Goiânia e Aparecida não encaminham pacientes para hospital de dependentes químicos

28 abril 2023 às 20h44

COMPARTILHAR
Goiás possui um hospital com a finalidade de cuidar e tratar de pacientes com distúrbios mentais, causados ou não por uso de drogas, e também de pessoas em situação de rua. E a unidade está preparada para receber pacientes vindos de todas as cidades goianas, garante Danilo Fiorotto. O Complexo de Referência Estadual em Saúde Mental Professor Jamil Issy (Cresm) – o antigo Centro Estadual de Referência e Excelência em Dependência Química (Credeq) –, que ele dirige, está localizado no município de Aparecida de Goiânia e é especializado em saúde mental e na reabilitação de pessoas dependentes de drogas ou de álcool.
Nesta semana, a reportagem do Jornal Opção encontrou lá uma mãe que procurava atendimento especializado para seu filho de 35 anos, dependente químico. Eles são moradores do Jardim Tropical, em Aparecida de Goiânia. Vilma dos Santos ligou no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) do Parque Veiga Jardim para tentar conseguir o encaminhamento para o hospital especializado, porém, a resposta não foi a que ela gostaria de ouvir: “Não estamos encaminhando para o Credeq”, disse a atendente.
O diretor Danilo Fiorotto confirma a existência de vagas ociosas no hospital e credita isso às falhas na regulação dos municípios. Ele afirma que já há mais de dois meses que Goiânia e Aparecida de Goiânia não enviam pacientes para a unidade.
Enquanto isso, dona Vilma padece. “Estou nessa luta para ajudar meu filho, que há mais de dez anos que é dependente de drogas e álcool, mas não é fácil. Meu filho nunca aceitou se tratar e, agora que ele aceita, é essa dificuldade que o senhor está vendo. É muita injustiça, ainda mais sabendo que existem vagas aqui (Cresm). Emerson dos Santos, 35, filho da dona Vilma, relata que quer se tratar, mas que tem medo de não conseguir. “Decidi ser ajudado, mas são tantas as dificuldades que já pensei até em desistir”, desabafa.
Fiorotto explica que o Cresm está dentro dos melhores padrões de qualidade, podendo ser comparado somente aos grandes hospitais psiquiátricos privados do eixo Rio – São Paulo, e ainda afirma que não há em nenhum outro estado da federação um hospital público dessa natureza. “O Estado de Goiás é pioneiro”, diz o diretor.
Além da parte hospitalar, existem também os espaços de convivência, como quadras esportivas, piscinas, campo de futebol, locais para jogos, capelas e uma horta onde é produzida as próprias hortaliças consumidas pelos internos. Na verdade, o local parece um condomínio fechado. Essa foi a percepção de um entregador por aplicativo que foi deixar uma encomenda no hospital, mas não conseguia encontrar o local, mesmo tendo passado várias vezes na porta. O rapaz disse não acreditar que aquele lugar tão bonito poderia ser um hospital. “Achei que fosse um condomínio”, disse.

O Cresm foi fundado em 2016 e é um hospital “100% SUS”, com média e alta complexidade. “Temos a parte ambulatorial, onde atendemos os pacientes com dependência química, e a parte psiquiátrica, onde atendemos outras morbidades clínicas. Há também internação para dependentes e os leitos de observação destinados a urgência e emergência”, diz. Existem ainda as unidades de acolhimento de longo prazo para aqueles pacientes mais vulneráveis, como os que estão em situação de rua, que podem ficar até seis meses na unidade. “Aqui é feito todo um trabalho de desintoxicação, de inserção social e familiar preparando o indivíduo para uma nova vida”, observa o diretor.

Para ele, a questão das pessoas que vivem nas ruas é um problema mais social do que de segurança pública e não adianta simplesmente mandá-las para um abrigo. “Eles precisam, sim, de um abrigo, mas também necessitam de tratamento”, destaca.
O diretor explica que, no início de suas atividades, o principal objetivo do hospital era o tratamento específico da dependência química e que a parte ambulatorial foi incluída posteriormente. A unidade de saúde é totalmente regulada e todos os pacientes são oriundos do SUS, com custo zero para a população atendida. Ele conta que são muitos os casos de sucesso em que pacientes são totalmente libertos dos vícios através do tratamento.
O número de pacientes atendidos desde a criação, bem como o de recuperados, impressiona. Até o momento foram 58. 578 atendimentos durante esses sete anos de criação, sendo que desse total, 51% receberam alta melhorada, ou seja, completaram o tratamento. Somente de janeiro a março de 2023, no atendimento ambulatorial foram 1.578 suportes e 260 internações. O diretor esclarece que são pacientes vindos de 132 municípios goianos. A supervisora multiprofissional, Ludmilla Rocha, explica que o Cresm trabalha com a modalidade Caps. A unidade possui dois núcleos que acolhem pacientes masculinos e um núcleo feminino. “No Caps temos duas alas: o leito de observação, que recebe pacientes que chegam com comorbidades sob efeitos de drogas, e o leito de acolhimento adulto, que recebe as pessoas em situação de rua, sem o apoio familiar, onde podem ficar por até seis meses. Eles passam por todo um processo de inserção social. Já o leito de observação, é uma internação rápida de até 14 dias para desintoxicação.”
Como conseguir uma vaga
Fiorotto informa que para conseguir uma vaga, os interessados devem procurar uma unidade de saúde, o Centro de Atenção Psicossocial (Caps), assistência social dos municípios e solicitar uma vaga para o Cresm. “Temos vagas disponíveis”, diz. Fiorotto deixa bem claro que a pessoa que possui transtorno causado pelo uso de substâncias frequentemente precisa de um período maior de tratamento que pode durar no mínimo três meses, contudo, essa é uma decisão do próprio paciente. “Não podemos obrigá-lo”, pontua.
As vagas são ofertadas para os 246 municípios goianos, reitera Danilo Fiorotto. Ele credita as vagas ociosas às falhas na regulação dos municípios e cita os exemplos de Goiânia e Aparecida de Goiânia que há mais de dois meses não mandam pacientes para a unidade. “Temos informações de que chegam diariamente no hospital psiquiátrico Wassily Chuc cerca de 100 a 150 pacientes. Eles não têm para onde encaminhar essas pessoas ou encaminham para os Caps AD, que são unidades voltadas para os usuários de drogas e álcool. Já que os municípios não têm onde atender toda essa população, deveriam facilitar o encaminhamento e não dificultar”, avalia o diretor.
Fiorotto ressalta, porém, que o Caps opera com superlotação e afirma que o não encaminhamento está ligado ao viés ideológico da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) à qual os Caps estão ligados, que é a luta antimanicomial. De acordo com Fiorotto, o Credeq foi criado sem o aval da Raps, que acusa o Cresm de ser um manicômio, o que, para ele, não é verdade. A outra possibilidade, segundo ele, é um problema dentro da própria regulação nos municípios citados, já que ambos possuem regulação própria. “Enquanto isso, muitos pacientes estão morrendo por falta de atendimento adequado. O Ministério Público precisa ver isso”, alerta.
O profissional revela que são muitos os casos de pessoas em situação de rua que aparecem espontaneamente na unidade em busca de atendimento e, nesses casos, é feito um atendimento inicial no âmbito de orientar essas pessoas sobre quais os procedimentos devem ser tomados. “É triste ter que dispensar uma pessoa que vem até nós em busca de ajuda. Toda via, o sistema é burocrático e não podemos fazer de outra forma”, disse. Danilo Fiorotto ressalta que a instituição tem buscado formas de atender essas pessoas de forma direta sem a necessidade da regulação, mas ainda não obtiveram respostas.
Perguntado se há projeto para a expansão do Cresm para outras regiões do Estado, Fioroto comunica que existem os Credeqs que estão prontos, mas que ainda não atendem à demanda pela qual foram projetados como, os de Quirinópolis e Goianésia. O de Goianésia foi transformado em uma policlínica.
Casos de sucesso
Adriano Zildemberg, de 43 anos, faz parte dos resultados bem-sucedidos e hoje trabalha no próprio hospital. É natural do Ceará, mas mora em Goiás há 27 anos. Adriano lembra que antes de conhecer o Cresm a vida descia ladeira abaixo, como um carro sem freio. “Tive uma fase muito difícil da minha vida por causa do vício da cocaína e por muitos anos pensei que conseguiria sair sozinho, mas percebi que seria impossível. Nesse momento eu fui atrás de ajuda, e o pessoal da comunidade Luz da Vida me estendeu a mão conseguindo uma vaga aqui no Cresm. Isto foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Hoje estou recuperado e trabalhando”, disse agradecido.

Lorrayne Viana,27, assistente social, moradora de Carmo do Rio Verde (GO), que aguardava um atendimento de retorno, relata que teve Covid-19 e durante o tratamento da doença, começou a ter crises de ansiedade, sendo encaminhada para um psiquiatra. “A própria secretaria de saúde me mandou para o Cresm e já fazem seis meses que estou sendo tratada aqui. Graças a Deus já estão reduzindo meus medicamentos, já me sinto bem melhor. O atendimento aqui é muito humanizado, uma equipe maravilhosa, eu recomendo para todos que precisam. Aqui é o melhor lugar”, disse emocionada.
Respostas
Em nota, a Secretaria de Saúde de Aparecida de Goiânia informa que os pedidos médicos de internação para tratamento de dependência química dos pacientes atendidos na rede municipal, seja em unidades de urgência ou ambulatorial, são inseridos no sistema e encaminhados para a Central de Regulação Estadual. O órgão é responsável pela regulação do Credeq, unidade referência para esse tipo de tratamento.Também por meio de nota, a Secretaria de Saúde de Goiânia esclarece que não procede a informação de que o Caps AD possui superlotação. Além disso, não há fila de espera de paciente com perfil para o Credeq.
Diante do aumento de pessoas em situação de rua em Goiânia, cenário que vem sendo mostrado através de algumas reportagens pelo Jornal Opção nos últimos dias, criou-se a expectativa para saber dos poderes públicos tanto municipal quanto estadual sobre as ações que estão sendo feitas para solucionar o problema. Observa-se que a administração da capital, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (SMDHS), tem se esforçado para minimizar o sofrimento dessas pessoas e consequentemente os danos para toda a sociedade.
Marcos Prado, chefe da gerência especializada para pessoas em situação de rua da SMDHS, observa que, apesar de a secretaria oferecer formas de ajuda, muitos não aceitam e acabam ficando nas ruas por que já eram viciados em drogas ou álcool. Diz ainda que são pessoas que conheceram as drogas na convivência com colegas que vivem nas mesmas circunstâncias e por isso rejeitam, por exemplo, irem para as duas casas de acolhidas.
A reportagem questionou o gerente e a secretária, Maria Yvelônia, se a Prefeitura possui ou se há algum projeto para estabelecer um lugar que trate e reabilite dependentes. Ambos foram enfáticos em responder que desconhecem qualquer projeto nesse sentido mantido pela Prefeitura.
Cilas Gontijo é estagiário do Jornal Opção em convênio com a UniAraguaia, sob a supervisão do editor PH Mota.