Um movimento no Brasil intitulado ‘Inclusão Total’ defende que estudantes com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento, hoje nas escolas especializadas, sejam incluídos no ensino comum. A proposta coloca em risco o modelo escolar para pessoas com deficiência e o funcionamento das Apaes (Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais) no país.

Ao Jornal Opção, o procurador jurídico da Apae Goiânia e da Federação das Apaes do Estado de Goiás (Feapaes), Eduardo Vieira Mesquita, defende que a Apae é pioneira nos debates e ações de inclusão. “Nós estamos em uma luta imensa agora, toda a rede Apae, para a manutenção dos recursos e subsistência das nossas escolas. Que fique claro: a rede Apae é favorável à inclusão. Inclusive, com 70 anos de existência, da fundação da primeira Apae, foi quem sempre esteve nessa luta pela inclusão escolar e social. Bem-vindo a quem chegou agora”, disse.

Apesar de terem enfrentado problemas financeiros em 2024, Eduardo garante que as 62 Apaes de Goiás não enfrentam desmonte. Credenciadas no Conselho Estadual de Educação, as escolas especializadas estão autorizadas a ofertar educação básica na modalidade de educação especial, com base na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

Eduardo Vieira Mesquita
Eduardo Vieira Mesquita: “Eles acreditam que só é inclusão se todos estiverem na mesmo locus” | Foto: Reprodução

A lei não obriga todos os alunos a estarem nas escolas comuns, pelo contrário, garante atendimento especializado a quem precisa. Segundo o artigo 58 da LDB, “o atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições do aluno, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular”. Em 2008, foi criado um decreto do Executivo – que não tem força de lei – criando a política nacional de ‘Inclusão Total’.

Debate nacional de inclusão 

Tramita uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), movida pela Federação Brasileira das Associações da Síndrome de Down, que questiona duas leis do estado do Paraná sobre o funcionamento das escolas especializadas, alegando que o governo investe mais dinheiro nelas do que em escolas comuns. O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), julgará a ação. 

“Eles acreditam que só é inclusão se tiver todo mundo no mesmo local. Só que nós defendemos que não é o locus que vai dizer se está incluído ou não. Nós temos que pensar no indivíduo e não na sala de aula somente. Essa é a discussão nacional e, a depender do julgamento do Supremo, obviamente isso vai repercutir no financiamento da rede APAE no Paraná e também da rede APAE no Brasil”, disse.

Pela própria lei, percebe-se que o debate é mais político e ideológico do que judicial, de fato. Para Eduardo, “não dá pra tratar a situação de forma reducionista e querer simplificar algo que é complexo simplesmente para dizer que está todo mundo incluído. A gente não vai compartilhar com inverdades e com radicalismos. Esse assunto não tem dono da verdade, mas nós temos que ter bom senso e compreender que todos têm o direito da educação e que ninguém vai ficar à margem do caminho”. 

O que é inclusão?

O procurador jurídico aponta que a Federação de Síndrome de Down não pode representar todas as pessoas com deficiência nesse debate, já que muitos deles já integram escolas comuns. “Grande parte dos síndromes de Down já não estão mais nas Apaes, estão na escola comum, em outras atividades. Nós estamos falando de um público, por exemplo, autista nível 3, paralisia cerebral, deficiência intelectual e múltipla associada”, disse.

Para ele, a depender do grau da deficiência, os alunos não conseguem se beneficiar das atividades pedagógicas das escolas comuns e precisam de atividades especializadas, que atendam às suas necessidades. “Escola não é somente lugar de socialização, é lugar de aprendizagem. Ele precisa ter uma escola para aprender. O processo é de ensino e aprendizagem. Aí não é porque a escola não quer promover a inclusão, não é porque o professor não dá conta de ensinar, não é porque o menino não quer aprender, é porque não funciona”, disse.

Eduardo exemplifica a situação com o caso de pessoas surdas, que podem não se desenvolver tão plenamente em escolas comuns por conta do impasse da linguagem. Atualmente, eles têm direito por lei a estudar em escolas especializadas, somente com outros alunos surdos. “Se ela não consegue se comunicar, como é que ela vai aprender? E não adianta colocar intérprete, ela não conhece a Libras também. A criança surda tem que estudar com outras crianças surdas para que ela se aproprie da chamada cultura surda. A primeira língua dela não é o português, ela tem que aprender primeiro a língua de sinais, para depois ela aprender a língua portuguesa”.

“A gente está defendendo uma inclusão responsável, uma inclusão de todos, ninguém vai ficar para trás”, disse Eduardo Mesquita. 

Goiânia falhou nos repasses

As Apaes viveram uma crise em 2024, quanto aos repasses municipais da saúde, que não foram entregues por cinco meses. Essas escolas atendem via Sistema Único de Saúde (SUS) e os municípios fazem os pagamentos, um repasse do Ministério da Saúde. Mesmo assim, o dinheiro não foi entregue durante cinco meses no segundo semestre, o que levou a Apae de Goiânia a solicitar um empréstimo na Caixa Econômica Federal. 

Eduardo disse que a instituição nunca havia solicitado empréstimos nos seus 56 anos de funcionamento. O recurso foi liberado pelo banco depois que a própria prefeitura assinou um documento alegando que a Apae tinha crédito para receber, segundo ele.

“O município recebeu recurso, não repassou, que era só obrigação dele, se apropriou do recurso. As instituições entraram em dificuldade, tiveram que buscar recursos para não fecharem as portas e parar o atendimento, a custo de encargos altos na rede bancária. […] Na área da saúde, especialmente na capital, o problema é caótico. Agora, no atual governo do prefeito de Sandro Mabel, regularizou os repasses. O município tem repassado, mas ficou um passivo para trás”, disse ele. 

Eduardo apontou que não há problemas com os repasses estaduais nas áreas educacional e assistencial, e que as especializadas têm recebido os mesmos recursos que escolas comuns – como os programas Reformar e Equipar. Ainda nesta semana, na última quarta-feira, 9, o Governo do Estado anunciou que o Bolsa Estudo (que garante R$ 111 todo mês para alunos a partir do nono ano) será estendido para as Apaes.

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