Casal transforma pneus e garrafas em lar ecológico e inspira sustentabilidade em Aparecida de Goiânia

17 outubro 2025 às 11h00

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No alto de um terreno antes vazio e irregular, hoje se ergue uma casa diferente de todas as outras. As paredes, em vez de tijolos, são feitas de pneus de caminhão e garrafas de vidro. O piso é queimado, a pintura leva argamassa branca e o entorno é um laboratório de ideias sustentáveis. É o lar de Sandra e Lídio Silva, um casal que decidiu construir do zero um refúgio ecológico — com as próprias mãos.
“Tudo começou com uma contenção de pneus, porque o terreno era muito declinado”, conta Sandra Silva, lembrando dos primeiros dias no lote, localizado no Jardim dos Ipês, em Aparecida de Goiânia. “Tinha lugar que a gente precisou empilhar até dez pneus de caminhão, um sobre o outro. No fim, usamos cerca de 3 mil pneus só na contenção e mais mil na construção da casa.”
A ideia surgiu em 2018, quando o casal comprou o terreno para passar os fins de semana. Aos poucos, o espaço ganhou vida — e propósito. Cada pneu, cada garrafa, cada detalhe foi colocado ali com paciência e fé. “Eu dei a ideia de fazer a casa e ele topou na hora. Trabalhamos nós dois, com ajuda de alguns amigos. A base foi toda de pneu e terra. O resto é criatividade e amor”, diz Sandra.

Sustentabilidade como estilo de vida
A motivação, ela explica, nunca foi apenas economizar. “O nosso propósito principal é a sustentabilidade. A gente queria construir sem agredir a natureza”, afirma. Se tivessem optado pelo método tradicional, com tijolo e cimento, ela diz que o processo teria sido mais rápido, mas sem o mesmo significado.
O projeto cresceu: depois da casa de pneus veio a capela de garrafas, dedicada a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. “Sou muito devota e quis homenageá-la. Falei com ele, e logo já estava moldando a ideia. Ficou mais bonito do que eu imaginava”, lembra.
Hoje, o terreno abriga canteiros, piscina ecológica com manta asfáltica reaproveitada e até móveis feitos com materiais reciclados. “A gente não tem vergonha de recolher no lixo o que ainda pode ser útil. O importante é transformar e fazer bonito”, diz Sandra.

A filosofia também se reflete na rotina do casal. Na chácara, não entram refrigerantes, enlatados ou embutidos. Tudo é natural, do doce feito com mel aos temperos da horta. “A gente consome o mínimo possível de produtos com agrotóxicos. Quem nos conhece sabe que evitamos ao máximo tudo que faz mal”, resume.
Criatividade que vem da roça
Se Sandra é a mente criativa, Lídio é o executor. Ex-pedreiro e autodidata, ele aprendeu quase tudo na roça, em Pedro Afonso, no Tocantins. “A obra me ensinou, mas foi a roça que me alavancou”, diz. “Eu trouxe a experiência da roça pra cidade e da cidade pra cá.”
Ele recorda que muitos duvidaram de suas ideias. “Quando falei que ia fazer piscina aqui, disseram que eu tava ruim da cabeça. Mas gosto de desafio. Sempre quis mostrar que é possível fazer o que as pessoas acham impossível.”
O casal trabalha em conjunto, sempre em diálogo. “A maioria das ideias vem dela, porque ela anda mais, observa mais. A gente conversa, melhora e faz acontecer”, conta Lídio. Foi assim também com as cadeiras de pneu, que nasceram de uma tentativa frustrada de compra. “Ela comprou umas, eu olhei e disse: ‘Tá mal feito’. Refiz e depois fiz as minhas próprias, bem melhores. Algumas até doei.”
Sistema hidráulico

Lídio desenvolveu um engenhoso sistema de abastecimento de água em sua chácara, conhecido popularmente como “carneiro d’água” ou “bomba de ariete”. A motivação para a criação deste sistema hidráulico surgiu da necessidade de fornecer água a um aquário improvisado, feito a partir de uma banheira.
A ideia do aquário nasceu quando a esposa de Lídio, Sandra, ganhou uma banheira, esperando que fosse grande o suficiente para ser instalada em um quarto, como a que possuíam em Goiânia. Contudo, ao buscar o objeto, Sandra ficou decepcionada com o tamanho reduzido, quase o deixando para trás. No entanto, “na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, segundo a lei do químico Antoine Lavoisier.
Lídio, no entanto, viu potencial no item e decidiu transformá-lo: “Aí chegamos aqui, ela o que que nós vamos fazer? Eu falei serve para alguma coisa. Alguma coisa a gente inventa”. A banheira foi convertida em aquário, mas permaneceu sem uso “por falta da água”, o que levou à busca por uma solução autossuficiente para o abastecimento.
O antigo proprietário havia tentando criar um sistema de abastecimento, mas não funcionou. Diante da falha, Lídio aprimorou o conceito e implementou o seu próprio sistema. O funcionamento do carneiro d’água é baseado na força natural da água, utilizando a pressão gerada em queda livre. O mecanismo opera através da coordenação de duas válvulas. Lídio explica o princípio básico: “O funcionamento dele é sobre a pressão da água em queda livre e funciona com duas válvoras. Uma veda, a outra abre. Isso faz com que a água sobe nas mangueiras para chegar onde a gente precisa”.
Casa está aberta para locação
Para quem visita o local, a sensação é de estar em um pequeno santuário verde — onde tudo tem um motivo, uma história e um novo uso. Agora, o casal planeja abrir o espaço ao público. “A ideia inicial era só viver em paz. Mas resolvemos locar para pequenos eventos, famílias que gostam de natureza e querem conhecer um estilo de vida sustentável”, conta Sandra. O espaço já tem oito quartos e piscina aquecida.
Mas, mesmo com tanto realizado, os planos não param. “A gente conversa todo dia que vai parar, mas sempre surge um projeto novo”, admite Lídio. Ele já tem na cabeça a próxima obra: uma casa na árvore e um muro de garrafas diferente de todos os outros. Tudo ainda sem rascunho — apenas na imaginação.
Sonhos que, ao que parece, são o verdadeiro cimento dessa história. “As pessoas acham que não são capazes, mas são”, diz Lídio. “Eu sempre quis mostrar que qualquer um pode construir algo grande, com o que tem à mão. Basta acreditar.”
Para quem interesse na locação, basta acessar o instagram @casadepneus.