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Mariana Telles é doutora em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisadora do Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Ecologia, Evolução e Conservação da Biodiversidade (INCT-EECBio). Os INCTs são programas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para formar redes de pesquisa internacionais, envolvendo pesquisadores e bolsistas em projetos de alto impacto científico. Entre os 202 INCTs em atividade no Brasil, dois estão em Goiás — ambos sediados na UFG. 

Além de criar metodologias para pesquisas e subsidiar o desenvolvimento possíveis tecnologias com aplicações práticas, os pesquisadores do INCT-EECBio relatam preocupação com a lacuna de conhecimento sobre o genoma das espécies do Cerrado. Por questões históricas, o bioma é menos conhecido do que os demais. Suprir essa falta de informações e manter os dados no Brasil, entretanto, não é fácil.

Como um dos objetivos do programa do MCTI é formar redes de pesquisa internacionais, a colaboração para mapear o genoma da biodiversidade tem de ser cuidadosamente desenhada. Mariana Telles diz: “Vamos capacitar nossos pesquisadores para fazer sequenciamento do genoma com referência em todos os padrões europeus. Temos colaboradores em Madrid, Berlim — eles estão bem avançados em termos de boas práticas, de protocolos. Queremos deixar de enviar os dados de nossas coletas para que o trabalho seja feito e publicado no exterior”. 

Essa não é a forma tradicional com que cientistas brasileiros se relacionam com estrangeiros. Há séculos, também na ciência os países desenvolvidos têm relação predatória com países em desenvolvimento. Os exemplos clássicos são os fósseis, em especial o caso do Ubirajara jubatus, primeiro dinossauro não-aviário conhecido, cujo fóssil foi encontrado no Ceará e levado ilegalmente para a Alemanha em 1995, onde foi estudado. “O comum é a gente dar nossa biodiversidade para eles sequenciarem e publicarem”, diz Mariana Telles. “Agora, queremos aprender para trazer essas práticas ao Brasil, para fazer aqui, nós mesmos.”

Os pesquisadores acreditam que o tema deve ser central na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), em Belém, no próximo mês. Por possuir uma legislação específica para regulamentar o acesso ao patrimônio genético e genômico — o marco legal da biodiversidade no Brasil (Lei nº 13.123/2015) — deve vir à tona o debate sobre os bancos de dados para armazenar o sequenciamento genético da biodiversidade, ou Digital Sequence Information (DSI). 

Os dados dos sequenciamentos genéticos ficam armazenados em datacenters ao redor do mundo. Um dos principais datacenters que permite o acesso público às suas informações para fins de pesquisa é o National Center for Biotechnology Information, do governo dos Estados Unidos (no National Institute of Health). “Se algum dia Donald Trump decidir que acabou, perdemos o acesso a tudo. O Brasil não tem soberania científica sobre as informações genéticas e genômicas de sua própria biodiversidade. Há acordos que regulamentam o acesso aos DSIs, mas as informações sobre nossas espécies não ficam em nossa posse.”

Em um cenário de redução da colaboração internacional, com aumento do isolacionismo global, os pesquisadores se preocupam com as redes de parcerias científicas no futuro. O contexto é de disputas globais com tarifaços, competição por recursos naturais (como minérios de terras raras), embargos a países concorrentes na produção de tecnologia. Há conversas sobre a criação de plataformas locais, como o Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr) — mas esta ainda não está totalmente preparada para dados genéticos e genômicos, diz Mariana Telles.

Para mudar esse cenário, algumas iniciativas brasileiras já estão em curso com o objetivo de ampliar a capacidade de pesquisadores nacionais em gerar e analisar dados de genética e genômica da biodiversidade. Um dos exemplos é o projeto Genômica da Brasil Biodiversidade (GBB), liderado pelo Instituto Vale, sediado em Belém, em parceria com o Instituto Chico Mendes (ICMBio), que atua na geração de genomas de referência e no uso desses dados para conservação de espécies ameaçadas.

Outro destaque é a Rede BioGenomas Neotropicais, executada pela PUC Goiás em parceria com o consórcio internacional GenoTropics, que reúne instituições do Brasil, Alemanha, Chile, Argentina e Colômbia. A Rede é co-liderada pela pesquisadora Camila Mazzoni, do sediado em Berlim, Leibniz Institute for Zoo and Wildlife Research, e busca padronizar protocolos e promover boas práticas na área e intercâmbios entre laboratórios, permitindo que o sequenciamento e a montagem dos genomas possam ser feitas com excelência também no Brasil e em outros países da América Latina que tem acesso mais limitado às tecnologias mais recentes de sequenciamento.

Há ainda o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Genômica da Biodiversidade, sediado na PUC do Rio Grande do Sul e coordenado por Eduardo Eizirik, que também atua como pesquisador do INCT-EECBio. A iniciativa reforça a criação de uma infraestrutura nacional voltada à pesquisa genômica aplicada à conservação.

Segundo Mariana Telles, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) também tem papel decisivo nesse movimento, ao financiar o Centro de Excelência em Genética e Genômica (CEGGen), liderado pela PUC Goiás. “O CEGGen será um polo de referência que se associa a essas e outras iniciativas, contribuindo com infraestrutura de sequenciamento genômico, formação de pesquisadores e disseminação de tecnologia para que o país possa, de fato, consolidar sua autonomia na área de genética e genômica da biodiversidade”, afirma.