As mariposas noturnas da espécie Bogong (Agrotis infusa), nativas da Austrália, realizam uma das mais extraordinárias migrações do reino animal. Assim como as conhecidas borboletas-monarca da América do Norte, elas percorrem distâncias de até 1.000 quilômetros para encontrar abrigo — e, surpreendentemente, guiam-se pelas estrelas para chegar ao destino final.

As rotas migratórias das mariposas Bogong | Foto: Reprodução

Um estudo publicado na revista Nature revelou que essas mariposas são capazes de usar a navegação celestial, ou seja, o céu noturno e os padrões estelares, para se orientar durante sua longa jornada migratória. A descoberta marca a primeira vez que esse tipo de navegação é confirmado em insetos, algo até então identificado apenas em humanos, aves e, possivelmente, focas.

Rumo às alturas: a jornada das Bogong

Todos os anos, bilhões de mariposas Bogong deixam regiões mais quentes como Queensland, no nordeste da Austrália, e seguem rumo aos Alpes australianos, onde se refugiam em cavernas frias, úmidas e isoladas — muitas delas localizadas acima dos 1.800 metros de altitude. Lá, elas entram em um estado de dormência semelhante à hibernação durante os meses de verão.

No fim da estação (entre fevereiro e março), as mesmas mariposas que chegaram meses antes deixam os abrigos alpinos e iniciam o trajeto de volta às planícies do interior australiano. Lá, se reproduzem, depositam seus ovos e encerram seu ciclo de vida. Na primavera seguinte, novas gerações eclodem e, de forma surpreendente, retomam a mesma rota migratória — mesmo sem nunca terem realizado o percurso antes.

Segundo artigo do Departamento de Biologia da Universidade de Lund, na Suécia, essas novas mariposas localizam com precisão as mesmas cavernas nas quais suas antecessoras descansaram, mesmo com a ausência de aprendizado prévio ou acompanhamento de mariposas mais velhas.

“É fascinante pensar que um inseto tão pequeno e aparentemente simples seja capaz de navegar por centenas de quilômetros sem nunca ter feito o trajeto antes”, comenta Eric Warrant, entomologista e um dos autores do estudo.

Morfos migratórios e não migratórios da mariposa Bogonb | Foto: tiradas na Coleção Nacional Australiana de Insetos, Canberra (Fotos: Eric Warrant)

Estrelas como bússola

Para entender como as mariposas realizam esse feito impressionante, os cientistas desenvolveram experimentos em laboratório que simulavam o céu noturno. Mariposas selvagens foram colocadas em uma câmara transparente, onde estavam presas de forma a permitir o registro dos seus movimentos enquanto observavam projeções estelares.

A equipe também manipulou o campo magnético do ambiente, para investigar se os insetos dependiam exclusivamente da visão ou também do magnetismo terrestre. Os testes mostraram que as mariposas são capazes de navegar corretamente com base apenas nas estrelas ou apenas no campo magnético — mas não quando ambos os estímulos são bloqueados. Isso sugere a existência de um sistema de navegação redundante e altamente eficiente.

“Quando as vimos voando sob o céu noturno simulado e seguindo a direção correta, mesmo sem outras pistas, ficamos em choque. Tivemos que nos segurar na borda da mesa”, disse Warrant.

Cérebro mapeia o céu

O estudo também revelou que o cérebro das mariposas possui neurônios sensíveis a padrões visuais específicos do céu, incluindo a forma da Via Láctea. Esses neurônios, até então desconhecidos, parecem ser parte de um sistema neural dedicado à orientação estelar.

“Não é apenas que esses neurônios respondem aos estímulos visuais. O mais empolgante é que são tipos neuronais que nunca havíamos identificado antes”, explicou Andrea Adden, neurocientista do Instituto Francis Crick, em Londres, e coautora da pesquisa.

A descoberta pode ter implicações amplas para o entendimento da navegação animal, inclusive em outras espécies de insetos migratórios, e também inspira pesquisas sobre bioengenharia e sistemas de orientação autônoma baseados na natureza.

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