COMPARTILHAR

Por muito tempo, o Centro de Goiânia foi sinônimo de abandono. Prédios históricos deteriorados, lojas fechadas e ausência de políticas públicas transformaram a região em um espaço esquecido. No entanto, nos últimos dois anos, a realidade começou a mudar. O que era estagnação virou resistência cultural, articulação comunitária e, principalmente, reocupação do espaço público com vida noturna, arte e gastronomia.

A mudança começou com iniciativas isoladas, como o bar Zé Latinhas, na Rua 8, e hoje se espalha por outras regiões do centro histórico, especialmente pela Rua do Lazer, que volta a se firmar como um dos pontos mais charmosos da capital. À frente desse processo estão empresários, artistas e mandatos políticos engajados em resgatar o potencial da região. O projeto Viva o Centro, capitaneado pela vereadora Kátia Maria (PT), surge como elo entre essas frentes.

A empresária Brenda Melo, uma das fundadoras do Biras Bar, instalado há nove meses na Rua do Lazer, reconhece a importância do Centro de Goiânia. “O centro é por si só história, é cultura. A gente vê hoje a ideia de cultura muito voltada para setores elitizados, como o Marista e o Oeste. O centro precisa ser esse “rolê” democrático, sustentável, onde todo mundo possa usufruir”, defende.

Brenda relata que o início da trajetória do Biras foi solitário. “No começo, a gente não teve apoio nenhum. Nem da prefeitura, nem de vereadores. Mas depois que perceberam o potencial da rua, veio o apoio do Fabrício Rosa no carnaval, e depois da Kátia, que ajudou com iluminação e emendas parlamentares. Foi essencial”, diz.

Ela explica que a escolha pelo Centro foi estratégica. “A gente já teve um bar no setor Oeste, mas o ambiente era muito elitizado. Queríamos algo com cara de boteco, com alma boêmia. E não tem lugar melhor pra isso do que o centro”, afirma.

Mais do que empreendimento, o Biras se tornou símbolo da transformação em curso do Centro de Goiânia. “Sem o Biras, talvez a revitalização da Rua do Lazer nem tivesse começado. Mas a verdade é que só resistimos porque temos apoio da clientela, de outros comerciantes e da comunidade”.

Brenda é uma das proprietárias do Biras Bar, na Rua do Lazer. | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

A relação entre os bares que hoje ocupam o centro é de parceria e cooperação. “A amizade entre os botequeiros é real. A gente se ajuda. Se falta um chopp aqui, o vizinho empresta. Tem espaço pra todo mundo”, diz Brenda.

Além do Biras, a Rua do Lazer hoje é ocupada pelo Central Rock Bar, que divide a calçada mais boêmia da capital. O empresário Eme Rodrigues afirmou que a região tem potencial para crescer. “Abrimos há pouco mais de 30 dias e a recepção do público tem sido ótima. A rua tem um potencial enorme pra ser o que já foi nos anos 60. Acreditamos que pode voltar a ser aquele lugar de referência, de encontro”, diz.

Eme Rodrigues abriu o Central Rock Bar há pouco mais de um mês na Rua do Lazer. | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Mesmo com a percepção, a preocupação com a falta de policiamento ainda existe. “Muita gente ainda nos pergunta se é seguro vir pra cá. Falta policiamento. Uma base da Guarda Municipal aqui faria toda a diferença”, explicou Eme.

Um dos pilares do movimento atual, o Zé Latinhas, fundado em 1967, voltou a ser um símbolo da ocupação do Centro. Reaberto durante a pandemia por Áureo Rosa, o bar que é um clássico do Centro da capital se beneficiou com a transformação da região. “Todas as capitais consolidadas têm regiões ocupadas por bares e arte. Goiânia era carente disso. Agora, finalmente, temos uma cena noturna de rua se formando”, avalia Áureo. Para ele, o impacto vai além do comércio. “A rua ocupada traz segurança, visibilidade para os artistas e senso de pertencimento. É muito mais do que só vender bebida”.

Áureo Rosa é o atual gestor do Zé Latinhas, na Rua 8. | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Políticas públicas

Do lado do poder público, a principal articulação para impulsionar esse processo tem sido o Viva o Centro, idealizado pela vereadora Kátia Maria (PT). Desde 2023, o projeto realiza ações culturais, feiras, atendimento à saúde, atividades infantis e impulsiona a economia criativa com emendas parlamentares.

“Quando você ocupa um espaço público, você dá função social a ele. E quando isso acontece, a marginalidade se afasta. Foi com esse princípio que começamos o projeto, e já estamos na 22ª edição”, explica Kátia.

Vereadora Kátia Maria (PT). | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

A Rua 8, entre a Avenida Anhanguera e a Rua 4, foi o primeiro foco. “Hoje, ela está completamente tomada por empreendimentos. Agora, o movimento está aqui na Rua do Lazer, onde a maioria das salas já estão locadas e em reforma para bares e restaurantes”, afirma.

Segundo Kátia, até o momento já foram levadas ações para transformar a região como: troca de bancos, paisagismo, emendas parlamentares para manutenção da rua, reforço na iluminação e o projeto para instalação de uma base da GCM. “O nosso desejo é garantir um sentimento de segurança para quem vem com a família, sentar e tomar um chopp. E isso só acontece com presença constante do poder público.”

A vereadora também irá transferir seu escritório político para a Rua do Lazer. O local também irá funcionar como ponto de apoio cultural. “Vamos ter rodas de conversa, cineclube, estúdio para artistas independentes, clube de leitura e ações permanentes. Queremos fomentar arte, cultura e convivência.”

Futuro

Para consolidar o renascimento do Centro, os empreendedores pedem mais incentivos. “A prefeitura precisa enxergar o potencial do centro histórico. Isenção de impostos, estímulo à cultura, segurança pública eficiente e infraestrutura são fundamentais para atrair mais investimentos”, diz Brenda.

A opinião de Brenda é compartilhada por Kátia. “O prefeito tem o poder da caneta. Nós, do Legislativo, estamos fazendo nossa parte. Já destinamos mais de R$ 1 milhão para o Viva o Centro e temos compromisso de continuar fortalecendo esse movimento em 2026”, afirma.

A ideia é expandir para além da Rua 8 e da Rua do Lazer. “Temos bares na Rua 20, Rua 24, Avenida Araguaia, Praça da 15. O que falta é articulação do Executivo para conectar tudo isso em um projeto de requalificação do Centro Histórico de Goiânia”, continuou a parlamentar

Para Brenda, o movimento não é moda passageira. “A retomada do centro é uma tendência nacional. Por que não Goiânia? O centro estava morto, mas agora está voltando a pulsar. E não vamos deixar ele morrer de novo”.

Centraliza

A revitalização do centro de Goiânia também passa por um projeto mais amplo em discussão no Executivo: o Centraliza. O projeto é uma proposta da Prefeitura de Goiânia voltada à requalificação do Centro Histórico por meio de incentivos fiscais, desburocratização e ações urbanísticas.

O programa foi elaborado na gestão Rogério Cruz (SD), mas chegou a ser retirado da Câmara Municipal para ajustes. Agora, há expectativa de que ele seja reapresentado com maior articulação política. A vereadora Kátia defende que o Centraliza volte à pauta e seja aprovado com urgência.

“O prefeito pediu à Câmara que devolvesse o projeto Centraliza. E ele precisa ser reenviado com os ajustes necessários, porque ali estão previstas isenções de impostos e incentivos fiscais fundamentais para quem quer empreender no centro”, afirma a parlamentar. “Com uma condição mais facilitada, será muito mais fácil consolidar essa requalificação urbana e cultural que já está em curso.”

Segundo o esboço do projeto, o Centraliza prevê isenções de ISS, IPTU e ITBI para novos negócios instalados no centro da cidade, além de estímulos ao retrofit (requalificação de imóveis antigos), financiamento a pequenos empreendedores e incentivo à moradia no centro — com a ideia de criar um ciclo sustentável de ocupação econômica e habitacional.

Para os empreendedores e comerciantes entrevistados, políticas como essa são urgentes. “A gente faz tudo na raça. Se tivesse uma política de incentivos, seria possível atrair muito mais investimentos pra cá”, aponta Brenda.

A expectativa é que, com a consolidação do Viva o Centro e o avanço da ocupação espontânea liderada pelos bares e artistas locais, a Prefeitura se mobilize para institucionalizar esse movimento através do Centraliza.

Leia também

Centro de Goiânia tem apenas uma lixeira a cada 2.500 m², mostra levantamento do Jornal Opção