AMB diz que discussão sobre uso da hidroxicloroquina se tornou arma do campo político-partidário
21 julho 2020 às 13h08

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“O derby político em torno da hidroxicloroquina deixará um legado sombrio para a medicina brasileira, caso a autonomia do médico seja restringida, como querem os que pregam a proibição da prescrição da hidroxicloroquina”, diz nota assinada pela Associação Médica Brasileira

A diretoria da Associação Médica Brasileira (AMB) elaborou uma nota para reforçar que acompanha atentamente diversos estudos e pesquisas sobre a utilização de fármacos para tratamento ou quimioprofilaxia da Covid-19.
A avaliação é de que, até o momento, não existem estudos seguros, robustos e definitivos sobre a questão. Mesmo nos mais recentes, especialmente os da última semana, há várias fragilidades que impedem que sejam considerados conclusivos, entende a Associação.
No entanto, a AMB argumenta que, com os holofotes da sociedade voltados para a pandemia, especialmente para a classe médica, “por vezes acabam alimentando vaidades e ofuscando a percepção sobre a tênue fronteira entre o campo técnico-científico e o campo político/ideológico/partidário”.
Em nota, a Associação lembrou que em 22 de maio, a revista The Lancet divulgou resultados de uma pesquisa que comprovaria a aparente ausência de efeitos da hidroxicloroquina no combate à Covid-19. E completou: “causou espanto a reação de algumas pessoas e entidades: estavam comemorando”.
“Ficava claro ali que a discussão havia sido politizada. Afinal, o que justificaria tamanha euforia diante de notícia tão frustrante para a saúde da população? E justamente em um momento de ausência de tratamentos efetivos”, diz outro trecho do documento.
Dias depois, a Associação lembra que The Lancet veio a público para se desculpar e informar que iria “despublicar” o estudo, a pedido dos autores. “As ‘certezas’ caíram por terra e o alarmismo contra o uso do fármaco silenciaram diante da perplexidade do caso”, disse.
“Infelizmente, pouco se aprendeu com o episódio. Médicos, entidades, políticos, influenciadores e palpiteiros seguem monitorando estudos sobre o uso de hidroxicloroquina em pacientes acometidos pela Covid-19. Uns procurando provas de que se trata da salvação. Outros, de que é puro placebo. Ou pior: veneno (mesmo diante do fato de que os efeitos adversos são limitados e conhecidos há mais de cinco décadas). Muitos sairão da pandemia apequenados, principalmente médicos e entidades médicas que escolherem manipular a ciência para usá-la como arma no campo político-partidário”, disparou.
Para a AMB, é bastante provável que a sociedade chegue ao final da pandemia sem evidências consistentes sobre tratamentos. Mas não só. também sobre diversos outros aspectos próprios de uma nova enfermidade. Pois, segundo a Associação, estudos adequados e robustos são caros e demorados. “Estamos falando de uma medicação barata, que, portanto, não tem, nem terá financiamento da indústria que suporte os investimentos necessários para minimizar as incertezas”.
“O derby político em torno da hidroxicloroquina deixará um legado sombrio para a medicina brasileira, caso a autonomia do médico seja restringida, como querem os que pregam a proibição da prescrição da hidroxicloroquina”, acrescentou.
Segundo a AMB, essa restrição vai contra a própria Declaração de Helsinque: “No tratamento de um paciente individual, em que não existem intervenções comprovadas ou outras intervenções conhecidas foram ineficazes, o médico, após procurar aconselhamento especializado, com consentimento informado do paciente ou de um representante legal, pode usar uma intervenção não comprovada se, no julgamento do médico, oferecer esperança de salvar vidas, restabelecer a saúde ou aliviar o sofrimento. Essa intervenção deve ser posteriormente objeto de pesquisa, destinada a avaliar sua segurança e eficácia. Em todos os casos, novas informações devem ser registradas e, quando apropriado, disponibilizadas ao público”.
Em seguida a Associação diz que é signatária da Declaração de Helsinque, da WMA, juntamente com associações médicas de centenas de países. “É importante lembrar que o uso off label — é o uso de drogas farmacêuticas que não seguem as indicações homologadas para aquele fármaco — de medicamentos é consagrado na medicina, desde que haja clara concordância do paciente. E que, sem a prática do off label, diversas doenças ainda estariam sem tratamento. Não se trata de apologia a este ou àquele fármaco. Trata-se de respeito aos padrões éticos e científicos construídos ao longo dos séculos”, argumentou.
Por fim, disparou: “Não podemos permitir que ideologias e vaidades, de forma intempestiva, alimentadas pelos holofotes, nos façam regredir em práticas já tão respeitadas. Não se pode clamar por ciência e adotar posicionamentos embasados em ideologia ou partidarismo, ignorando práticas consolidadas na medicina. Isso é um crime contra a medicina, contra os pacientes e, sobretudo, contra a própria ciência”.
Entraves
As opiniões se divergem constantemente em relação ao assunto. Vale lembrar que a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) publicou recentemente uma nota para dizer que que até o momento, os principais estudos clínicos não demonstraram benefício do uso da cloroquina, nem da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes hospitalizados com Covid-19 grave.
A entidade ressalta que a Organização Mundial da Saúde (OMS), a FDA (agência reguladora de medicamentos dos EUA), a Sociedade Americana de Infectologia (IDSA) e o Instituto Nacional de Saúde Norte-Americano (NIH) recentemente recomendaram que não seja usado cloroquina, nem hidroxicloroquina para pacientes com Covid-19. Exceto em pesquisas clínicas, devido à falta de benefício comprovado e potencial de toxicidade.
Deste modo, a Sociedade Brasileira de Infectologia também não recomenda o uso das medicações para tratamento em pacientes acometidos pela doença causada pelo coronavírus Sars-Cov-2.
Se o assunto enfrenta duros embates no campo da ciência e saúde, no âmbito político a polarização ganha ainda mais musculatura. Vale lembrar que, enquanto o presidente da República, Jair Bolsonaro, diz ter tratado todos os sintomas da doença à base do medicamento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva insinua que Bolsonaro tenha inventado sua contaminação simplesmente para promover uso do remédio.