A Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) sediou, nesta quarta-feira, 15, uma audiência pública proposta pelo deputado Cairo Salim (PSD) para debater as irregularidades praticadas por planos de saúde, as falhas na assistência médica, os erros médicos e o crescimento da judicialização no setor. O encontro reuniu autoridades, representantes de órgãos de defesa do consumidor e especialistas em saúde suplementar.

A audiência também abriu espaço para o depoimento de pacientes que afirmam ter sido vítimas de falhas graves em cirurgias e na prestação de serviços. As falas emocionadas provocaram comoção entre os presentes. Márcio Lima, um dos pacientes, tomou a palavra representando um grupo de pessoas que diz ter sofrido sequelas após procedimentos mal conduzidos e demora no atendimento. “Antes de tudo, quero agradecer por essa oportunidade. Nós não somos números, somos pessoas que sofremos diariamente e buscamos justiça”, iniciou.

Ele relatou ter sido operado por um neurocirurgião ligado a uma operadora de saúde privada e afirmou que diversas vítimas estão processando o mesmo profissional e o plano HapVida.
“Só desse mesmo médico já são mais de 14 pessoas nos procurando. Alguns perderam movimentos, outros ficaram com sequelas permanentes. É um absurdo o plano não fiscalizar o próprio corpo clínico. Onde estava o chefe desse rapaz?”, disse.

Márcio ainda cobrou do deputado Cairo Salim a criação de uma CPI para investigar planos de saúde e erros médicos. “Peço encarecidamente, deputado, que o senhor proponha uma CPI. A nossa dor precisa deixar de ser individual e se tornar coletiva. Nós sofremos, nossas famílias sofrem, e o mínimo que queremos é justiça”, afirmou.

Márcio ainda cobrou do deputado Cairo Salim a criação de uma CPI | Foto: Carlos Costa / Alego

Ele descreveu os impactos emocionais e financeiros causados pelas complicações. “Quando uma cirurgia dá errado, não afeta só o paciente, mas toda a família. Uma boa fisioterapia hoje custa R$ 3 mil, fora os remédios. E tem gente que não consegue mais trabalhar. Isso destrói vidas”, disse.

Fernanda, que acompanhava o grupo de pacientes, também relatou o drama vivido pela mãe, que, segundo ela, foi vítima de erro médico. “Minha mãe foi aberta e simplesmente fechada. O procedimento não aconteceu. Hoje ela está totalmente limitada, depende de mim pra tudo. É muito difícil estar aqui falando isso, mas precisamos ser ouvidos”, contou, emocionada.

Ela também enfatizou a importância da mobilização das vítimas. “No começo eu achei que ninguém ia ouvir a gente. Mas quando vi a história do Márcio, percebi que não estamos sozinhos. Por mais que sejamos pequenos, juntos nos tornamos grandes”, completou.

Fernanda: “Percebi que não estamos sozinhos” | Foto: Carlos Costa / Alego

Possível CPI

O propositor do debate, deputado Cairo Salim (PSD), concedeu entrevista exclusiva ao Jornal Opção. Ele revelou preocupação com o número crescente de denúncias e defendeu uma investigação mais ampla sobre as operadoras. “Tenho recebido denúncias de todos os planos de saúde, dos menores aos maiores. O mais grave é ver que a população, especialmente a classe média, tenta fugir das filas do SUS, paga caro por um plano e não consegue atendimento. O SUS já está sobrecarregado, e com essa defasagem nos planos, a situação pode piorar ainda mais”, afirmou.

O deputado também criticou a morosidade da Justiça e a sobrecarga de instituições como o Ministério Público e a Defensoria Pública. “Está havendo um excesso de judicialização. As pessoas recorrem à Justiça, mas não têm resposta. A Defensoria está atolada, o Ministério Público também, e o cidadão fica desamparado. É papel do deputado ser a voz do povo, e essa audiência é o primeiro passo para pressionar os planos a cumprir sua função”, disse.

Cairo Salim não descarta propor uma CPI para investigar as operadoras | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Questionado sobre o papel da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Cairo Salim foi direto. “Eu acho que a ANS falha, sim, e há suspeitas de aparelhamento. As grandes operadoras são poucas e poderosas, será que elas mesmas não estão indicando os diretores dessas agências? Precisamos levantar esse debate e defender os milhões de brasileiros que estão sofrendo com esse sistema”, disse ao Jornal Opção.

O parlamentar adiantou que pretende levar audiências semelhantes ao interior do Estado e não descarta propor uma CPI para investigar as operadoras. “Vamos continuar cobrando na imprensa, no Judiciário e na tribuna. Se for necessário, vamos abrir uma CPI para investigar o que está acontecendo com os planos de saúde em Goiás e no Brasil”, concluiu.

Tratamentos recusados e judicialização

O juiz Eduardo Peres destacou que o objetivo do Comitê do CNJ é compreender a fundo as causas da crescente judicialização da saúde. “Viemos aqui para ouvir, porque o juiz trabalha com o que chega até ele. A judicialização precisa ser tratada com seriedade, entendendo que a lei deve ser aplicada de forma eficaz e justa”, afirmou.

A defensora pública Bruna Gomide Corrêa relatou que a Defensoria lida diariamente com casos de negativas de cobertura, cancelamentos unilaterais, aumentos abusivos de mensalidades e falhas em tratamentos multidisciplinares, sobretudo no atendimento a crianças autistas. “É preciso equilibrar a proteção ao consumidor e a sustentabilidade do sistema suplementar, garantindo o atendimento de qualidade sem inviabilizar os contratos”, pontuou.

Representando o Procon-GO, Lívia Magalhães de Oliveira Abreu afirmou que as reclamações contra planos de saúde estão entre as mais recorrentes. “Nosso papel é dar voz aos consumidores, especialmente aos mais vulneráveis. A maioria das denúncias se refere à negativa de procedimentos. Atuamos de forma imediata e, quando necessário, autuamos as empresas. O consumidor é o lado mais fraco e precisa estar satisfeito com o serviço que paga”, disse.

O presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-GO, Pitágoras Lacerda dos Reis, defendeu a integração entre os órgãos de proteção ao consumidor. “Os planos de saúde são organizados e atuam de forma coordenada. Nós, enquanto entidades de defesa, precisamos estar unidos também para garantir o cumprimento das obrigações e a proteção do cidadão”, afirmou.

O presidente da Comissão de Direito da Saúde da OAB-GO, Wenderjus Amorim, complementou, alertando que a saúde suplementar enfrenta um desequilíbrio grave. “Os donos das maiores operadoras do país figuram entre os grandes milionários da Forbes. O lucro não é o problema, mas ele não pode vir em detrimento do direito à vida. Infelizmente, vemos a Justiça criando barreiras que dificultam o acesso do cidadão à saúde”.

O médico José Ramalho, da Andess, criticou o modelo de negócios das operadoras e os limites impostos aos gastos com tratamentos. “Hoje, o paciente e o médico precisam adequar o tratamento aos interesses financeiros da operadora. Isso é grave e afeta milhões de brasileiros. Só em 2024, as operadoras lucraram R$ 11 bilhões; nos seis primeiros meses de 2025, já superaram R$ 13 bilhões. O problema não é o lucro, mas como ele é obtido”, frisou.

Ramalho elogiou a atuação do Procon-GO, que, segundo ele, tem dado resposta rápida aos consumidores. “Aqui em Goiás, o Procon tem uma atuação exemplar, e essa audiência é um passo importante. Precisamos descentralizar a fiscalização, fortalecer os órgãos estaduais e criar uma estrutura semelhante ao Procon Saúde, que estamos propondo nacionalmente”, concluiu.

A advogada Ana Luzia Morais, especialista em direito da saúde, relatou casos de pacientes que enfrentam demoras e negativas até mesmo em tratamentos oncológicos. “Falta respeito e transparência. Tenho clientes com metástase que enfrentam burocracias e negativas cruéis de planos que deveriam salvar vidas, e não complicá-las ainda mais”, afirmou.

Compuseram a mesa o coordenador do Comitê do Fórum Nacional de Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário do TJ-GO, Eduardo Peres; a defensora pública Bruna Gomide Corrêa; a fiscal de Relações de Consumo do Procon-GO, Lívia Magalhães de Oliveira Abreu; o presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-GO, Pitágoras Lacerda dos Reis; o presidente da Comissão de Direito da Saúde da OAB-GO, Wenderjus Amorim; e o médico neurocirurgião e presidente da Aliança Nacional em Defesa da Ética na Saúde Suplementar (Andess), José Ramalho.

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