valor da causa) após a quitação de taxas processuais e de impostos sobre o valor.

Um boleto chegou a ser enviado, mas o major desconfiou da forma como foi abordado. Erros de português nas mensagens também foram um sinal para evitar cair no golpe, o que fez com que ele entrasse em contato com o escritório para informar sobre o uso indevido dos dados.

“Normalmente os golpistas evitam isso e inventam uma série de desculpas. Também chama atenção os inúmeros erros de português na escrita e nas peças jurídicas que eles falsificam, erros completamente incompatíveis com os profissionais pelos quais eles estão tentando se passar”, reforçou.

Atuação OAB

O crescimento no número de casos envolvendo o “golpe do falso advogado” fez com que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se empenhasse em alertar a população e os advogados sobre a empreitada criminosa. Em Goiás, foi lançada uma cartilha de orientação sobre o golpe com linguagem acessível, explicações objetivas e dicas práticas para que os cidadãos saibam identificar e evitar esse tipo de fraude.

Conforme a Comissão de Segurança Pública da OAB Secção Goiás, Tatielly Martins, a entidade desenvolveu ainda a plataforma “Confirma ADV” — ferramenta digital gratuita e de fácil acesso, que permite à população verificar rapidamente a autenticidade dos dados de qualquer advogado ou advogada regularmente inscrito nos quadros da OAB. Por meio do número do registro ou do nome completo do defensor, é possível confirmar se o profissional está habilitado.

“Essas iniciativas demonstram o compromisso da OAB com a ética, a transparência e a proteção da sociedade contra práticas criminosas que desvalorizam a profissão e colocam em risco a confiança do público na Justiça. Informar-se, conferir os dados do profissional e desconfiar de promessas fora da realidade são atitudes essenciais”, concluiu.