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O americano Dan Brown, autor do mundialmente conhecido O Código Da Vinci, livro que não só deu origem a um sucesso de bilheteria no cinema como também despertou a fúria da Igreja Católica, lançou nesta terça-feira, 9, seu mais novo romance de mistério – e o último da saga do personagem Robert Langdon.

Outros dois de seus best-sellers também foram adaptados para as telonas: Anjos e Demônios e Inferno. Agora, Brown retorna com O Segredo Final, uma obra de mais de 800 páginas publicada simultaneamente em 16 idiomas.

O livro marca o retorno do autor oito anos após o lançamento de Origem e, segundo ele próprio, trata-se de “o romance mais ambicioso e com a trama mais intrincada que já escrevi até hoje”.

Esta é a sexta aventura protagonizada por Robert Langdon, professor de simbologia e especialista em símbolos esotéricos. A historia se passa em Praga, e trata-se de um “ensaio explosivo sobre a natureza da consciência humana que poderia transformar séculos de crenças estabelecidas”, conforme antecipou o editor francês JC Lattès.

Veja o trecho inédito do livro O Segredo Final

Robert Langdon sentia o ar gelado e revigorante do inverno enquanto corria na direção sul pela Rua Křižovnická, seus passos compridos deixando um rastro solitário de pegadas na fina camada de neve que cobria a calçada.

A cidade de Praga sempre lhe parecera um lugar encantado, um instante congelado no tempo. Por ter sofrido bem menos estragos do que outras cidades europeias durante a Segunda Guerra Mundial, a capital histórica da Boêmia ostentava prédios estonteantes, ainda cravejada com todas as joias da sua arquitetura original, uma amostra única, variada e intacta de construções romanescas, góticas, barrocas, art nouveau e neoclássicas.

O apelido da cidade – Stověžatá – significava literalmente “dos cem pináculos”, embora na realidade houvesse mais de setecentos pináculos e campanários em Praga. No verão, de vez em quando a cidade as iluminava com um mar de holofotes verdes; diziam que o efeito espantoso tinha servido de inspiração a Hollywood para retratar a Cidade das Esmeraldas de O mágico de Oz, lugar místico que, assim como Praga, era considerado repleto de possibilidades mágicas.

Ao atravessar a esquina da Křižovnická com a Rua Platnéřská, Langdon teve a sensação de estar correndo pelas páginas de um livro de história. À sua esquerda se avultava a fachada colossal do Klementinum, complexo de 2 hectares que abrigava a torre de observação usada pelos astrônomos Tycho Brahe e Johannes Kepler, bem como a lindíssima biblioteca barroca contendo mais de vinte mil volumes de literatura teológica antiga. A biblioteca era o local preferido de Langdon na cidade, quiçá na Europa inteira. Ele e Katherine tinham ido visitar a mais recente exposição no dia anterior.

Ao dobrar à direita na igreja de São Francisco de Assis, ele chegou ao acesso leste de um dos marcos mais famosos da cidade, iluminado pela claridade âmbar dos raros postes de iluminação a gás de Praga. Considerada por muitos a ponte mais romântica do mundo, a Karlův most – a Ponte Carlos – era feita de arenito da Boêmia e margeada de ambos os lados por trinta estátuas de santos cristãos. Com mais de meio quilômetro de extensão por sobre o plácido rio Moldava, protegida de ambos os lados por imensas torres de vigia, a ponte havia sido uma importante rota comercial entre as partes oriental e ocidental da Europa.

Langdon atravessou correndo o arco da torre leste e, ao emergir dele, deparou com um manto de neve imaculada estendido à sua frente. A ponte era só para pedestres, mas naquele horário ainda não havia uma pegada sequer.

Estou sozinho na Ponte Carlos, pensou Langdon. Um momento único na vida.

Certa vez ele havia se pegado igualmente sozinho no Louvre com a Mona Lisa, mas em circunstâncias bem menos agradáveis do que as de agora.

Os passos de Langdon se alargaram conforme ele foi ganhando ritmo, e ao chegar do outro lado do rio ele já corria sem esforço. À sua direita e ao alto, iluminada em meio à linha do horizonte formada pelos prédios escuros, brilhava a joia reluzente mais amada da cidade.

O Castelo de Praga.

Era o maior complexo de castelos do mundo, com mais de meio quilômetro de extensão do portão oeste até a extremidade leste, e ocupava um espaço de mais de 460 mil metros quadrados. Suas muralhas abrigavam seis jardins formais, quatro palácios independentes e quatro igrejas cristãs, entre elas a esplendorosa catedral de São Vito, onde estavam guardadas as joias da coroa da Boêmia, além da coroa de São Venceslau.

Quando passou debaixo da torre oeste da Ponte Carlos, Langdon riu sozinho ao pensar no evento da véspera no Castelo de Praga.

Katherine sabe ser persistente.

– Vamos lá na minha palestra, Robert! – dissera ela ao telefonar duas semanas antes para convencê-lo a ir a Praga. – Vai ser perfeito! Você está no recesso de inverno. É tudo por minha conta.

Langdon refletiu sobre a proposta animadora. Os dois sempre haviam cultivado um respeito mútuo e uma quedinha platônica um pelo outro, e ele se sentira inclinado a mandar a cautela às favas e aceitar a proposta espontânea que ela estava fazendo.

– Fico tentado, Katherine. Praga é um lugar mágico, mas a verdade é que…

– Olha, vou direto ao assunto – disparou ela. – Eu preciso de alguém, tá? Pronto, falei. Preciso de um acompanhante para ir à minha própria palestra.

Langdon deu uma gargalhada.

– Foi por isso que você ligou? Uma cientista de renome mundial precisando de um acompanhante?

– Só de alguém para fazer bonito ao meu lado, Robert. Vai ter um jantar dos patrocinadores com traje a rigor, e depois vou dar uma palestra num salão famoso qualquer… Vlad não sei das quantas.

– No Salão Vladislav? No Castelo de Praga?

– Esse mesmo.

Langdon ficou impressionado. O Ciclo de Palestras da Universidade Carlos era um evento trimestral e um dos encontros mais prestigiosos da Europa, mas pelo visto era mais elegante do que ele havia imaginado.

– Tem certeza de que quer um simbologista como acompanhante num jantar com traje a rigor?

– Eu convidei o George Clooney, mas o smoking dele está na tinturaria.

Langdon deu um grunhido.

– Por acaso todos os cientistas noéticos são insistentes assim?

– Só os melhores. E vou interpretar isso como um sim.

Que diferença fazem duas semanas, ponderou Langdon, ainda sorrindo ao alcançar o outro lado da Ponte Carlos. Praga com certeza tinha feito jus à reputação de cidade mágica, uma catalisadora dotada de poderes ancestrais. Alguma coisa aconteceu aqui.

Langdon jamais esqueceria o primeiro dia com Katherine naquele lugar místico: os dois se perdendo num labirinto de ruas de paralelepípedos; correndo de mãos dadas em meio à chuva com névoa; se abrigando sob um arco do Palácio Kinský, na Praça da Cidade Velha; e, ofegantes, à sombra da Torre do Relógio: o primeiríssimo beijo, que parecera surpreendentemente natural após décadas de amizade.

Quer fosse por causa de Praga, do timing perfeito ou de uma espécie de mão invisível Langdon não fazia ideia, mas uma inesperada alquimia fora despertada entre os dois e ganhava força a cada dia que passava.

***

O Golěm atravessou a neve a passos claudicantes, a barra de sua longa capa preta se arrastando pela neve encardida e meio derretida que cobria a Rua Kaprova. Escondidas por baixo da capa, suas imensas botas de salto plataforma eram tão pesadas que ele mal conseguia levantar as pernas. A grossa camada de barro que cobria sua cabeça estava cada vez mais ressecada no ar frio.

Preciso chegar em casa.

O Éter está se aproximando.

Temendo que o Éter o alcançasse, O Golěm levou a mão ao bolso, pegou o pequeno bastão de metal que sempre levava consigo e o pressionou com força no barro seco no alto da cabeça, fazendo pequenos movimentos circulares.

Ainda não, entoou em silêncio, fechando os olhos.

O Éter se dispersou, pelo menos por ora, e ele guardou o bastão de volta no bolso e seguiu em frente.

Mais alguns quarteirões, e vou poder Liberar.

A Praça da Cidade Velha – conhecida em Praga como Staromák – estava deserta naquela manhã escura, exceto por uma dupla de turistas segurando doces de açúcar queimado e olhando para cima, na direção do famoso relógio medieval. De hora em hora, o mecanismo executava a “Caminhada dos Apóstolos”, uma procissão sincopada de santos que se punham a girar e iam surgindo e desaparecendo por duas janelinhas na frente do relógio.

Andando em círculos sem rumo desde o século XV, pensou O Golěm, e mesmo assim continuam atraindo ovelhas para assistir ao espetáculo.

Quando os dois turistas viram O Golěm passar, deram um arquejo espontâneo e um passo para trás. Ele já estava acostumado a essa reação dos desconhecidos. Ela o fazia lembrar que tinha uma forma física, mesmo ninguém conseguindo ver o que ele era de verdade.

Eu sou O Golěm.

Não pertenço à sua dimensão.

O Golěm às vezes se sentia desancorado, como se pudesse flutuar, por isso gostava de envolver sua casca mortal em túnicas pesadas. O peso da capa e das botas de salto plataforma aumentava a força da gravidade e o segurava no chão. A cabeça coberta de barro e a capa com capuz faziam dele uma estranheza apavorante, mesmo em Praga, onde era comum ver pessoas fantasiadas à noite.

Mas o que fazia do Golěm uma visão realmente singular eram as três letras antigas gravadas em sua testa, entalhadas no barro com uma espátula de pintor.

אמת

As três letras hebraicas – aleph, mem, tav –, lidas da direita para a esquerda, formavam a palavra EMET.

Verdade.

Fora a Verdade que levara O Golěm a Praga. E fora a Verdade que a Dra. Gessner lhe revelara mais cedo naquela noite: uma confissão detalhada das atrocidades que ela e seus colegas haviam cometido nas profundezas da cidade. Seus crimes eram hediondos, mas nem se comparavam ao que estava planejado para o futuro próximo.

Eu vou acabar com tudo, disse ele para si mesmo. Reduzir tudo a ruínas.

O Golěm visualizou a sombria criação do grupo destruída, um buraco fumegante na terra. Embora a tarefa fosse árdua, ele estava confiante de que conseguiria executá-la. A Dra. Gessner havia lhe revelado tudo que ele precisava saber.

Preciso agir depressa. A janela de oportunidade é pequena, disse ele a si mesmo, com o plano começando a se cristalizar em sua mente.

O Golěm seguiu na direção sudeste, afastando-se da praça, e encontrou a viela que ia dar no edifício onde morava. O bairro da Cidade Velha era um labirinto de vias estreitas conhecidas por uma vida noturna vibrante e pelos pubs típicos: o Café Literário Týnská para escritores e intelectuais, o Anonymous Bar para os hackers e amantes de intrigas, e o Hemingway Bar para os sofisticados e apreciadores de drinques. Fora o Museu de Máquinas Sexuais, que ficava aberto até tarde e atraía multidões de curiosos a qualquer hora.

Enquanto serpeava pelo labirinto de ruelas, O Golěm se pegou pensando não nos horrores que acabara de infligir à Dra. Brigita Gessner, tampouco nas chocantes informações que conseguira extrair da mulher, e sim nela.

Estava sempre pensando nela.

Eu sou o protetor dela.

Ela e eu somos duas partículas emaranhadas, entrelaçadas para sempre.

Seu único objetivo no mundo era protegê-la, e apesar disso ela desconhecia sua existência. Mesmo assim, o tempo que ele passara servindo a ela tinha sido uma honra. Suportar os fardos de outro ser é a mais nobre das vocações, mas fazer isso de forma anônima, sem qualquer reconhecimento… isso sim é um verdadeiro ato de amor altruísta.

Os anjos da guarda assumem muitas formas.

Ela era uma pessoa que confiava nos outros e que sem querer se viu envolvida num mundo de ciência sombria. Não tinha visto os tubarões nadando a seu redor. Naquela noite, O Golěm tinha matado um desses tubarões, mas agora havia sangue na água. Forças poderosas subiriam à superfície para descobrir o que tinha acontecido, para proteger o segredo que haviam criado.

Vocês vão chegar tarde, pensou.

O circo dos horrores subterrâneo estava prestes a ruir sob o peso do próprio pecado, vítima da própria engenhosidade.

Enquanto caminhava pelas ruas nevadas, O Golěm sentiu o Éter voltar a ficar mais denso a seu redor. Mais uma vez esfregou o bastão de metal na cabeça.

Em breve, prometeu.