“Acesso a arma é questão de educação”, diz pai de jovem morto em atentado
21 outubro 2017 às 14h34

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Pai de João Pedro diz que o não é o caso “deixar de apoiar liberação de armas” e que perdoa estudante atirador
“Tudo culpa do cecê”. Depois de revelar o apelido do adolescente que atirou 11 vezes, acertou seis e matou dois colegas do 8° ano no Colégio Goyases, uma das sobreviventes se arrependeu de dizê-lo à mãe, ao perceber que o repórter escutava o diálogo no saguão do Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO), na noite da sexta-feira (20/10).
“Moço, não coloca isso, tá vendo nos jornais? A gente tá saindo como culpado de tudo”, se defendeu. É que a menina, que assumiu que “de vez em quando um brincava com outro na sala, menos com o J. porque ele dizia que ia matar a gente, por isso era raro a gente brincar com ele”.
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Amiga dos estudantes internados no HUGO, a menina era exceção do restante da turma que não foi ao hospital, porque continuam muitos abalados. Alguns familiares permaneciam, alheios à imprensa que se aglomerava em frente à unidade para transmitir ao vivo detalhes do que aconteceu a partir das 11h40, no terceiro andar do Colégio Goyases, sentados, em oração.
Durante o dia da tragédia que comoveu o Brasil, a reportagem permaneceu na rua Planalto, onde fica a escola, percorreu os hospitais em que os quatro adolescentes permanecem internados, na delegacia para onde o atirador foi apreendido e no Instituto Médico Legal (IML), onde familiares cumpriam o precoce rito para sepultarem João Vitor Gomes, e João Pedro Calembo. Ambos de 13 anos.
Para o Jornal Opção, o publicitário Leonardo Marcatti Calembo, pai de João Pedro, 13, que se sentava atrás do menino que se converteria em atirador na última aula de Ciências, antes da Mostra Científica que aconteceria neste sábado (21/10), contou os últimos momentos com o filho.
Com o atestado de óbito de João Pedro, o pai relembrou o último beijo que o filho o mandou ao descer do carro, acompanhado de seus dois irmãos menores, Gustavo, de 8, e Davi, de 6. “Eu levava e buscava meus filhos. Era um cuidado muito grande”, lembra.
“Acordei e fiz um carinho no meu filho. Antes de descer do carro eu disse que o amava. Meu filho era voluntário na igreja, lia a Bíblia, gostava de escutar hinos, cantava. Muito participante na igreja. E isso nos ajuda a superar”, diz ele, presbítero da igreja Batista Renascer.
Ele conta que, por morar perto da escola, escutou o barulho do helicóptero da polícia. Em seguida, a mãe de João Pedro recebeu uma ligação. “Um aluno tinha levado um tiro. Quando cheguei na escola, não pude mais ver meu filho. Meu João havia morrido”.
João Pedro, que queria ser engenheiro, como contou uma das colegas dele, havia deixado pronto o trabalho que apresentaria da Mostra Científica sobre a mesa. “O grupo do João Pedro fez sobre ilusão de ótica. Ele usou Cds”, lembrou uma aluna, depois de abraçar a única estudante, dos 30 matriculados na turma, que não compareceu no dia do ataque porque acordou atrasada. “Esse horário de verão me salvou. Eu me sentava na mesma fileira do J.”, revelou, antes de um grupo de estudantes não permitir que ela continuasse a falar com a reportagem.
Segundo relatos de vários estudantes, a sala se dividiu em seis grupos pela professora de Ciências ainda em agosto. Naquela que seria a aula que antecederia as apresentações, a professora atendia, na mesa, alunos e tirava dúvidas no momento em que escutou um estampido. Ela perguntou que teria sido aquele barulho, mas a resposta veio com seguidos disparos. Aturdida, a professora empurrou alguns alunos que, em pânico, não sabiam o que fazer.
O autor dos disparos se sentava sempre na penúltima carteira na fila da porta. Antes de abrir fogo contra os colegas com uma .40 que pegou escondido da mãe policial militar do Estado de Goiás (PMGO), em um armário de casa, conseguiu entrar na escola tranquilamente, sem ser incomodado. Assistiu às aulas, percorreu calado o recreio e foi visto conversando normalmente com um dos poucos amigos da turma, João Vitor, próximo à escada, o mesmo que ele mataria a tiros cerca de uma hora depois.
“É balão, é balão”, pensou uma das colegas de turma, que, no momento dos disparos, conversava com a professora sobre como seria a Mostra Científica.
De acordo com relatos dos colegas, João Pedro levou um desodorante ao atirador no dia anterior ao ataque. O delegado titular de Delegacia Estadual de Apuração de Atos Infracionais (Depai), que preside o inquérito do massacre, Luiz Gonzaga, não confirmou o nome, mas informou que o atirador disse que o alvo era um colega que o “amolava”.
O pai de João Pedro, no entanto, discorda. “Meu filho era alegre, bem cuidado, nunca teve inimizade”, contou ao Opção no IML.
“Se tinha acesso a uma arma, era a oportunidade. Ninguém nunca me disse nada sobre os riscos que meu filho corria”, disse uma mãe, de um dos 200 alunos matriculados no Colégio.
“Escutei que ele levava para escola livros satânicos. Tudo bem a religião, mas é um sinal claro de distúrbio. Ele tinha a faca e o queijo para matar”, completou ela, com a filha, do 7° ano, sem a mochila e os cadernos que ficaram na sala. “A gente saiu todo mundo correndo”, sussurrou e foi levada pelas mãos da mãe, quando um grupo de repórteres se aproximava.
“A gente paga caro para que nossos filhos tenham segurança, espero que se apure bem”, disse a mãe de uma das colegas de turma do atirador. A mensalidade para a turma do 8°ano, os pais desembolsavam R$510,00.
O pai de João Pedro, mesmo protagonizando uma tragédia pela facilidade do acesso a uma arma, disse que “acesso à arma é uma questão de educação. Os pais devem ser responsabilizados por isso. Não é o caso de eu deixar de apoiar a liberação das armas. É uma questão de defesa. De qualquer forma, eu perdoo esse menino”, disse, antes de se sentar – ou despencar – numa cadeira da sala de espera do Instituto Médico de Legal e assistir o rosto do filho passando no Jornal Nacional, na reportagem que abriu o telejornal.