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A Universidade Federal de Goiás (UFG) conta hoje com uma professora que tem inovado o ensino de Jornalismo ao integrar dados, tecnologia e justiça racial. Fruto das cotas, Mariza Fernandes é a protagonista dessa nova realidade, que por meio da pesquisa e da extensão tem ajudado futuros jornalistas no enfrentamento à desinformação. Além do mais, tem inspirando alunos negros na ocupação de espaços tanto no mercado comunicacional, quanto na pesquisa acadêmica.

Voltando um pouco no tempo, ao ano de 2008: quando Mariza Fernandes ingressou no curso de Jornalismo da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) pelo programa UFG Inclui. Além do desafio de se preparar para o vestibular, a jovem teve que lidar com manifestações contrárias às cotas para pessoas negras. Vinda de escola pública desde o ensino básico, percebia nitidamente a diferença da formação que tinha em relação aos colegas de escolas particulares.

“Não tinha como concorrer. Eu entendo que o UFG Inclui teve um impacto grande, porque permitiu que eu concorresse somente com pessoas que tiveram minimamente as mesmas condições de preparo que eu, ou seja, outras pessoas negras que também estudaram em escola pública”, explica Mariza Fernandes.

Professora da FIC Mariza Fernandes | Foto: Arquivo Pessoal

Logo nas primeiras aulas sentiu as diferenças. Eram poucos alunos negros no curso de Jornalismo e, durante as aulas, as lacunas da formação que teve em relação aos colegas eram ‘gritantes’. A sorte, segundo ela, foi ter tido a professora Luciene Dias como uma representação.  “Inclusive foi quem me orientou no meu trabalho de conclusão de curso sobre as ações afirmativas. Foi muito importante ter uma professora negra e ela me inspirou, inclusive, para ser a professora que eu sou hoje”, diz emocionada.

Com mestrado e doutorado em Geografia no Instituto de Estudos Socioambientais da UFG, Mariza foi empossada em 2023 como professora na mesma FIC que se formou. Mariza diz que sem dúvida algumas ações afirmativas foram extremamente importantes. “Basta a gente observar o impacto que as cotas tiveram na universidade. É um aumento de mais de 500% de 2014 até agora, de presença de pessoas negras”, destaca.

Para a professora da FIC, é perceptível uma maior presença tanto de estudantes, quanto de professores na universidade. Na visão de Mariza é preciso atuar na inclusão para garantir que a política seja efetiva. Ativista, criou em 2024 o projeto de extensão OJU – que em yorubá significa olho. O objetivo é resgatar o papel do Jornalismo como vigilante do Estado, das instituições e do que ocorre na sociedade.

“As políticas públicas voltadas para a inclusão têm se tornado um maior número dentro das instituições. Claro que elas não são suficientes para resolver todos os problemas de falta de inclusão, porque, infelizmente, o racismo ainda ocorre dentro das instituições como uma barreira para que essas políticas funcionem. Mas são avanços importantes, sem dúvida”, finaliza.

UFG Inclui

A professora negra que inspirou Mariza Fernandes entrou para a UFG um ano após a criação do UFG Inclui. O programa de ação afirmativa prevê vagas extras no seu sistema seletivo para quilombolas, indígenas e pretos de escola pública. Luciene Dias explica que essa cota social com destaque para a negritude tem alterado de maneira substancial a própria universidade. “Eu fui a primeira coordenadora de ações afirmativas da UFG, que era uma coordenadoria diretamente vinculada ao gabinete da reitoria”, explica.

Foto: Arquivo Pessoal
1ª professora negra da FIC/UFG, Luciene Dias | Foto: Arquivo Pessoal

Das lembranças inesquecíveis desse período, relata a aula inaugural com a primeira reitora negra do Brasil, a professora Nilma Lino Gomes. “Ela veio para a Goiânia para fazer uma aula inaugural tratando exatamente desse processo de construção de uma sociedade antirracista”.

“De lá para cá, melhorou muito. Hoje, a CAF, que é a Coordenadoria de Ações Afirmativas, está vinculada a uma secretaria, que é a Secretaria de Inclusão, que é uma secretaria também diretamente ligada à reitoria. É uma secretaria que pensa a inclusão em toda a universidade”, contextualiza Luciene Dias.

Uma indagação que Luciene faz é, justamente, o fato dela ter sido a primeira professora negra no curso de Jornalismo da UFG – isso, em 2009. “Antes de mim, outras pessoas negras não foram suficientemente competentes para ocupar esse lugar? Ou o próprio curso opera as suas decisões a partir de uma lógica racista e isso impediu pessoas negras de ocuparem esse lugar?”

Para a pesquisadora, falta muito ainda, justamente, porque a universidade é reflexo da sociedade. “Então, a UFG, como todas as instituições de ensino desse país, é uma instituição que se pauta pelo racismo. É uma instituição, que toma decisões a partir de um imaginário racista, a partir de uma percepção racista. E nós temos provas disso”!

Segundo os dados do sistema Analisa UFG, quase 16 mil estudantes entraram na UFG pelo sistema de cotas. Deste total, 2.949 já se formaram. O presidente da Comissão de Heteroidentificação (SIN/UFG), Igor Oliveira, explica que existem vários programas de permanência da UFG, dentre elas cabe destacar as bolsas PIBIC.

Igor Oliveira é presidente da Comissão de Heteroidentificação (SIN/UFG) | Foto: Arquivo Pessoal

“A UFG oferece aos discentes negros (pretos e pardos) a possibilidade de concorrerem às bolsas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) nas ações afirmativas”, explica.

Ainda de acordo com Igor Oliveira, a Pró-Reitoria de Graduação disponibiliza vagas reservadas para pessoas negras em seus editais de seleção de estudantes para a realização de estágio não obrigatório nas diversas áreas da instituição.

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