Para deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), a união entre as bancadas do boi, da bala e da Bíblia em um grupo de sustentação ao governo interino representa o atraso

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| Foto: Airton Rodrigues

“Eu sou uma antítese à bancada goiana na Câmara, uma bancada racista, reacionária, insensível aos direitos humanos. Infelizmente Goiás tem umas piores bancadas de deputados federais no Congresso.” Esse foi o discurso do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) ao iniciar sua fala para uma plateia composta, em sua maioria, por estudantes universitários, no 10º Encontro Internacional Hannah Arendt para falar sobre a democracia no Brasil nesta semana em Goiânia.

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O parlamentar baiano que representa o Rio de Janeiro na Câmara dos Deputados disse ao público que a lógica da elite brasileira em um momento de crise econômica como o de agora é a do ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro”, de jogar o peso da recessão em cima dos trabalhadores, para que as “oligarquias” mantenham seu padrão de vida e onerem os pobres para recuperar o País.

“Não há outro caminho para mediar os nossos conflitos se não for a política”, defendeu em sua fala no evento Jean Wyllys, que interpreta o processo de impeachment como um golpe arquitetado para “realizar uma ruptura das regras do jogo” democrático.

E alertou, em sua visão, que a crise de representatividade política dá espaço para que ganhem força “personalidades fascistas, que apresentam soluções simples para os problemas da sociedade”. “Precisamos resgatar a política, porque a banalização do mal acontece quando o pensamento desaparece, quando eu delego a outra pessoa o trabalho intelectual de fazer decisões que eu deveria fazer por conta própria.”

Em um evento em que o “Fora, Temer” vinha acompanhado de fortes aplausos e gritos de apoio, Jean Wyllys conversou sobre o momento político nacional, o processo de impeachment, o PT como oposição, a situação do presidente interino Michel Temer (PMDB) e da afastada Dilma Rousseff (PT) e outros assuntos, como a formação do Centrão, novo bloco parlamentar na Câmara, na entrevista coletiva.

Leia abaixo a segunda parte da entrevista concedida pelo deputado federal:

Entrevista | Jean Wyllys

Como o senhor vê a mudança de posição do PT no Congresso a partir do afastamento da Dilma Rousseff (PT) do cargo de presidente da República?

A bancada petista ainda está perdida. Apesar de ter voltado para a oposição, ela continua perdida ainda. Foram dois mandatos do Lula e um da Dilma na situação. A bancada petista desaprendeu a fazer oposição e está reaprendendo. É claro que não só o movimento da bancada petista, mas de todas as bancadas de esquerda — porque eu não vou considerar o PPS um partido de esquerda, que está lá na base do governo –, PDT, PCdoB, PSOL e PT, a gente criou uma frente ampla, digamos assim, de oposição a esse governo golpista e a atuação é a mesma, de impedir que ele desmonte.

Não é uma sabotagem ao governo, mas impedir um desmonte das políticas sociais construídas até agora. Então todos os projetos de lei que têm esse objetivo de jogar a conta da recessão, da crise econômica, para a população e os projetos que atingem os direitos dos trabalhadores bem como os projetos que abrem espaço para a privatização, a gente está fazendo bastante oposição.

Nesses últimos dias a gente saiu da Câmara às 2 horas da manhã, às 3 horas da manhã, com a sessão ordinária começando às 5 horas da tarde. Porque as sessões das comissões são na parte da manhã. O que mudou foi isso, que com o PT na oposição é muito bom ter uma bancada de 70 deputados, como o PT tem.

Na votação da admissibilidade do processo de impeachment na Câmara, do dia 17 de abril, o senhor deixou a sua posição muito clara de que o Eduardo Cunha (PMDB) para o senhor é um bandido e de que ele não poderia poderia presidir aquela sessão. Por que o processo contra ele no Conselho de Ética demorou tanto para tramitar e como o senhor avalia a situação dos deputados que ainda são da base do Cunha e que talvez não tenham vergonha em defender a manutenção do cargo do Cunha e pedem uma punição menor que não a cassação do mandato?

Na verdade esse movimento dos deputados, essa falta de vergonha na cara, a desfaçatez com que se defende Eduardo Cunha, um bandido, um delinquente, para usar as palavras do procurador-geral da República Rodrigo Janot, essa desfaçatez tem a ver com uma desfaçatez mais ampla, em que a gente destituiu uma presidenta honesta em um processo de impeachment alegando que ela cometeu crimes que são na verdade pedaladas fiscais praticadas pelos governos anteriores ao dela, praticados por governadores estaduais, inclusive o de Goiás, e agora praticado pelo governo interino.

Isso é um escândalo o que a gente está vivendo. E a desfaçatez com que a gente tocou esse processo, com que a pessoas foram para as ruas apoiar esse processo, com o que a gente assistiu no dia 17 de abril, aquele espetáculo grotesco na Câmara dos Deputados. Tudo isso está em consonância com a postura dos deputados lá em relação a Eduardo Cunha.

Além disso, tem um fato concreto. O Eduardo Cunha mediou as relações dele com o mundo corporativo, com o meio comercial — as relações são muito boas. Então ele mediou para muitos dos deputados o financiamento das suas campanhas. Então os deputados dependem de Eduardo Cunha. Eles dependem.

Por mais que isso prejudique as suas imagens, eles não pensam duas vezes em defender esse cara que garantiu a eleição deles. São deputados que em geral não dependem do voto de opinião, dependem de voto de curral eleitoral. E voto de curral eleitoral é um voto sem pensamento, é um voto irrefletido. Então o cara está pouco se importando se a opinião pública é contrária, vai ficar contra ele se ele se colocar ao lado de Eduardo Cunha.

Para ele não importa. Ele tem a igreja que garante a votação dele. Ele tem os currais eleitorais, então ele está pouco preocupado. São caras que estabelecem poderes locais, os deputados paroquiais, os deputados do chamado baixo clero. Dos quais ninguém nunca tinha ouvido falar e para os quais é melhor continuar na sombra mesmo. Vão para a Câmara dos Deputados, para o Congresso, como deputados e na verdade exercem um papel quase que de vereador, de vereador federal.

Seu interesse é local, meramente local, paroquial, garantir emendas individuais para realizar obras ali e garantir seus poderes ali. Essa pessoa está pouco preocupada com a imagem pública dela ao se associar a alguém como Eduardo Cunha. Por isso talvez elas defendam Cunha daquela maneira no Conselho de Ética.

Como que o senhor avalia a criação do Centrão, um bloco composto por 225 deputados, entre ativos e licenciados, que foi criado para garantir a sustentabilidade do governo interino de Michel Temer?

A gente pode chamar de Centrão ou a gente pode chamar de fascismo, não é? O Centrão que sustenta o governo do Temer hoje é um Centrão fascista, que reúne os segmentos mais conservadores da sociedade, que são os deputados da chamada bancada da Bíblia, que reúne a direita católica e os deputados ligados às igrejas neopentecostais evangélicas, que são todos contrários aos direitos de minorias, às liberdades individuais, às liberdades civis e muitas vezes a conquistas que estão na Constituição cidadã de 1988. E juntam-se a isso os barões do agronegócio, que são a chamada bancada do boi, a bancada da bala, que são os deputados financiados pela indústria armamentista e os que são ligados às forças de segurança.

Então nós temos lá Major Olímpio (SD-SP), Capitão Augusto (PR-SP), Delegado Éder Mauro (PSD-PA), Delegado Waldir PR-GO), que é daqui de Goiânia, João Campos (PRB-GO), que reúne as duas coisas. João Campos é o encontro dessas duas bancadas, porque ele é policial federal e ao mesmo tempo pastor evangélico.

Esse Centrão mais a bancada da bola, que são aqueles que defendem os interesses da Fifa e da CBF, formam a sustentação desse governo ilegítimo, desse governo golpista. Não há dúvida para ninguém que é um golpe. O áudio de Romero Jucá (PMDB) é claríssimo. Ele desenha para qualquer pessoa com dois neurônios que o que aconteceu foi um golpe. E o objetivo último desse golpe não foi salvar o País da crise econômica ou dos efeitos da crise econômica mundial aqui. A razão última desse golpe está lá dita, é salvar a cabeça deles da Operação Lava Jato.

O que eles achavam era que passada a fase de punição dos petistas envolvidos em corrupção, estigmatizado o PT como um partido corrupto, eles acreditavam que a coisa ia parar aí. E eles queriam que parasse aí. Só que a coisa não vem parando. Os áudios são a prova disso, a delação de (Sérgio) Machado é a prova disso. E aí eles decidiram depor desse condomínio. Porque é um condomínio o poder. E talvez o sócio mais novo desse condomínio, o sócio minoritário, era o PT, que apesar de ter pessoas que se envolveram em corrupção, e isso a gente não pode negar, vários petistas se envolveram sim, se locupletaram, foram picados pela mosca azul, como diz Frei Betto.

Apesar disso, a gente sabe muito bem que o esquema de corrupção não era petista só, não era como um esquema de corrupção petista. E apesar de petistas se envolverem em esquemas de corrupção, esse partido ainda tinha algum compromisso com o social, isso era inegável. Havia por parte do PT uma sensibilidade com os mais pobres. Poderia ser esmola, mas para um País que nunca deu nada para os mais pobres tirar 40 milhões da miséria, uma Argentina, realmente não é pouca coisa.

E diante de uma crise econômica como essa que a gente está vivendo em que a maioria dos países estão afetados, porque vivemos em um mundo globalizado, apesar dela, o PT ainda mantinha programas sociais como o Bolsa Família, que é um importante programa de transferência de renda, que tem um impacto também no acesso à educação e no acesso à saúde, já que uma das condicionantes para uma família ingressar no Bolsa Família depende da frequência escolar, depende da vacinação.

Um partido que ainda mantém um programa como o Luz Para Todos, que leva energia elétrica ao Brasil profundo, ou Minha Casa, Minha Vida, que vem mal e porcamente garantindo o direito à moradia, esse partido tem uma sensibilidade social. E diante dessa crise econômica, os donos do condomínio do poder, os sócios do condomínio do poder, decidiram tirar o PT, porque, como se diz lá no Nordeste, “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Os mais ricos decidiram que iriam tomar as rédeas da coisa para poder repassar a conta para nós, trabalhadores, nós, povo. Porque quem vai pagar a conta da crise econômica ao fim somos nós. Não há nenhum projeto de taxação das grandes fortunas, nem nenhum projeto de reforma tributária que faça tributação menos regressiva e mais progressiva, que ela incida menos no consumo, que ela é injusta.

Não há lá nenhum projeto desse governo enviado de reforma agrária ou que mude a política de habitação. Muito pelo contrário. O que aconteceu nesse período foi que o Congresso Nacional, que já era conservador e era conduzido por um gangster como o Eduardo Cunha, viu ali a possibilidade de assaltar a República. Essa é a verdade. E teve o apoio dos partidos de oposição ressentidos por estarem na oposição a quatro eleições, que são o PSDB e o DEM. Dois partidos ressentidíssimos com o fato de terem perdido quatro disputas eleitorais.

E em particular a figura de Aécio Neves (PSDB), aquela figura nefasta, que, do ponto de vista individual, nunca admitiu a derrota. Aécio é o tipo de pessoa que não admite derrota, nunca viveu na pobreza, não conhece o que é fracasso, aos 25 era diretor do Banco do Brasil, jamais poderia aceitar não e aceitar derrota. O ressentimento desse homem talvez tenha sido a primeira chave que mexeu toda essa engrenagem que nos trouxe até aqui como a gente está hoje.

O clima hoje no plenário da Câmara dos Deputados é pela cassação do mandato do deputado Eduardo Cunha?

Está dividido. Eu acho que foi uma vitória o Conselho de Ética ter aprovado, ainda que com uma diferença irrisória. Acho importante a visibilidade que isso ganhou. E o fato de ter ido a plenário constrange aqueles deputados. Por mais que eles sejam caras-de-pau e sem vergonha, há provas robustas apresentadas pelo Ministério Público Federal. A Procuradoria-Geral da República apresentou provas robustas de que Eduardo Cunha é um ladrão. Ele evadia divisas ilegalmente, ele mantinha contas ilegalmente e ele se locupletava utilizando o cargo de presidente da Câmara a partir de manobras envolvendo medidas provisórias e projetos de lei.

O senhor acha que existe risco de prisão da cúpula nacional do PMDB?

Eu adoraria que isso acontecesse. A cúpula do PMDB está diretamente implicada nas novas denúncias de corrupção. Ficou claro a partir do áudio de Romero Jucá que a cúpula do PMDB quer fugir das punições que a Lava Jato pode trazer. E ficou claro que a cúpula do PMDB é a responsável pela corrupção sistêmica que se instalou no País com a nova República.

A reprovação do governo interino do Temer já superou os 50%, chegando aos 55,4% de rejeição…

Você esperava outra coisa?

Eu não vou responder. Vou deixar o senhor responder. O senhor considera que essa reprovação pode ter algum tipo de influência nesse processo de impeachment no qual a maior parte da população ainda quer a destituição da Dilma?

Eu acho que pode ter sim. Creio que até a Dilma está confiante de que isso vá acontecer. Agora isso não quer dizer que a Dilma voltando ela vá governar com facilidade.

Acha que há no Senado a possibilidade desse cenário ser revertido?

Acho. Agora é óbvio que se ela voltar ela tem que cumprir aquilo que ela sinalizou nas últimas entrevistas que ela deu. Ela tem que envolver de alguma maneira a sociedade nessa história. E a maneira é ela de fato ela aplicar um plebiscito.

Legalmente é possível de isso acontecer?

É possível. É uma prerrogativa da presidenta. Não precisa passar pelo Congresso.

Mas a partir do plebiscito ela poderia legalmente convocar novas eleições?

Se a maioria da população quer, como é que os deputados vão ficar se o argumento da tirada da Dilma foi a vontade do povo? Muitas falas disseram isso. Uma vez que a vontade do povo está comprovada num plebiscito, você acha que o Congresso vai recusar?

O PSOL defende o plebiscito?

Eu não vou falar em nome do PSOL porque o PSOL é um partido muito complexo. O que eu posso dizer é que eu acho essa pode ser a saída. Que a presidenta Dilma voltando ela tem que dialogar com a sociedade, com os setores da sociedade, que estão mantendo a resistência ao governo golpista. Ao que eu esperava que ela tivesse feito quando ela se elegeu.

Eu votei na Dilma no segundo turno. Aliás, eu mais do que votei na Dilma no segundo turno, eu entrei na campanha da Dilma no segundo turno. E eu entrei contra a vontade de setores do meu partido, que eram contra a minha entrada e a do (deputado estadual no Rio) Marcelo Freixo na campanha. E eu entrei não esperando fazer parte do governo Dilma, porque eu nunca fiz parte e eu nunca tive qualquer tipo de benefício. Não sou o tipo de pessoa que age por benefício.

Eu entrei naquela campanha porque as conquistas petistas, dos governos petistas, para além dos erros, porque tem muitos erros, a começar por ter se submetido a essa lógica de compra de parlamentar, que é um horror. Que é anterior a ele, mas que acabou se submetendo a essa lógica. A despeito dos erros e das críticas que eu tenho ao PT, e são muitas, é inegável que houve ganhos importantes para o País com esse governo petista.

E a candidatura de Aécio Neves ameaçava drasticamente essas conquistas. Eu jamais poderia lavar as mãos e ficar como alguém que assiste ao País ser entregue à aquela turma sem fazer nada. Entrei na campanha da Dilma por esse motivos, e todos nós tínhamos a clareza de que a Dilma só se elegeu no segundo turno porque a esquerda fez essa diferença para ela.

E ela, ao contrário de fazer um governo em diálogo com a sociedade e com esses setores, ela resolveu tender cada vez mais pela direita. Ela disse inclusive em uma entrevista que pode ter cometido erros, não crimes. Eu concordo. Ela cometeu erros, não crimes. E o primeiro erro dela foi confiar nessa gente, foi confiar no PMDB.

A Dilma chamou o Michel Temer (PMDB) para ser o articulador político da campanha dela. Isso é o máximo da ingenuidade política. Dilma é uma pessoa que não é muito afeita aos jogos da política, algo o Lula fazia muito bem.

Que avaliação o senhor faz do programa Uma Ponte Para o Futuro?

Eu acho que é um deboche com qualquer pessoa inteligente nesse País. Batizar o nome do programa de Ponte Para o Futuro e usar de slogan do governo interino Ordem e Progresso é um deboche com todos nós. É um deboche com a Constituição cidadão, com as Diretas Já, com a Assembleia Nacional Constituinte que resultou na Constituição cidadã. É um deboche com o passado recente do Brasil. Pode até ser uma ponte para o futuro se a gente pensar o futuro Jetsons, com os conflitos tendo sido resolvidos, como a pobreza e a desigualdade social.

Mas o futuro pode ser uma distopia. O futuro pode ser Mad Max. Talvez ele esteja nos levando para um futuro sombrio, de um longo inverno, para citar aqui Game of Thrones. Talvez os ventos do inverno já tenham chegado para nós brasileiros.

Para a maior parte da população, a esquerda hoje é vida como um espelho do que o PT foi últimos quatro mandatos de presidente. É isso que acontece de fato?

Eu acho que a esquerda foi estigmatizada deliberadamente pelos meios de comunicação de massa no bojo dos erros do PT, mas nós vivemos um outro tempo. Houve um tempo em que a imprensa podia controlar a narrativa. Quando o golpe de 1964 foi dado e os 21 anos de ditadura militar se sucederam, a imprensa controlou bastante a narrativa, e a ditadura militar tratou de silenciar na força bruta muitas das pessoas. Nós vivemos outros tempos, a imprensa não conseguiu controlar a narrativa, a gente conseguiu pautar a comunidade política internacional.

Não há dúvida para comunidade política internacional que há um golpe em curso. A imprensa internacional tem denunciado isso. Então eu acho que, ao contrário do que ela esperava, que era estigmatizar e matar a esquerda, ela reacendeu a esquerda. Acho que a esquerda nunca esteve tão acesa e tão próxima. Por exemplo, São Paulo, Rio e Salvador, que são os lugares onde eu transito mais, há uma aproximação maior entre os partidos de esquerda e entre os movimentos sociais em torno de uma agenda comum que é derrotar esse governo.

Talvez eles não esperassem esse efeito. E a gente decidiu entrar para a disputa narrativa. O fato dos áudios serem vazados e a gente poder mostrar que um grupelho criado artificialmente pelo PSDB, pelo Solidariedade e pelo PMDB, como o Revoltados Online e como o MBL, dois grupelhos fascistas artificiais criados nas redes sociais, e que eles foram financiados, a gente derruba por terra o discurso anticorrupção desses grupelhos.

Por que, afinal de contas, o que importa é a corrupção em si ou a corrupção do PT? O que importa aqui é a corrupção envolvendo o PT ou também a corrupção envolvendo o PSDB, o DEM e o PMDB? A gente começou a fazer essa disputa, e isso necessariamente não impediu o processo de estigmatização da esquerda.

Mas é claro que há um setor da classe média e da classe alta brasileira, tradicionalmente um setor bastante egoísta, que defende a meritocracia, que só existe na cabeça dele, porque quase ninguém que está ali chegou por mérito, que é um setor mais fascista, que tem pendido mais para o fascismo, ele tem estigmatizado mais a esquerda.

Para esse aí, a esquerda é um problema. Que é uma parte da gente que se vestiu de verde e amarelo e foi para as ruas dizer, por exemplo, “menos Paulo Freire mais Mises”. É esse setor que não admite que é racista, que não admite que é homofóbico, é o setor que tem Miami como modelo de paraíso, que tem casas varanda gourmet e por aí vai.

A filósofa Marilena Chaui diz que a diz que a classe média é fascista. O senhor concorda?

Discordo. E acho que nem foi isso que ela quis dizer. O que ela quis dizer é que na classe média há setores, há segmentos propensos ao fascismo. E nisso ela tem razão. É verdade.

A classe média, sobretudo a classe média antiga, ela é muito contaminada pelo discurso das elites, a elite de verdade, a elite que mora naquele condomínio da entrada de Goiânia. Gente rica de verdade. Eles controlam os meios com que as pessoas entendem a realidade e como entendem a realidade. Então a classe média se mira muito na classe alta. Ela acha que um dia vai poder estar na elite. Ela não vai poder, e ela se mira nisso. Ela tem horror a pobreza.

Essa classe média tem dificuldade de reconhecer progressos sociais e políticas públicas. Ela acha que ela chegou ali por mérito, ela não acha que um investimento em educação de qualidade ajudou, a política de transporte. Ela tem um discurso muito esquizofrênico, porque enquanto ela demanda por educação de qualidade, por saúde de qualidade, ela quer dinheiro para matricular o filho na escola privada, ela quer o plano de saúde. É um discurso esquizofrênico.

Esse é o segmento mais propenso ao fascismo. E não por acaso é o segmento em que esse deputado que a gente não ousa dizer o nome tem aceitação ampla.

A Marcia Tiburi diz que os conglomerados de comunicação tiveram papel fundamental no golpe.

Tiveram. Resta dúvida disso? Continuam tendo. Eles têm se comportado de uma maneira arrogante, como se fossem os donos da República. O ministro Teori Zavascki considerou ilegal aqueles áudios obtidos pelo grampo que o Sergio Moro aplicou no Lula em conversa com a presidenta Dilma, que eles não podem ser usados nos autos. E no dia em que o Teori emitiu essa decisão, a Globo repetiu o áudio no Jornal Nacional Então significa que a Globo não respeita sequer o Supremo Tribunal Federal. É claro que eles tiveram um papel importante no golpe.

A concessão da Globo está para ser renovada em 2018. A Dilma cortou, se não me engano, R$ 54 milhões das verbas de publicidade das estatais nos jornais. Esses jornais nunca viveram de mercado, embora eles defendam o livre mercado, eles sempre viveram de dinheiro público. Seja de empréstimos no BNDES seja através de publicidade. São pessoas que enriqueceram com dinheiro nosso, com dinheiro dos nossos impostos, dos nossos recursos. Mas ao mesmo tempo têm a cara de pau de defender livre mercado, de desconstruir a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), de reduzir leis trabalhistas, de querer que o SUS se reduza.

A Miriam Leitão é um exemplo disso. Antes ela dizia que a culpa da crise era única e exclusivamente culpa da Dilma. A Miriam Leitão diz agora que é preciso respeitar a conjuntura internacional, que a crise é internacional. É um tipo de canalhice, de postura canalha, que considera que toda população brasileira é estúpida. Que as pessoas não são capazes de pensar e refletir.

Não estou falando de mim não, que sou professor de Teoria da Comunicação na universidade e sou jornalista, o cidadão médio já está começando a perceber isso. Porque agora nós temos o novo tempo, como eu disse. É o tempo das redes sociais, a narrativa não é mais controlada. Os jornais podem dizer uma coisa e os blogs no outro dia desmentirem, desmascararem. Cada página no Facebook hoje é um bunker, um aparelho, para servir de contestação.

Honduras 2009, Paraguai relâmpago em 2012 e Brasil 2016.

E Venezuela às vésperas.

Existe identidade entre esse episódios? Venezuela é a bola da vez?

Venezuela é a bola da vez e existe sim identidade. É o movimento da direita latino-americana, depois da experiência dos governos populares democraticamente eleitos, de voltar ao poder através de golpes paraguaios. Você dá um manto de legitimidade para não obedecer as regras. É não querer ser testado nas urnas, porque nas urnas eles sabem que os programas de governo que eles propõem jamais serão aprovados.

Existe silêncio na Casa Branca?

Existe silêncio porque beneficia a Casa Branca. O alinhamento político da América Latina em termos de política internacional com os Estados Unidos e com a União Europeia, se afastando inclusive dos BRICS e de um bloco mais poderoso na América Latina, beneficia, claro, os Estados Unidos. O que a gente está falando no fundo, no fundo, no fundo, no fundo, no fundo é da riqueza, do controle sobre os recursos e sobre a riqueza.