Após o acidente da última segunda-feira, 13, quando um avião monomotor de pequeno porte caiu sobre uma residência no Setor Santos Dumont, em Goiânia, o debate sobre a segurança e o crescimento da aviação em Goiás voltou ao centro das discussões. Apesar dos recentes acidentes registrados, especialistas reforçam que a aviação continua sendo um dos meios de transporte mais seguros do mundo.

Em entrevista ao Jornal Opção, o piloto particular e professor de Direito Aeronáutico, Georges Ferreira, explicou que acidentes como o de segunda-feira são “muito raros” e que, mesmo se tratando de uma aeronave experimental, “ela estava em dia junto ao Registro Aeronáutico Brasileiro, inclusive com o pagamento do seguro de responsabilidade de transportadora”. Segundo ele, “o piloto tinha muita experiência, tinha licença regular e as manutenções estavam dentro do prazo”.

Georges destacou que a investigação do caso deve ser conduzida pelo Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Seripa), responsável por coletar dados técnicos e avaliar possíveis causas. “Quem vai identificar isso é o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa). Eles estão neste momento levantando informações sobre a aeronave em solo, as condições de saúde do piloto e as circunstâncias do voo. Um acidente aeronáutico nunca é resultado de uma única causa, sempre envolve uma série de fatores”, afirmou.

O professor ressaltou ainda que, embora o impacto tenha destruído parte de uma casa, “não houve fatalidades”. Ele lembrou que “até hoje não há registro, pelo menos no Cenipa, de uma aeronave experimental que tenha caído sobre uma residência e provocado a morte de alguém em solo”. Para ele, isso reforça que “ainda é um tipo de operação segura”.

Questionado sobre a proximidade entre áreas residenciais e aeroportos, Georges fez uma observação sobre o crescimento urbano desordenado.“Quem chegou primeiro, o aeroporto ou as casas?”. O piloto lembrou que o Aeroporto da Escolinha, de onde a aeronave partiu, foi implantado há cerca de 60 anos, em uma região então isolada.

“Como todos os aeroportos ficam em regiões planas, regiões muito boas, logo, a exploração imobiliária e uma inadequação de um plano diretor fazem com que casas invadam, inclusive, aquilo que nós chamamos de ais (Área de Segurança Aeroportuária)”.

Ele ponderou que, apesar da proximidade, a coexistência é possível e majoritariamente segura. “No Brasil, são milhares e milhares de operações todos os dias, tanto da aviação comercial como da aviação geral, e você vê que praticamente são raríssimos os acidentes”.

Georges destacou também que o trabalho do Cenipa é técnico e preventivo, e que seus relatórios “não atribuem culpa ou responsabilidade criminal”. Ele detalhou que o órgão aponta “fatores contribuintes e determinantes”, como falhas de manutenção ou o uso de combustível inadequado, para então elaborar recomendações que previnam novos acidentes. “A principal fonte para entender e evitar acidentes é o piloto que sobrevive. É dele que se extraem informações valiosas para a segurança futura”, completou.

O professor enfatizou a rastreabilidade total das peças e a qualificação específica dos mecânicos. “Uma aeronave pode ser grande, pode ser pequena… Para fazer uma manutenção, é coisa que você tem que programar. Por isso que a aviação é algo tão seguro e por isso que a aviação não pode ter falhas”.

Além da investigação e da prevenção, o piloto abordou a questão dos seguros. Ele explicou que, embora se tratasse de uma aeronave experimental, o modelo em questão tinha cobertura ativa. “Essa aeronave tinha contratado o seguro de responsabilidade do transportador aéreo, que cobre cerca de R$ 100 mil por vítima a bordo e entre R$ 300 mil e R$ 400 mil por danos a terceiros em solo”, detalhou.

Georges também comentou sobre o que chama de “mística da aviação”, termo usado para descrever a cultura de segurança cultivada entre profissionais e entusiastas do setor. “Quantas vítimas fatais tivemos na aviação em Goiás neste ano? Nenhuma. Agora eu te pergunto: quantas pessoas morreram em acidentes de trânsito em Goiânia neste mesmo período? A diferença é a cultura de segurança. Um acidente aéreo em Goiânia repercute no país inteiro, porque existe um compromisso coletivo com a prevenção”, pontuou.

Segundo ele, os números se mantêm estáveis nos últimos dez anos, e, após uma recessão em 2015/2016 e a pandemia, o setor retoma seu fôlego no Brasil, pressionado pelo custo do dólar e do combustível de aviação, que pode representar até 40% do valor de uma operação. “Houve um crescimento até 2019, uma queda durante a pandemia e, agora, uma leve retomada. Mas ainda assim, dentro de um padrão aceitável. Para quem está na aviação, um acidente é inaceitável, por isso qualquer intercorrência vira notícia”, disse.

Georges lembrou que a aviação exige padrões de manutenção rígidos. “Toda peça colocada em uma aeronave precisa ser rastreável e autorizada pelo fabricante. As revisões ocorrem a cada 50 ou 100 horas de voo. Por isso a aviação é segura, ela não pode ter falhas”, reforçou.

O especialista também destacou o papel econômico e logístico da aviação no estado. “Goiânia é hoje o segundo maior polo de manutenção de aeronaves do país, perdendo apenas para São Paulo. Temos o único centro de excelência para manutenção de jatos Embraer fora da própria fábrica”, afirmou. Ele citou ainda novos empreendimentos em expansão, como o AeroParque, na saída para Bela Vista, e o Antares, em construção.

Sobre o perfil dos proprietários, Georges explicou que “quem tem aeronave não compra por luxo, mas por tempo. A pessoa para ter uma aeronave não pode tê-la só a dar prazer. Aeronave é cara, é custo”, ressaltou.

O valor do tempo é a equação principal. “Uma pessoa que tem um jatinho ou um King Air… chega antes que você. Ele simplesmente entra, embarca e vai embora”. Segundo o piloto, essa mobilidade é crucial para um estado de dimensões continentais. “Goiás é maior do que a Itália, maior do que a Finlândia… Se você pegar um carro em Porangatu, no extremo norte, para chegar em Itumbiara, pode ter certeza que vai rodar pelo menos uns 600, 700 quilômetros”.

Embora o agronegócio seja um motor evidente – “o agro é o carro-chefe” –, Georges aponta a diversificação da economia goiana. “Nós temos o segundo maior polo farmacêutico do Brasil, em Anápolis; um polo automobilístico em Anápolis e Catalão; uma indústria voltada à transformação do agro em Jataí e Rio Verde; e uma indústria mineral muito grande em Cristalina”. Para ele, todos esses setores atraem empresários que precisam de agilidade.

O professor também comentou sobre o crescimento da frota e o papel educacional do estado. “Temos a PUC-Goiás, uma das primeiras universidades do país com curso de Ciências Aeronáuticas, e o Senai, que oferece formação técnica. Goiás nasceu com vocação aérea, desde a Marcha para o Oeste de Getúlio Vargas, e continua com ela”, disse.

Por fim, ele lembrou que o custo elevado da aviação se deve à própria estrutura de segurança. “A aviação é cara, mas é cara porque é segura. Cada voo paga tarifas de comunicação, navegação, pouso e pátio. Mas, em troca, o passageiro tem o que o trânsito não oferece: segurança e eficiência”, concluiu.

De acordo com a Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag), o Brasil possui a segunda maior frota de aviação de negócios do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. A frota cresceu 6% e atingiu 10.285 aeronaves. Só em Goiás, são mais 1.600 aeronaves registradas na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o que coloca o estado na sétima posição no ranking nacional.

Leia também:

Após queda de avião em Goiânia, Goiás já soma 49 acidentes aéreos em 2025

Saiba quem é Buzeira, influenciador com 15 milhões de seguidores preso em operação da PF