A advogada Jéssika Paula dos Santos, de 36 anos, enfrentou uma sequência de internações, passou por quimioterapia, despediu-se dos três filhos diante do risco de morte e viu sua saúde e vida financeira desmoronarem após um procedimento estético realizado em outubro de 2023. O responsável pela aplicação de polimetilmetacrilato (PMMA) foi o médico Rogério Cardoso, amplamente conhecido nas redes sociais como “doutor Bumbum”.

Em entrevista ao Jornal Opção, Jéssika detalha uma trajetória de quase dois anos de sofrimento, que incluiu uma úlcera gastrointestinal perfurada, o desenvolvimento de uma doença autoimune e uma cirurgia de retirada do produto que, segundo laudo do IML, causou necrose em seu glúteo. O médico, por sua vez, em resposta, classifica o caso como uma tentativa de extorsão e afirma que os problemas de saúde da paciente são decorrentes de uma síndrome relacionada a próteses de silicone mamárias, doença pré-existente e não do PMMA ou de sua técnica.

A história começou, segundo Jéssika, com a busca por um tratamento para flacidez. “Eu fui no consultório dele para colocar o chip da beleza, e ele estava bem famoso com várias blogueiras que estavam publicando o trabalho feito por ele”, relata. Motivada por uma indicação, ela buscou informações. “Para entender sobre o assunto, se era proibido, se não era, qual seria o produto, e ali foi me oferecido esse trabalho com total segurança, dizendo que não tinha nada a ver com a mesma questão da Andressa Urach”.

Jéssika Paula dos Santos | Foto: Arquivo pessoal

A advogada afirma ter contratado e pago apenas pela aplicação no glúteo. “Em momento nenhum paguei para colocar no quadril e nem nas coxas”.

Contudo, a realidade pós-procedimento, iniciada ainda em dezembro de 2023 durante uma viagem, foi drasticamente diferente. “Comecei a identificar… febres e muita alergia, alergia generalizada no corpo”, descreve. Logo em seguida, surgiram “muitas manchas roxas” exclusivamente nas regiões tratadas. Ao retornar a Goiânia, foi internada às pressas no Instituto Neurológico de Goiânia. “O médico já me mandou direto para a internação, falou… ‘você está com suspeita de lúpus, provavelmente, a olho nu, ou leucemia’”.

Nesse ponto, Jéssika afirma que o doutor Rogério Cardoso teria aplicado o produto em áreas não autorizadas e em quantidade excessiva. “Ele mesmo, em uma das entrevistas, entrega que ele mesmo colocou, mas sem o meu consentimento… foi colocada tipo 10 vezes mais… ele colocou mais de 340ml em cada lado”.

“Paguei para colocar no glúteo, que não na perna e no quadril… ele disse que colocaria uma injeção de bioestimulador nas coxas, só que ele não colocou bioestimulador, ele colocou PMMA, sem o meu consentimento e sem o meu conhecimento”, questiona Jéssika. 

A suspeita sobre o PMMA como causa do problema só veio à tona, segundo seu relato, quando seu companheiro na época mencionou o procedimento à equipe médica durante aquela primeira internação de 14 dias. “Aí o cirurgião falou: ‘não, então tá explicado… porque o PMMA é proibido’”. Um exame de imagem identificou uma infecção no glúteo, e a retirada do material foi recomendada como urgente. 

Ao comunicar o diagnóstico a Rogério Cardoso, Jéssika diz ter encontrado negação. “Ele se mostrou desesperado e disse que não, que aquelas alergias, que aqueles hematomas não tinham relação com o produto”. Além disso, ela relata que o médico desqualificou o cirurgião que indicou a retirada, acusando-o de “perseguir e mutilar” suas pacientes.

Foi então, conforme a advogada, que o “doutor Bumbum” iniciou um tratamento com corticoides. “Começou a me prescrever corticoides… aplicáveis e injetáveis”. Ela cita que sua reumatologista posteriormente alertou sobre os riscos desse protocolo.

Os sintomas, longe de desaparecer, se agravaram. “Começou a piorar os sintomas… deu derrame nos meus joelhos, eu não conseguia ficar em pé mais”. O ápice da crise aconteceu em abril deste ano, com uma perfuração gastrointestinal. “Foi quando… eu realmente quase morri, eu vi minha alma sair do corpo… comecei a vomitar verde”.

Diagnosticada com uma úlcera perfurada no estômago que atingiu o intestino, ela foi submetida a uma cirurgia de alto risco. “Eu assinei um termo que eu poderia não sair da cirurgia, tive que fazer a despedida dos meus familiares e dos meus filhos… ‘Eu vi a morte’”, afirma, emocionada.

Enquanto lutava pela vida na UTI, uma amiga tentou contato com o Dr. Rogério. “Lá, a minha amiga manda mensagem para ele… ‘ela está morrendo’… E ele disse… ‘Não, isso não é problema comigo…’ ele alegou que era pedra nos rins”. Jéssika complementa: “Ele sabia, tinha ciência, que inclusive os corticoides foram a causa da perfuração do meu estômago e intestino. Ele sempre soube, e se negou a arcar com qualquer reparação”.

A partir de então, sua vida transformou-se em uma peregrinação por consultórios e hospitais. “Comecei a fazer os tratamentos particulares, foi quando eu comecei a rodar, fui em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro”. As opiniões médicas, segundo ela, divergiam: alguns apontavam para uma síndrome autoimune (ASIA), outros culpavam o PMMA.

O veredicto final, conforme relata, veio em uma internação no Hospital Anis Rassi, após uma ressonância do abdômen. “Me veio quatro médicos e disse: ‘olha, ou você retira ou você morre, você não tem mais opção… você tem dois anos empurrando com a barriga, acreditando no médico que está te matando aos poucos’”.

A primeira cirurgia de retirada parcial do PMMA foi realizada em 6 de agosto deste ano. O procedimento, inicialmente previsto para 4 horas, durou 11 horas. “Tirou um material que assustou o hospital inteiro”, descreve Jéssika. “Começou a dar tipo uma intoxicação neles… vinha aquele cheiro forte de plástico sendo cortado no meu corpo… aquilo ali vinha uma fumaça”. O material removido foi encaminhado para perícia. “O pessoal do IML começou a entrar em contato… porque eles nunca haviam visto algo igual”.

O laudo, segundo ela, confirmou a necrose nos locais de aplicação do PMMA. Após a cirurgia, no entanto, novas complicações surgiram. “A partir dali, começou a inflamar o meu corpo todo… começou a criar seromas… eu vivia um inferno porque era muita inflamação”.  Ela precisou de uma nova intervenção para drenagem e passou quase 30 dias com drenos. 

Apesar do período pós-operatório difícil, a advogada destaca a qualidade do resultado: “Eu renasci”. Ela conta que, após a retirada, conseguiu suspender a quimioterapia à qual era submetida para controlar a doença autoimune, e seu cabelo, que estava caindo, voltou a crescer. “Hoje eu consigo trabalhar, cuidar dos meus filhos, sair, mesmo que com mais cautela”.

Contudo, a batalha está longe do fim. Jéssika estima que mais de três quilos do material foram removidos, mas parte ainda permanece em seu corpo. “Eu ainda vou passar por mais cirurgias… lá pra fevereiro… eu vou fazer novos exames e tentar retirar o máximo de produto possível”.

Ela também precisará de cirurgias reparadoras. As sequelas são permanentes: desenvolveu diabetes e uma doença autoimune incurável, além de graves transtornos psiquiátricos. “Meu psicológico está totalmente destruído… eu faço tratamento psiquiátrico e só consigo sobreviver à base de remédios para dores e para dormir”.

A situação financeira, segundo ela, foi devastada. “Eu perdi completamente tudo que eu tinha por não conseguir trabalhar e ter que custear todo o tratamento”. Ela alega ter feito mais de 30 internações nesses dois anos. Paralelamente, move uma batalha jurídica. “Existe um inquérito que está na fase final, a princípio por lesão corporal grave… está no oitavo DP”.

Ela também informa estar dando entrada em ações nas esferas cível e administrativa, incluindo uma comunicação ao Conselho Regional de Medicina (CRM).

O que diz o “Doutor Bumbum”

Procurado pelo Jornal Opção, o Dr. Rogério Cardoso apresentou uma versão diametralmente oposta aos fatos narrados por Jéssika. Em entrevista, ele negou qualquer relação entre o procedimento realizado e os problemas de saúde da advogada, atribuindo-os a condições pré-existentes e classificando a atitude da paciente como extorsão.

“Ela tá indo na mídia, mas até hoje não moveu um processo contra mim. Por que ela não moveu? Porque o intuito dela é conseguir o que ela queria, que é dinheiro”, afirmou o médico.

Rogério Cardoso de Matos Filho | Foto: Redes Sociais

Ele sustenta que Jéssika possui um histórico médico complexo que explica suas complicações. “A Jéssica é uma paciente bariátrica e eu a acompanho há muito tempo… ela evoluiu com uma doença hematológica, a pessoa nasce com ela”. Ele citou especificamente a Doença de Von Willebrand e suspeita de lúpus.

Além disso, Cardoso atribui os sintomas à Síndrome ASIA, relacionada a implantes de silicone. “Dois reumatologistas deram um diagnóstico para ela de doença de síndrome de ásia. Ele argumenta: “Se fosse o PMMA… ela já não estaria melhor após a retirada que ela fez? Ela não teria melhorado? Não melhorou, porque o problema dela é a prótese mamária”.

Sobre as acusações de aplicação excessiva e em áreas não autorizadas, o médico afirma que “saiu uma matéria falando que eu coloquei três quilos de produto. Não existe isso, eu não consigo usar isso nem um ano… A PMMA foi acordado que seria o quadril e o bumbum… Nas coxas foi solicitação dela para estímulo de colágeno… Apenas no subcutâneo”. Ele nega que tenha aplicado PMMA puro nas coxas, referindo-se ao uso como bioestimulador diluído.

Quanto à aplicação de corticoides, confirmou uma única injeção. “Foi feita uma única aplicação, que qualquer pessoa faz… pra dor num dia que ela tava numa consulta aleatória aqui… É outra mentira isso de ter sido uma dose alta”. Ele também destacou que Jéssika voltou a ser sua paciente após o procedimento com PMMA. “Ela voltou aqui várias vezes depois do PMMA, ela fez várias vezes implante hormonal e harmonização facial comigo”.

Por fim, o médico reiterou a tese de que se trata de uma tentativa de obtenção de vantagem financeira. “Ela me fez um pedido de 600 mil reais, que envolvia até tratamento dentário. Então, assim, o intuito dela é extorsão e denegrir a minha imagem”.

Confronto de narrativas e os próximos capítulos 

Enquanto o Dr. Rogério Cardoso mantém sua prática e presença nas redes sociais, o que é criticado por Jéssika: “ele continua exibindo as bundas que ele tem feito com o PMMA, arriscando ainda mais as pacientes”, a advogada se prepara para a próxima etapa de seu tratamento e para as batalhas jurídicas.

Ela rebate as acusações de extorsão e afirma que “ele veio dizer ao público que eu estava tentando extorquir, eu nunca fiz isso… eu quero que ele prove”.

Sobre a Síndrome ASIA relacionada ao silicone, Jéssika destaca a incoerência dos fatos: “Eu tenho silicone há 14 anos, eu nunca senti nada disso. Os sintomas apareceram após a aplicação do PMMA”. Ela detalha que, durante a cirurgia de retirada do PMMA, o silicone mamário foi inspecionado e não apresentou sinais de inflamação ou infecção.

A advogada também comenta o bloqueio nas redes sociais: “Ele me bloqueou em todos às redes e no telefone, eu estou bloqueada em tudo… Desde que eu fiz a cirurgia, que eu tentei falar com ele, e ele disse que foi a pior escolha da minha vida. Mas na verdade, foi a melhor escolha pra mim, porque eu vivia sofrendo”.

Com um inquérito policial em fase final, a expectativa é de que os prontuários médicos das mais de 30 internações sejam juntados ao processo em breve. A Polícia Técnico-Científica, que analisou o material removido, confirmou a presença de PMMA e uma intensa reação inflamatória.

A substância, vale ressaltar, tem seu uso restrito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em procedimentos estéticos devido aos riscos de complicações graves, como embolia, infecções, necrose e reações inflamatórias sistêmicas.

Para Jéssika Paula dos Santos, mais do que uma reparação, a luta ganhou um sentido de alerta. “Porque quantas vítimas, em silêncio, que confiam nele e acreditam que isso não é o problema… e eu jamais imaginei que aquela quantidade seria proibida, que causaria essas reações, que eu ia colocar a minha vida em risco. Jamais”.

Enquanto aguarda a próxima cirurgia, marcada para o primeiro semestre de 2026, ela reitera: “Eu renasci após apenas o início das retiradas do PMMA. Mas ainda preciso da minha saúde de volta”. 

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