A vida em movimento: como viajar de trailer e motorhome virou estilo de vida em Goiás

25 julho 2025 às 15h51

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Viajar a bordo de trailers, motorhomes ou carros adaptados tem se tornado uma tendência crescente no Brasil, especialmente entre os goianos. Impulsionado durante a pandemia da Covid-19, esse estilo de vida combina liberdade, conforto e autonomia, permitindo que os viajantes explorem novos destinos com a sensação de estar em casa.
A prática, conhecida como caravanismo, atrai cada vez mais adeptos interessados em experiências personalizadas, com a possibilidade de cozinhar, dormir e viver dentro do próprio veículo. “É uma forma de unir aventura, economia e liberdade, aproveitando o trajeto tanto quanto o destino”, dizem os entusiastas do segmento.

No entanto, apesar da popularidade crescente, os próprios caravanistas apontam um obstáculo comum: a falta de estrutura adequada. Segundo relatos, muitas cidades brasileiras oferecem apenas locais para estacionar, mas sem infraestrutura básica como fornecimento de água, energia elétrica, banheiros ou pontos de descarte de resíduos.
Em Goiás, a situação não é diferente. A reportagem encontrou em Aparecida de Goiânia a Chácara Girassol, um espaço privado que oferece toda a estrutura necessária para quem viaja sobre rodas. No entanto, iniciativas públicas nesse sentido ainda são inexistentes, o que limita a expansão do turismo rodoviário no estado.
O Jornal Opção ouviu viajantes que relataram suas experiências em viagens dentro e fora do país.
Casal adapta carro para viajar pelo Brasil e América do Sul
Ádria Assunção Santos de Paula, psicóloga e professora universitária do Instituto Federal Goiano (IFG), de 56 anos, e seu marido, Wolney de Paula Faria, 62, aposentado, descobriram o prazer de viajar em veículos adaptados durante a pandemia. “Na pandemia a gente começou a assistir vídeos de nômades digitais, viajantes. Meu cunhado tem um motorhome e já fez viagens pelo Brasil e pela América do Sul. Isso nos inspirou a pensar na possibilidade de fazer algumas viagens,” conta Ádria.

Sem condições de comprar um motorhome e com o trabalho fixo de Ádria, que limita viagens às férias, o casal optou por adaptar um carro para viagens mais longas. “Compramos uma Duster e adaptamos, tirando o banco de trás e construindo um móvel que vira cama, com espaço para guardar roupas, utensílios, alimentos e até um banheiro químico portátil,” explica.
A primeira viagem longa do casal durou 33 dias e ocorreu em março deste ano. Eles saíram de Goiânia, passaram por São Paulo, e seguiram até a Argentina, cruzando pela fronteira em Uruguaiana, percorrendo a Rota 40 até Ushuaia. “Foi uma viagem maravilhosa, com muita liberdade para escolher onde parar e ficar mais tempo. A Argentina tem uma ótima estrutura para viajantes, com postos de gasolina que oferecem banho, alimentação e segurança,” relata Ádria.

Apesar do frio, que os fez dormir seis noites em Airbnb, a maior parte do tempo o casal dormiu no carro, cozinhando e se sentindo confortável. “Fizemos uma preparação térmica, e a viagem foi muito segura, sem problemas mecânicos. Também recebemos muita ajuda dos viajantes e da polícia rodoviária argentina, que foi muito solícita.”
No Brasil, eles já fizeram viagens curtas para Pirenópolis e Caldas Novas, mas planejam ampliar o roteiro. “Nossa próxima viagem deve ser na Chapada dos Veadeiros, e em janeiro pretendemos ir ao Nordeste. Em julho de 2026, queremos voltar à Argentina,” adianta Ádria.
Sobre as vantagens desse tipo de viagem, ela destaca: “A maior qualidade é a autonomia, a liberdade e a economia. Você pode controlar os gastos, mudar o roteiro conforme o desejo, conhecer lugares não turísticos e viver a experiência local, conversando com as pessoas.”

Quanto à alimentação, o casal equilibra entre cozinhar no carro e conhecer a gastronomia local. “A gente gosta de conhecer a cultura pela comida, faz o café da manhã no carro com alimentos locais, mas também visita restaurantes, comida de rua e feiras,” conta.
Para quem pensa em viajar assim, Ádria recomenda: “Recomendo muito. Para quem gosta de aventura, esse estilo oferece conforto, autonomia e segurança. Dá liberdade para alterar o roteiro sem depender de estruturas prévias. O motorhome tem mais vantagens, mas nosso estilo, que chamamos de ‘Duster Home’, tem nos atendido bem.”
Viajar sobre rodas me deu liberdade de viver e empreender ao mesmo tempo
Aos 34 anos, o goianiense Raphael Leão escolheu um estilo de vida que une liberdade, aventura e empreendedorismo. Publicitário por formação, ele é fundador de uma startup de design por assinatura que atende médias e grandes empresas. O trabalho 100% digital lhe permitiu transformar o mundo em escritório e adotar uma rotina de viagens pelo Brasil e América do Sul a bordo de veículos adaptados.

“O mais interessante, pelo menos do meu ponto de vista, é o fato de eu conseguir viajar e empreender ao mesmo tempo”, afirma. “Desde que criei a empresa, há quase dez anos, nunca tive necessidade de ter um escritório físico. Sempre trabalhei de casa e essa liberdade me fez querer estar em movimento.”
A paixão pelas estradas começou há uma década, quando ele reformou uma Kombi ano 2000 e a transformou em um motorhome completo: cozinha, banheiro, cama, guarda-roupa e até máquina de lavar. “Eu gosto do estilo ‘faça você mesmo’. Eu mesmo projetei e construí toda a parte hidráulica, elétrica e marcenaria com base em vídeos do YouTube. Cada parafuso da Kombi eu sabia onde estava”, conta.

Após dois anos na estrada com a Kombi, Raphael adquiriu uma van e seguiu viagem por mais dois anos. Atualmente, viaja em um carro adaptado e tem planos de montar um novo motorhome, agora no modelo camper, acoplado a uma caminhonete. Enquanto roda pelo país com seu cachorro, ele aluga sua casa em Goiânia pelo Airbnb, e usa o valor arrecadado para se hospedar em diferentes lugares. “Isso faz parte do conceito de nômade digital: posso trabalhar de qualquer lugar e ainda manter minha casa gerando renda.”
Raphael já percorreu quase todo o litoral brasileiro, de Santa Catarina ao Rio Grande do Norte, e países da América do Sul. “Fui até Ushuaia, na Argentina, próximo da Antártica. Atravessei a Cordilheira dos Andes até o Chile, conheci o deserto do Atacama e voltei pelo Paraguai e Foz do Iguaçu.” Entre os destinos mais marcantes, ele destaca Florianópolis (SC), Angra dos Reis (RJ), Maragogi (AL) e Morro de São Paulo (BA). No exterior, a travessia pela neve e as paisagens geladas da Patagônia o impactaram profundamente.
Mas as experiências mais surpreendentes não foram apenas visuais. “Quando comecei, achava que o melhor seriam os lugares, mas descobri que as pessoas fazem toda a diferença. O Brasil é mais seguro do que imaginam e as pessoas são muito mais solidárias. Já dormi em praças, praias, postos, e sempre tive apoio quando precisei.”

Mesmo enfrentando desafios como falhas mecânicas ou dirigir sob gelo, Raphael acredita que os riscos na estrada não superam os das cidades grandes. “A gente está muito mais sujeito a acontecimentos ruins morando em uma capital do que viajando por lugares tranquilos.”
Seu próximo destino? O Norte do Brasil. “Quero conhecer o Maranhão, Pará, Alter do Chão e os Lençóis Maranhenses. Já estou me organizando para montar a camper na caminhonete e encarar essa nova fase.”
Para quem sonha com uma vida semelhante, Raphael deixa um recado: “Nada disso seria possível sem planejamento. As pessoas limitam seus sonhos com medo. Dá trabalho, você vai ficar com medo, vai passar dificuldade, mas precisa levantar-se cedo e fazer acontecer. Depois que você experimenta essa liberdade, é difícil voltar atrás.”
Casal de Goiânia vive a aventura sob casinha de rodas
Grazielle Paiva Teixeira, 53 anos, e o esposo Luiz Luiz Pacheco, 77, moram em Goiânia e decidiram trocar a rotina pela vida sobre rodas a bordo de um trailer. Advogada e ex-servidora pública, Grazielle deixou o serviço público para ter mais qualidade de vida e gerência a clínica de ultrassom da família. junto com o marido, que é médico.

“A ideia nasceu na pandemia, quando meu marido ficou ocioso e começamos a assistir muitos vídeos sobre viagens em trailers. Queríamos conforto e facilidade para viajar, então optamos por um trailer maior e mais confortável”, contou Grazielle.
A primeira viagem do casal foi para Alter do Chão, no Pará. “Foi uma experiência maravilhosa, apesar de termos pouco conhecimento da estrutura do trailer na época. O rio lá parece mar, não tem mosquito, a areia é branquinha e a comida é ótima. As pessoas são muito acolhedoras”, disse. Eles também navegaram pelo rio Amazonas, visitaram Marajó e seguiram para Belém.

Depois, partiram para uma expedição de 93 dias pela Argentina, Chile e Uruguai, chamada “100 dias com S”. “Descemos a Rota 40, visitamos Florianópolis, onde temos uma neta, e seguimos até o sul do continente.”
Grazielle destaca que o turismo em trailer ainda enfrenta desafios: “Falta estrutura para caravanistas no Brasil, especialmente para equipamentos maiores como o nosso, que tem 13 metros. A infraestrutura em campings é precária e o brasileiro ainda não abraçou totalmente esse tipo de viagem.”
Em janeiro, o casal fez uma viagem pelo Nordeste, passando pela Serra da Capivara, Rio Grande do Norte, Maceió e Sergipe, onde ficaram 42 dias. “A Serra da Capivara é um lugar maravilhoso, com história viva e um museu incrível.”
Sobre os desafios da vida em trailer, Grazielle comenta: “Tem perrengue, claro. A convivência em um espaço pequeno exige paciência e discernimento. Mas com planejamento, tecnologia e bom equipamento, é possível viajar com conforto e segurança.”

Ela ressalta ainda que o campismo é uma escolha de estilo de vida: “Estou dentro da minha casa, com meu colchão, meu banheiro e minha comida. Viajar é muito melhor do que voltar para casa. A gente escolhe esse modo de vida porque gosta da aventura e da liberdade.”
O casal pretende continuar viajando e já planeja novas rotas. Grazielle conclui: “O diesel é caro, as estradas ruins, mas o espírito aventureiro compensa tudo. Viajar em trailer é uma experiência única que recomendamos para quem busca qualidade de vida e contato com a natureza.”
Caravanismo ressurgiu com força
O empresário Geraldo Bernardo de Aquino, de 63 anos, transformou um antigo sonho de estrada em um negócio promissor. Proprietário da Goiás Trailer, localizada no Jardim Helvécia, em Aparecida de Goiânia, ele viu no caravanismo não apenas um estilo de vida, mas também uma oportunidade comercial em expansão.

“Eu sou campista raiz, acampava de barraca, fui escoteiro por 15 anos”, lembra Geraldo. “A ideia da loja surgiu durante uma viagem com minha companheira. Paramos o carro atrás de um motorhome na estrada e eu disse: ‘Esse é meu sonho’. Ela comprou a ideia na hora.”
Em 2017, o casal alugou um motorhome em São Paulo e percorreu a região dos vinhedos no Sul do país. No ano seguinte, renovaram a locação e seguiram até o Uruguai e Buenos Aires. “Eu adoro dirigir. Sou piolho de estrada. Aquilo mexeu comigo.”
A experiência pessoal inspirou a abertura da loja. Após comprar um trailer em São Paulo, Geraldo recebeu um convite inesperado do diretor da empresa fabricante. “Ele comentou que queria abrir uma loja em Goiânia ou Brasília. Eu perguntei o que precisava e disse: ‘Aperta minha mão’. Em 90 dias vendemos o primeiro, depois o segundo. A loja foi um sucesso.”

A pandemia impulsionou ainda mais o setor. “Chegamos a ter fila de espera de mais de 40 trailers. As pessoas buscavam uma forma segura e autônoma de viajar. A liberdade de estar na estrada virou uma necessidade.”
Geraldo acredita que o estilo de vida associado ao caravanismo ganhou força após a crise pandêmica. “As pessoas querem ter sua própria casinha sobre rodas. Ir para um lago, visitar cidades históricas, assistir a shows e dormir com segurança no próprio trailer.”
Segundo Geraldo Aquino, o perfil dos compradores é variado, mas majoritariamente composto por pessoas a partir dos 35 anos. “É um público mais resolvido financeiramente. Mas não se trata só de dinheiro. Conheço quem não tem nem casa, mas tem um trailer. Mora nele. É um estilo de vida.”

Estrutura ainda é desafio
Geraldo relata que, ao visitar campings, percebeu a ausência de infraestrutura básica. “Não tinha tomada, ponto de água, chuveiro decente. Então comecei a orientar e a divulgar a loja pessoalmente. Muita gente que conheci nos campings veio comprar com a gente.”
Além de atuar no comércio de veículos, ele também é representante da Associação Nacional de Campistas (Anacamp) em Goiás. “Trabalhamos para criar pontos de apoio para os viajantes, como estacionamentos, postos de gasolina e hotéis. O caravanismo sempre existiu, mas estava adormecido. Agora ressuscitou.”
Apesar do crescimento, Geraldo Aquino aponta a ausência de políticas públicas voltadas ao setor. “Falta apoio do poder público. Em Goiás Velho, Pirenópolis e até em Goiânia, não há estrutura para receber motorhomes. Falta sinalização, orientação, local para parar e manobrar. Goiânia não tem sequer um ponto para turista de trailer estacionar”.

Mercado reaquece com mudança na legislação
Outro fator que contribuiu para a expansão do caravanismo foi a alteração na legislação de trânsito. “Durante anos, só podia dirigir trailer com carteira C. Isso destruiu o mercado. As indústrias fecharam. Mas em 2011, voltou a valer a categoria B para veículos de até 6 mil kg. Isso salvou o setor”.
Hoje, a Goiás Trailer comercializa principalmente trailers importados. “Eles são mais tecnológicos e, apesar de parecerem mais caros, no fim das contas acabam sendo mais vantajosos. O nacional ainda está correndo atrás em termos de qualidade.”
Sobre a diferença entre trailer e motorhome, ele explica: “O motorhome é um veículo com motor, você monta tudo dentro dele. Já o trailer é um reboque, mais barato, não tem IPVA e praticamente não exige manutenção. A diferença de custo pode chegar a 80%.”
Aventura sobre rodas
Apaixonado por viagens, Geraldo Aquino já cruzou o Brasil a bordo de seu trailer. “Ano passado, escolhi ir ao Tocantins enquanto outros amigos foram para o Nordeste. Foi incrível. Conheci lugares que nem os moradores sabiam que existiam. O turismo em Goiás e no Tocantins é riquíssimo, mas o goiano precisa descobrir isso”.

Para ele, o caravanismo é mais que um mercado, é um movimento cultural em expansão. “O jovem está começando a aderir, principalmente com as barracas de teto. Já existe um público mais aventureiro e outro mais confortável. A oferta de equipamentos aumentou. O importante é que a liberdade está ao alcance de quem ama a estrada.”
Chácara em Aparecida de Goiânia vira ponto de apoio para caravanistas
Localizada no Bairro Cardoso II, em Aparecida de Goiânia, a Chácara Girassol se transformou em um espaço de acolhimento para viajantes em motorhomes, trailers e campistas. A iniciativa partiu da engenheira civil Tania Franco e de seu esposo Ronilson Silva de Sousa, técnico agrícola aposentado e engenheiro ambiental, proprietários do local, que viu na estrutura da própria residência uma oportunidade de negócio e de troca cultural.

“Quando ficou só eu, meu marido e meu neto aqui, a casa ficou grande demais. Eu pensei: vamos dar um destino para essa área”, conta Tania. Antes de apostar no turismo sobre rodas, ela tentou utilizar o espaço para outros fins. “Dei cursos de agrofloresta, combate à erosão, fiz parceria com o Sebrae, cedia a área e eles enviavam os instrutores. A gente chegou a recuperar o espaço, ganhou mudas, trocamos muita coisa”, relembra.
A virada veio com a influência do filho, que mora nos Estados Unidos. “Lá é muito comum ter esses locais de apoio a caravanistas. Ele foi meu maior incentivador. Um dia, um amigo do meu sobrinho passaram por aqui com um motorhome e perguntou: ‘Dindinha, você quer mesmo mexer com isso?’. Eu disse que sim, e ele trouxe um casal para se hospedar. Eles nos cadastraram no Overlander, um site internacional de viagens de aventura. Foi por cima, eu nem sabia direito como funcionava”, relata.

Desde então, a Chácara Girassol passou a receber visitantes semanalmente. “Já são quatro anos recebendo esse pessoal. Toda semana temos pelo menos cinco hóspedes. Além da renda, escuto muitas histórias lindas. Já hospedamos gente da África e do Canadá. É uma troca cultural maravilhosa.”
A estrutura do local conta com piscina aquecida, aparelhos de ginástica, cozinha equipada com fogão a gás, churrasqueira, geladeira, banheiros, chuveiros com água quente e duchas frias. Também há pontos de energia, água e descarte específicos para motorhomes.
As diárias variam de acordo com o tipo de uso. “A média é R$ 40 por pessoa por dia. Se vêm duas pessoas num motorhome, pagam R$ 80 e não cobramos pelo veículo. Agora, se a pessoa só deixa o carro estacionado, cobramos R$ 15 por dia”, explica Tania.

No início, a ideia gerou desconfiança. “Muita gente achou que a gente estava ficando louco. Diziam: ‘Em Goiânia não tem motorhome, isso não existe’. Mas descobrimos que tem, sim. Inclusive, há um grupo com mais de 200 pessoas que viajam em Kombis e carros adaptados.”
Hoje, ela afirma com convicção: “Encontramos o negócio certo para esse local. Não me arrependo de forma alguma.” Os interessados acessem o Instagram do espaço: @taniafranco_motorhome_camping
Viver na estrada: caravanistas defendem mais estrutura e legislação
O aposentado Neri Ern, de 63 anos, e a companheira Izabel Bertholdi, de 61, trocaram a rotina fixa por uma vida sobre rodas. Naturais de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, o casal estava estacionado com seu motorhome na Chácara Girassol, em Goiás, um dos muitos pontos da jornada que iniciaram após a aposentadoria.
“Eu tenho meu motorhome já faz uns 20 anos, mas a gente passou a viver mesmo foi a partir de 2018, quando me aposentei. Aí deu para aproveitar um pouquinho melhor, né?”, contou Neri, que também foi o responsável por montar o próprio veículo. “Comprei a carcaça vazia. O banheiro foi a única parte que pedi para fazerem, porque eu não tinha noção. O resto eu fui fazendo conforme a vontade.”
Ao longo dos anos, Neri e Izabel já cruzaram o país. “Aqui no Brasil, eu já virei tudo. Fui de leste a oeste, até Brasília, depois segui pelas praias do Nordeste. Não lembro o nome de todas, mas posso garantir: estive em cada uma delas. Parava com a van e saía com a motinha que carrego, picando todas as praias”, relatou.

A única viagem internacional do casal com o motorhome foi à Argentina. “Foi uma experiência muito boa. O povo de lá, ao contrário do que dizem por aqui sobre rivalidade com os brasileiros, é muito amável e acolhedor”, afirmou Neri.
Izabel compartilha do entusiasmo e destaca o espírito de liberdade que a vida nômade proporciona. “Gostamos de muitas coisas em comum, mas ele tem um ditado: quando pergunto para onde vamos, ele diz ‘a gente aponta o nariz para fora, e para onde o vento soprar, é para lá que vamos’”, brincou.
Sobre a estrutura encontrada na Chácara Girassol, ambos foram só elogios. “A Tânia é uma pessoa maravilhosa, excepcional. Ela recebe a gente com tanto carinho que a gente fica até meio atrapalhado. E o povo goiano também, muito solícito. Ontem mesmo, quando precisamos de ajuda, fomos prontamente atendidos”, relatou Neri.
Apesar dos bons momentos, o casal aponta deficiências na estrutura para viajantes como eles em território nacional. “Falta muita coisa, principalmente legislação. Muita gente sai por aí com carro adaptado ou trailer, mas descarta o lixo de qualquer jeito, jogando na rua. Isso prejudica quem faz tudo certo”, alertou Neri. “Tem cidade que proíbe a entrada de motorhome por causa disso. É um absurdo.”
Para ele, a falta de normas prejudica tanto os viajantes quanto os moradores locais. “Tem que haver uma legislação que proteja a gente e a população. Assim como estamos desassistidos, há muitos abusos por parte de quem acampa em qualquer lugar e joga detrito na beira da estrada. Isso tem que acabar.”
“É liberdade total”, diz aposentado
O aposentado Gilmar Batista Dias, de 69 anos, escolheu viver a aposentadoria de forma diferente: sobre quatro rodas. Ele aproveitava o ponto de apoio para viajantes na Chácara Girassol, quando contou sua trajetória no universo dos motorhomes.
“Eu já sabia o que eu queria. Só esperei minha esposa se aposentar — ela era professora, e aí começamos essa vida.” A decisão de transformar uma van em casa sobre rodas surgiu durante a pandemia. “Sempre tive essa vontade. Comprei a carcaça de uma van Iveco e outra pessoa montou para mim. Escolhi esse modelo porque tem uma altura boa e espaço suficiente para uma cama confortável. Descanso é sagrado, né? Um terço da vida a gente passa deitado.”
Desde então, ele tem feito viagens esporádicas. Já cruzou fronteiras até a Argentina duas vezes e explorou o Nordeste brasileiro. Mas há também uma questão prática: “Precisei deixar o motorhome documentado aqui em Goiânia por causa da isenção de IPVA para veículos com mais de 15 anos. Goiás proporciona isso. É uma economia importante.”

Além da economia, o convívio social é um dos grandes atrativos da vida nômade. “A gente faz muitos amigos na estrada. Conheci um casal de Rondônia e, em Salta, na Argentina, encontrei o Airton, de Rio Verde. Essas amizades são inesquecíveis.”
Gilmar também destaca a importância de locais estruturados para receber motorhomes. “Descobri a Chácara Girassol por meio do aplicativo Overlander, que é alimentado pelos próprios usuários. Aqui é um ponto de apoio excelente. Falta isso no país. Em muitos lugares, a prefeitura até cede espaço, mas sem estrutura. Às vezes tem água e luz por dois ou três dias, mas o problema é que tem gente que abusa e fica meses.”
Para ele, o respeito às regras é essencial para a convivência. “Estacionar é uma coisa, acampar é outra. Tem que estar em local apropriado. E claro, nada de jogar água suja ou esgoto na rua. Isso afasta a população e faz os municípios restringirem o acesso.”
O próximo destino de Gilmar é Barra do Garças, em Mato Grosso. Mas ele já pensa nos próximos passos. “Tenho planos de fazer uma nova viagem para o Nordeste, talvez no fim deste ano ou começo do próximo. A sensação é de liberdade plena. Depois dos 60, meu amigo, é tudo liberdade.”
“É muita liberdade”; diz professor
O professor Márcio José de Oliveira, de 54 anos, natural de Dourados (MS), aproveitava o ponto de apoio da Chácara Girassol, em Goiânia, ao lado da esposa e de um dos filhos, a bordo de seu motorhome. Ele conta que o desejo por esse estilo de vida surgiu há mais de uma década, mas só se concretizou há pouco menos de três anos.
“Na verdade, isso me atraiu já tem uns 15 anos”, afirma. O maior desafio, segundo ele, foi convencer a esposa, que tinha receio dos custos, da segurança nas estradas e da experiência em campings. “Esse processo de convencimento durou uns 15 anos. Até que um dia ela disse: ‘É um sonho seu, estou junto, vamos realizar’”, relembra.
Com o veículo adquirido há cerca de dois anos e oito meses, Márcio tem aproveitado as férias escolares para explorar o Brasil com a família. Goiás, em especial, é um destino recorrente. “Já é a terceira vez que venho aqui. É o que eu imaginava: sair sem pressa, parar onde quiser, fazer o que quiser. É muita liberdade”, destaca.

Ainda em atividade profissional, o professor planeja intensificar as viagens após a aposentadoria. “Estou esperando ela chegar para aproveitar mais. Quando chegar, ninguém me segura. O motorhome vai ser minha casa principal.”
Márcio elogia a estrutura do local onde está hospedado: “O espaço da Tânia é excelente. Quem dera que em todas as cidades tivesse um local assim. Aqui temos tudo que precisamos, tem até piscina aquecida e academia. É um ambiente seguro, dá até pra deixar o motorhome aberto.”
Casal larga tudo para viver em trailer
Marcus Martins de Souza Macedo, 55 anos, ex-bancário e empresário, decidiu mudar completamente de vida. Ao lado da esposa Fabiana Macedo, deixou a casa fixa em Jarinu (SP) e, há cerca de sete meses, vive sobre rodas em um trailer, viajando pelo Brasil.
“A ideia surgiu em 2018, quando fizemos uma viagem para Ushuaia, na Argentina. Fomos de carro e, durante o trajeto, vimos vários motorhomes, trailers, campers. Aquilo plantou uma semente”, conta Marcus. “Mas a decisão só veio mesmo em 2024, após muita pesquisa e vídeos na internet.”
Fabiana, no início, não estava tão convencida. “Foi difícil convencê-la. Quem me ajudou foi a dona de um camping em Itu, no interior paulista. Em meia hora de conversa, ela fez o que eu não consegui em dois anos”, lembra, aos risos.
O casal morava há dez anos em Jarinu, cidade com cerca de 30 mil habitantes. Tinham uma rotina estável: alugavam casa enquanto investiam na construção e venda de imóveis. “Construímos cerca de duas dúzias de casas, mas sempre moramos de aluguel para manter o capital girando”, diz Marcus. Quando decidiram adotar a vida nômade, renunciaram a tudo e se propuseram a viver pelo menos um ano na estrada. “Agora já estendemos para um ano e meio.”
Desde que iniciaram a jornada com o trailer, acumularam histórias em diversos lugares. “Ficamos um mês em Maresias, que é um bairro de São Sebastião (SP). Lá, a gente fazia tudo a pé ou de bicicleta. Conhecemos outras praias da região. Foi uma delícia”, relata Marcus. “Também passamos por Mairiporã, Itatiba, Itu… e em todos os lugares conhecemos pessoas incríveis.”
Apesar das vantagens, Fabiana alerta que a vida no trailer não é um mar de rosas. “As pessoas romantizam muito. Não é férias todo dia. Cada novo lugar exige adaptação. Você não conhece o espaço, os vizinhos, a estrutura…”, explica. “Tem o desafio do espaço pequeno, da rotina apertada. Uma simples insônia vira problema, porque você não tem para onde ir sem incomodar o outro.”

Outro ponto difícil, segundo ela, é a logística. “Na casa, a gente fazia compras e estocava tudo. No trailer, não dá. Tem que viver no modo essencial.”
Fabiana admite que foi resistente no início, mas hoje não se arrepende. “Valeu muito a pena. É uma experiência transformadora. Faz você lidar com desconfortos, com diferenças. Mas também te faz crescer. A gente se reconecta como casal, como ser humano.”
O plano é continuar rodando enquanto for prazeroso. “A gente sabe que não vai durar para sempre. Uma hora vamos encontrar um lugar que nos encante e talvez a gente pare, construa ou alugue uma casa ali. Mas sem pressa”, diz Marcus. “Nada nos prende.”
Parada em Goiânia

Durante passagem por Goiânia, o casal se hospedou no espaço da dona Tânia. “Aqui é excelente. Tem água, energia, descarte de resíduos, piscina, academia, horta. Tudo que precisamos. E ainda estamos perto de uma capital, com cinema, shopping, restaurantes”, elogia Marcus.
Era a primeira vez dele na cidade. “Já tinha ido ao Rio Quente, mas não conhecia Goiânia. Achei muito bem planejada, diferente das cidades antigas do interior de São Paulo. Gostamos bastante.”
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