Advogada avalia que vetos de Lula no ‘PL da Devastação’ são “positivos, mas ainda insuficientes”

13 agosto 2025 às 13h40

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Os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao chamado “PL da Devastação”, que alterava regras do licenciamento ambiental, foram avaliados por especialistas como “positivos, mas ainda insuficientes”. A decisão presidencial, publicada na última sexta-feira, 8, barrou 63 dispositivos de quase 400 artigos aprovados pelo Congresso, preservando mecanismos de proteção ambiental, incluindo unidades de conservação, Mata Atlântica e direitos de povos indígenas, mas manteve a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), gerando preocupações sobre pressões políticas e impactos socioambientais.
Em entrevista ao Jornal Opção, a advogada socioambiental Márcia Cristina Ever de Almeida explicou que, apesar dos avanços, “o PL, da forma como ele foi construído, ele não conseguiu ouvir os anseios sociais” e que a proposta ainda abre margem para retrocessos e judicializações. Segundo ela, a construção apressada do projeto e a votação de madrugada impediram que os interesses da sociedade fossem plenamente incorporados, criando incerteza para empreendedores e comunidades impactadas.
Para a especialista, o licenciamento ambiental é um procedimento administrativo essencial para garantir o direito ao meio ambiente equilibrado e ao desenvolvimento sustentável. “Não é para ser burocrático, mas precisa seguir o rito certinho”, afirmou, destacando que, enquanto setores econômicos como o agronegócio e a indústria enxergam o processo como entrave, defensores da preservação consideram-no indispensável para evitar danos irreversíveis.
Um dos pontos centrais vetados foi a ampliação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permite ao empreendedor assumir responsabilidades sem acompanhamento técnico contínuo. Originalmente restrita a empreendimentos de baixo impacto, o Congresso queria estender seu uso para projetos de médio potencial poluidor. Além disso, vetos impediram descentralização excessiva que poderia gerar uma “competição antiambiental” entre estados e municípios, mantendo padrões nacionais de proteção e segurança jurídica.
“Seria uma possibilidade de prejuízo ambiental significativo”, alertou Márcia, destacando que obras de grande impacto não podem depender da autodeclaração simplificada.
Outro veto que a especialista explicou sua relevância é o que preservou a proteção especial da Mata Atlântica, evitando maior supressão de floresta nativa. “A gente sabe que a Mata Atlântica é um dos biomas mais impactados historicamente. Hoje praticamente não temos mais esse bioma preservado”, disse a advogada.
Além disso, o governo manteve o caráter vinculante da manifestação de órgãos gestores de unidades de conservação, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), garantindo que empreendimentos que afetem essas áreas ou zonas de amortecimento continuem sujeitos à autorização técnica.
Lula também reforçou que produtores só poderão ser isentos de licenciamento se tiverem Cadastro Ambiental Rural (CAR) analisado e cumprirem outros requisitos, além de manter a responsabilidade de bancos e financiadores em exigir licenciamento antes da concessão de crédito.
No caso de povos indígenas e comunidades quilombolas, os vetos ampliaram a participação de órgãos como Funai e Fundação Palmares, incluindo terras em processo de demarcação ou com certificado da Fundação Palmares. Márcia, porém, considera a medida insuficiente, lembrando que muitos territórios não têm reconhecimento oficial, e que “criar um marco temporal implícito sem considerar que o direito desses povos é originário acaba deixando comunidades vulneráveis”.
Apesar das salvaguardas, o presidente manteve a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), destinada a empreendimentos estratégicos, com prazo máximo de um ano para conclusão após apresentação do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). A medida visa acelerar processos, mas desloca parte do debate técnico para o político. O governo vetou o modelo monofásico, que permitiria licenciamento em única etapa, preservando as fases tradicionais: prévia, de instalação e operação.
“Quando se coloca o status de estratégico como critério, há risco de aprovar empreendimentos que não cumpram o tripé do desenvolvimento sustentável, econômico, social e ambiental”, alertou Márcia.
A advogada reforça que, mesmo com vetos, o projeto ainda pode gerar judicializações. “Eu acredito que os vetos do governo foram positivos no cenário geral, mas ainda existe a possibilidade de derrubada total ou parcial”, avaliou, apontando que conflitos judiciais podem questionar tanto dispositivos mantidos quanto o veto presidencial. Ela destaca que a ausência de amplo debate social contribuiu para um texto que não equilibra adequadamente interesses econômicos, justiça social e proteção ambiental.
Outro ponto levantado por Márcia é a ausência de menções aos impactos climáticos no PL e na LAE. “É necessário agora que os nossos procedimentos administrativos e o licenciamento tenham essa visão”, pontuou, lembrando compromissos internacionais como o Acordo de Paris, relacionados à redução do desmatamento e mitigação de efeitos da mudança do clima. Ela alerta que comunidades rurais e periféricas são as mais afetadas pela crise climática e pela flexibilização do licenciamento.
Em síntese, mesmo com os vetos, a advogada alerta que o PL da Devastação ainda apresenta riscos de retrocesso ambiental e judicialização, exigindo atenção da sociedade civil, Congresso e Judiciário. Para Márcia, os vetos de Lula evitaram retrocessos imediatos, mas a criação da LAE continua sendo um ponto crítico: “É uma inovação jurídica que pode enfraquecer a avaliação técnica e fortalecer interesses políticos na aprovação de projetos de alto impacto”.
Resumo dos principais vetos de Lula ao PL do Licenciamento
- Licença por Adesão e Compromisso (LAC): mantida restrição para empreendimentos de baixo potencial poluidor.
- Mata Atlântica: preservadas proteções contra supressão de floresta nativa.
- Unidades de Conservação: mantida obrigatoriedade de manifestação vinculante dos órgãos gestores.
- Terras indígenas e quilombolas: ampliada participação de órgãos de proteção, mas medida ainda é considerada insuficiente.
- Licença Ambiental Especial: mantida com trâmite acelerado.
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