Um estudo conduzido por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) identificou uma associação entre o consumo elevado de adoçantes artificiais e sinais de envelhecimento cerebral. A pesquisa, publicada na revista científica Neurology, analisou dados de 12.772 pessoas, com idades entre 35 e 74 anos, acompanhadas por cerca de oito anos em seis cidades brasileiras.

Os resultados mostram que participantes com maior ingestão de adoçantes artificiais apresentaram pior desempenho em testes de memória e raciocínio lógico, quando comparados aos que relataram consumo mais baixo. Exames de ressonância magnética e avaliações neurocognitivas indicaram mudanças sutis, porém relevantes, na agilidade mental, com um padrão equivalente, em média, a dois anos adicionais de envelhecimento cerebral, mesmo após ajustes para fatores como idade, sexo, alimentação e nível de atividade física.

Os adoçantes artificiais, como sacarina, aspartame e sucralose, são amplamente utilizados como substitutos do açúcar em bebidas e alimentos, especialmente por pessoas que buscam reduzir calorias ou controlar o nível de glicose. Ao serem ingeridas, essas substâncias ativam receptores gustativos, mas não promovem os mesmos efeitos metabólicos do açúcar, podendo influenciar processos biológicos relacionados ao cérebro.

Avaliação nutricional do estudo

Para a nutricionista Janaína Macedo, o levantamento funciona como um sinal de alerta, sobretudo para grupos que fazem uso rotineiro desses produtos. Ela destaca que, embora o estudo seja observacional, os dados reforçam a importância do acompanhamento profissional.

“Os resultados indicam uma associação entre consumo elevado de adoçantes e declínio cognitivo, especialmente em pessoas acima de 35 anos, diabéticos e pré-diabéticos. Isso evidencia a necessidade de orientação nutricional individualizada, sem focar apenas em um ingrediente isolado”, afirma a profissional em entrevista ao Jornal Opção.

Segundo a especialista, o consumo excessivo ocorre quando o adoçante passa a fazer parte de praticamente todas as refeições e bebidas do dia a dia. “Na prática clínica, o excesso aparece quando o paciente usa adoçante em tudo ou consome bebidas zero diariamente. Em alguns casos, o consumo ultrapassa de 10 a 20 sachês por dia, o que exige intervenção”, explica.

A nutricionista ressalta que a substituição do açúcar pelo adoçante não deve ser automática. “O objetivo do tratamento não é trocar o açúcar pelo adoçante indefinidamente, mas reduzir a dependência do sabor doce e reeducar o paladar, priorizando alimentos naturais e menos processados”, diz. Ela acrescenta que até adoçantes considerados mais naturais, como estévia e xilitol, devem ser utilizados com moderação.

Impactos neurológicos e envelhecimento cerebral

Do ponto de vista neurológico, Lorena Bochenek explica que os efeitos descritos no estudo atingem áreas específicas do cérebro. “As funções mais sensíveis são memória, atenção e velocidade de processamento, ligadas ao hipocampo e às conexões frontais. Essas regiões respondem rapidamente a alterações metabólicas e inflamatórias, o que ajuda a explicar a associação observada”, detalha a neurologista.

A médica esclarece o significado do envelhecimento cerebral equivalente a dois anos. “Na prática, isso representa um cérebro um pouco menos eficiente, com leve lentificação, menor agilidade mental e falhas pontuais de memória. Não é um quadro grave isoladamente, mas é um alerta quando se pensa nos efeitos cumulativos ao longo da vida”, afirma.

Segundo a neurologista, uma das principais hipóteses para explicar o fenômeno está na relação entre intestino e cérebro. “Adoçantes artificiais podem interferir no eixo intestino-cérebro, alterando a microbiota, a resposta inflamatória e os mecanismos de regulação de saciedade e recompensa. Mesmo sem calorias, isso pode impactar as funções cognitivas”, explica.

Ela acrescenta que os efeitos podem ser, ao menos em parte, reversíveis. “O cérebro responde bem quando fatores estressores são reduzidos. A diminuição do consumo de ultraprocessados, incluindo adoçantes, costuma trazer melhora no foco, na memória e na energia mental”, pontua.

Grupos de risco e orientações gerais

Ambas as especialistas ressaltam que grupos como diabéticos, idosos e pessoas com doenças neurológicas merecem atenção especial. “Não se trata de proibir o uso de adoçantes, mas de adotar um consumo inteligente, monitorado e orientado”, diz Bochenek.

O estudo não identificou diferenças significativas entre os tipos de adoçantes utilizados, sugerindo que o principal fator de risco está na frequência e na quantidade consumida, e não na substância específica. Diante dos resultados, pesquisadores e profissionais de saúde reforçam a importância da moderação, da alimentação equilibrada e do acompanhamento nutricional e médico, especialmente a partir dos 35 anos.

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