A 2ª Turma Recursal da Justiça Federal em Goiás reconheceu o direito de uma idosa ao Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) e reforçou uma interpretação social e humanizada do critério de miserabilidade. A decisão, relatada pelo juiz federal Márcio André Lopes Cavalcante, foi publicada em 30 de agosto e transitou em julgado em 1º de outubro de 2025.

A sentença original havia negado o benefício sob o argumento de que a requerente possuía um imóvel próprio, um veículo antigo e tinha um filho com renda superior a R$ 5 mil. Ao reformar a decisão, o colegiado reconheceu que a posse de bens de baixo valor não descaracteriza a vulnerabilidade social quando esses itens são essenciais para a sobrevivência e a mobilidade da pessoa com deficiência ou idosa.

“A posse de veículo antigo e de baixo valor econômico não descaracteriza a condição de miserabilidade, quando o bem é utilizado para deslocamentos essenciais”, afirmou o relator.

Ao Jornal Opção, o advogado e secretário-geral da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-GO, Marcus Vinícius Santos Cardoso, explicou que a decisão é importante porque reconhece o contexto social do beneficiário e reforça que a vulnerabilidade não se mede apenas pela posse de bens. “O fato de a pessoa ter bens móveis ou imóveis não descaracteriza a vulnerabilidade social. Em alguns casos, como esse, o bem é indispensável para que o beneficiário consiga se locomover ou realizar atividades básicas do dia a dia. Não é um item de luxo, mas uma necessidade”, afirmou.

Marcus Vinícius Santos Cardoso | Foto: Acervo pessoal

Segundo ele, o tribunal reconheceu que a renda de filhos casados ou com domicílio próprio não deve ser computada no cálculo do grupo familiar, conforme já estabelecido pela Turma Nacional de Uniformização (TNU). “Essa decisão também reforça o conceito restritivo de grupo familiar. Filhos que têm outra família e responsabilidades não podem ser responsabilizados financeiramente por pais idosos. O BPC é um benefício de dignidade, não de riqueza”, explicou.

Para Marcus Vinícius, o julgamento da Turma Recursal cria um precedente relevante e tende a influenciar outras decisões semelhantes, beneficiando pessoas com deficiência e idosos que tiveram pedidos de BPC negados por critérios excessivamente formais.

“Essa decisão traz maior flexibilidade à análise da vulnerabilidade social. Quando se avalia o BPC, é necessário considerar não apenas a renda, mas o conjunto da situação: a deficiência, as limitações e as barreiras que impedem uma vida digna”, disse.

Ele também destacou a importância da avaliação biopsicossocial, que deve ser feita de forma integrada, considerando tanto o aspecto econômico quanto as limitações físicas, intelectuais ou sensoriais do requerente. “A avaliação não pode ser apenas financeira. É preciso entender o impacto da deficiência na vida da pessoa. A Justiça está avançando nesse olhar mais humano”, completou.

Quem tem direito ao BPC

Marcus explicou que o BPC é um benefício assistencial de prestação continuada, voltado a idosos e pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade. Para ter direito, é necessário cumprir dois requisitos principais:

  • Vulnerabilidade social — a renda per capita familiar deve ser de até meio salário mínimo, embora o critério possa ser flexibilizado em situações excepcionais;
  • Deficiência comprovada — que cause impedimentos de longo prazo, sejam eles físicos, intelectuais ou sensoriais, que dificultem a participação plena e efetiva na sociedade.

“A deficiência é tudo aquilo que impede a pessoa de ter uma vivência comum com os demais. Por isso, os laudos médicos e as provas sociais são fundamentais para comprovar a necessidade do benefício”, explicou.

O advogado disse, também, que muitas pessoas deixam de solicitar o benefício por falta de informação ou por acreditarem que não se enquadram nos critérios. “Ainda há muita desinformação. Muita gente com deficiência não busca o BPC por achar que não tem direito. O ideal é procurar o INSS, a Defensoria Pública ou um advogado especializado para verificar a situação”, orientou.

“O BPC traz dignidade para quem está em situação de vulnerabilidade. É um instrumento de justiça social, e decisões como essa mostram que o Judiciário está atento à realidade das pessoas”, completou.

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