Decreto do Governo determina aviso prévio para operações policiais em órgãos públicos
15 março 2019 às 15h35

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Sindicato dos Delegados e OAB criticam o texto, que pode abrir brechas para que investigados sejam alertados sobre diligências policiais

Decreto do governador Mauro Carlesse (PHS), publicado nesta semana no Diário Oficial do Tocantins, com novos procedimentos operacionais para a Polícia Civil, foi alvo de críticas de entidades representativas da categoria e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Tocantins. Segundo os críticos, o decreto pode prejudicar os trabalhos de investigação conduzidos pela PC.
O Decreto determina, no artigo 75, que “busca em repartições públicas, quando necessária, será́ antecipada de contato com o dirigente do órgão onde será́ realizada, aplicando-se, no que couber, o previsto nesta Seção”. Já o parágrafo primeiro diz que “quando a comunicação com o dirigente ou responsável do órgão puder frustrar a diligência a ser realizada, a busca realizar-se-á sem esta, mediante prévia autorização do Delegado-Geral de Polícia Civil, em despacho fundamentado”.
Na opinião de especialistas, o precedente frustra e aniquila qualquer operação policial, pois não tem garantias de que o alvo de uma investigação não seja alertado antecipadamente. As operações policiais, principalmente aquelas que investigam crimes de corrupção, têm o sigilo absoluto como princípio. Por tal razão, segundo analistas ouvidos pela reportagem, não há sentido em uma legislação que contenha tais limitações, pois feriria o estado democrático de direito e o código de processo penal.

Segundo a OAB-TO, “o decreto causou estranheza à classe jurídica, pois traz limitações impostas pelo Governo do Estado ao trabalho da Polícia Civil em procedimentos investigatórios.” Na concepção do presidente da OAB-TO, Gedeon Pitaluga, o decreto pode ferir dispositivos legais e constitucionais e é papel da entidade “analisar, como guardiã da Constitucionalidade e representante da sociedade civil organizada”. “O governo não pode fazer o que bem entender no Estado Democrático de Direito e a OAB tem como missão garantir a aplicação da régua constitucional, que estabelece limites aos Poderes, ao Estado. Vamos analisar o decreto e se houver qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade no documento, a OAB-TO tomará medidas cabíveis para fazer garantir o Estado de Direito”, pontuou Pitaluga.
Na mesma linha de pensamento, o presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil (Sindepol), Mozart Felix, emitiu nota à imprensa em que questiona o artigo 74 do referido decreto, que menciona que o cumprimento de mandados especiais em órgãos públicos deve ser previamente informado aos seus respectivos dirigentes e caso a comunicação venha prejudicar a diligência em si, deve ser solicitada autorização do Delegado-Geral para dar sequência à operação. Segundo o dirigente, “tal afirmação entra em conflito com o nosso ordenamento jurídico, pois o artigo 116 da Constituição Estadual do Tocantins relata que o delegado de Polícia possui independência funcional, tendo o delegado-geral a função administrativa. Em relação às investigações, cada delegado é seu próprio chefe, atuando dentro da legalidade e com independência funcional.”
Ato contínuo, pontuou Felix que o “decreto, em momento algum, levou em consideração o interesse público, eis que tolhe inúmeras prerrogativas da Polícia Civil do Tocantins, quando ela é nacionalmente reconhecida em razão do intenso e frutífero trabalho de combate à corrupção e aos crimes contra a administração pública, reiterando que o sindicato juntamente com a assessoria jurídica está tomando medidas com relação ao decreto, uma vez que é ilegal e inconstitucional.”

Em entrevista coletiva, o secretário de Segurança Pública, Cristiano Sampaio, negou que o ato busca interferir nas investigações, mas sim de “evitar o espetáculo midiático”. O gestor esclareceu que o ato do governador trata de normas para os procedimentos policiais que nada influenciam nas investigações que, segundo o próprio destacou, são regidas por leis federais, pelo Código Civil e Penal, e pela própria Constituição. “A PC continua tendo toda a liberdade de investigação, todos os instrumentos, e isso não se altera em nada. O que a gente está se preocupando é evitar um espetáculo midiático que não fortalece a polícia”, rechaçou.
O secretário destacou que todos têm o direito de ir ao Judiciário questionar a legalidade do ato, mas destaca que “se preparou” para isto. “A gente espera a judicialização, é natural que aconteça”, comentou.
A norma será encaminhada à Assembleia Legislativa do Tocantins para estudos, deliberações e votação, que poderá aprovar ou não, a redação do decreto. Contudo, a certeza é que haverá um acalorado debate no parlamento, face ao excessivo número de artigos polêmicos.