Entenda a crise nas maternidades de Goiânia e como ela pode estar prestes a acabar
16 agosto 2025 às 21h00

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Em uma tarde de terça-feira, 12, Célio aguardava o fim do trabalho de parto de sua nora, que não teve o nome divulgado, no Hospital Maternidade Dona Iris (HMDI). Segundo informou o familiar ao Jornal Opção, a gestante demorou dias a fio até que fosse atendida no HMDI, uma vez que teve o atendimento recusado no Hospital Maternidade Célia Câmara (HMMCC) por apresentar dificuldades em relação a um quadro de diabete.
Após chegar na unidade, contudo, enfrentou outra barreira com a exigência do parto normal, em vez da operação do parto pela cesária. “Obrigaram ela a fazer o parto normal por falta de insumos, mas graças a Deus deu tudo certo”, informou o parente à equipe de reportagem.
A poucos metros da saída do hospital, em um restaurante na avenida Alameda Emílio Póvoa, outra família, que não quis se identificar, afirmou ter enfrentado uma situação similar na mesma unidade de saúde. Segundo o familiar, um procedimento de laqueadura foi cancelado devido à falta de insumos para fazer a operação, operação que estava marcada com antecedência para após o parto de uma criança do casal.

Este cenário de escassez de insumos nas unidades das maternidades segue desde o final do ano de 2024, quando fornecedoras de insumos hospitalares recusaram o envio de produtos devido à falta de pagamento por parte da Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (Fundahc/UFG). A falta de insumos com os atrasos salariais levou à impossibilidade de manter os atendimentos ambulatoriais para a população.
Atrasos e desvio do erário
A falta dos repasses pelo desvio também atingiu as Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e os Centro de Atenção Integrada à Saúde (CAIS), que tiveram uma precarização do serviço. Em meados de novembro, seis pessoas morreram na fila de espera de atendimento de várias clínicas do município. Este período ficou conhecido como a crise da saúde municipal, e por um mês a cidade de Goiânia teve um interventor estadual na área da saúde — o médico Márcio de Paula Leite.
Nos bastidores, a causa desses atrasos foi constatada por desvios de verba pública propagadas por gestores da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) na gestão de Rogério Cruz (SD), na época encabeçada pelo médico Wilson Pollara. Os desvios foram apurados na operação Speedy Cash (dinheiro rápido, em português) da Polícia Civil de Goiás (PC-GO) em que identificou pagamentos adiantados para fornecedores da SMS na ordem de R$ 10 milhões. Pelo esquema, Pollara continua preso.
Além do titular, foram alvos de mandados de prisão o ex-secretário municipal executivo de saúde, Quesede Ayres Henrique; Marcus Vinícius Brasil Lourenço, presidente da Associação União Mais Saúde, empresa investigada por receber os desvios; Wander de Almeida Lourenço Filho, procurador da União Mais Saúde e Veriddany Abrantes de Pina, sócia-administradora da empresa de fornecimento de materiais hospitalares Mult Hosp Soluções Hospitalares LTDA.

Com o cenário de crise, o então prefeito eleito, Sandro Mabel (UB), e o governador do Estado, Ronaldo Caiado (UB), articularam a redação de dois pedidos de calamidade aprovados no início do mandato de Mabel, um de ordem financeira e outra para a saúde. Com os pedidos, a gestão municipal estudava a substituição da Fundahc no comando das maternidades pelo alto valor do repasse, no valor de R$ 19 milhões.
Ao mesmo tempo, a SMS, agora com o titular Luiz Pellizzer, recebia um estudo técnico que comparava os níveis operacionais da Funcahc com o de outras OSS, como o do Instituto de Gestão e Humanização (IGH) que administra o Hospital Estadual da Mulher (HEMU).
Segundo os dados obtidos pelo Jornal Opção, a Fundahc opera com uma produção equivalente a 64% do total de atendimentos do HEMU — que tem custo mensal inferior em média de R$ 9,6 milhões. Além disso, os atendimentos dos setores neonatais possuem um custo unitário menor de R$ 2.332,01, frente a das maternidades, com R$ 2.594,90 do HMDI, por exemplo.
Outro ponto destacado no estudo foi a diminuição dos serviços e o não cumprimento de metas desde o ano de 2021 encontrado nas três maternidades. As taxas de Exames Eletivos, Consultas Ambulatoriais Eletivas, Taxa de Ocupação de Leitos e Saídas Hospitalares registraram faltas, sobretudo no final do ano de 2024, com o fechamento de serviços de porta aberta e o andamento da crise. Em uma das apurações, é apontado que o HMMCC apresentou uma “falha crítica na produção ambulatorial entre setembro e dezembro de 2024, com 97 e 42 consultas, respectivamente — o que representa menos de 7% da meta contratual.”
Além disso, a SMS afirma que a Fundahc fez o uso indevido do fundo rescisórios para fazer pagamentos de serviços administrativos, inclusive, um destes pagamentos terai sido feito para a compra de um veículo sem previsão no plano de trabalho identificado na prestação de contas do mês de abril de 2019, relativo ao Convênio 05/2018.
Outro ponto levantado pelo estudo diz respeito às limitações de governança das Fundahc pela configuração da instituição, uma vez que deve fazer todos os ritos processuais e legais na compra de contratação e na compra de materiais. Pelo entendimento da SMS, as OSS possuem mais flexibilidade para operar em situações críticas que demandam com mais liberdade para: dispensa de licitação em muitos casos; contratação direta de pessoal e aquisição rápida de insumos.
Transição
Com os dados em mãos, a administração começou o processo de desligamento do contrato com a Fundahc pelo pedido de rescisão unilateral do contrato, enquanto fez, em junho de 2025, o chamamento público para novas OSS administrarem o serviço.
Paralelamente, foram formadas três comissões de transição para supervisionar os trabalhos e colher informações das unidades, bem como identificar as principais demandas, segundo o supervisor dos colegiados pela SMS, Frank Cardoso, à equipe de reportagem. Similarmente, foi informado que as reuniões do grupo acontecem quase diariamente, incluindo visitas presenciais nos hospitais com equipe das instituições escolhidas.
Em resposta às alegações, a Fundahc alega que não houve qualquer quebra do contrato, e ainda afirma que a SMS tem uma dívida aberta de R$ 158 milhões à organização pela falta dos pagamentos. Além disso, Angelita Lima, reitora da UFG, em entrevista, reitera que a organização não descumpriu qualquer medida do contrato e a rescisão unilateral por descumprimento não é juridicamente cabível. Ela defende uma “rescisão tripartite, negociada e consensual” para garantir que a população “não sofra nenhum dano com esse processo.”

Da mesma forma, reafirmam que é a SMS, e não a UFG, a parte inadimplente do processo. “Em síntese, o Município de Goiânia é a parte inadimplente dos convênios, enquanto descumpriu a sua obrigação principal de repasse dos recursos financeiros necessários à manutenção das unidades de saúde, o que teria gerado os percalços ocorridos”, afirmou o recurso da UFG para a Controladoria da Prefeitura.
Em contrapartida, Cardoso confirma que houve falha nos pagamentos em 2024, contudo, de janeiro a julho de 2025 foram repassados mais de R$ 116 milhões a Fundahc, o que “seria o suficiente para a cobertura dos serviços prestados, haja vista a redução do volume de serviço.”
Sobre o uso do fundo rescisório, Angelita comenta que a Fundahc utilizou os recursos para fazer os pagamentos para “manter o funcionamento e em alguns momentos do próprio recurso da fundação” para evitar o fechamento das maternidades, o que “não pode alegado como um uso indevido.”
Escolha dos nomes
Após o chamamento público, três instituições foram escolhidas para fazer o gerenciamento das maternidades, sendo a Associação dos Hospitais Beneficentes Do Brasil (AHBB), de São Paulo (SP), para gerir o Hospital Maternidade Nascer Cidadão (HMNC), no valor de R$ 1.998.455,59; o Hospital Beneficente São José de Herculândia (HBSJH), também paulista, para administrar o HMMCC no valor de R$ 5.120.007,82 e o Instituto Patris, de Mato Grosso (MT), para comandar o HMDI por R$ 5.572.316,08. Juntas, as três instituições devem receber R$ 12.690.779,49 para administrar as redes públicas, uma diferença em torno de R$ 7 milhões do que a Fundahc recebia.
Os valores foram oficialmente confirmados nesta última sexta-feira, 15, quando o município publicou as justificativas de dispensa de licitação das três maternidades no Diário Oficial do Município (DOM). Com a publicação, é esperado que a gestão finalize o processo em breve, tendo em vista que a disputa acirrada nos bastidores tenta derrubar os esforços do Paço.

O Jornal Opção conversou com funcionários de cada uma das três instituições para entender como o processo tende a afetar os especialistas da saúde. Um fonte do HMNC, que não pode se identificar, afirmou que os funcionários da Fundahc estão apreensivos com o futuro, sem informações claras sobre se serão aproveitados, como serão os salários e se haverá acerto de contas.
Uma das fontes do HMCC ouvidas pela redação afirmou que Patris já assinou a carteira de funcionários do HMDI, contudo, num valor menor do que o oferecido pela Fundahc e sem benefícios. Um dos exemplos oferecidos foi o salário de R$ 3.800 para um especialista da saúde.
A mesma funcionária do HMCC afirmou à reportagem que a ausência dos repasses levou a falta de insumos como oxigênio e medicamentos. Sobre isso, contou que a equipe da SMS esteve na unidade e ameaçou fechar o atendimento da maternidade pela falta dos materiais hospitalares, contudo, não o fizeram. Para ela, a permanência da Fundahc é imprescindível pela gama de exames oferecidos nas maternidades como vacinação, teste da linguinha, e registro de crianças, serviços que “nem maternidade particular não tem”, afirmou.
Além disso, uma especialista da HMDI afirmou que a transição está ruim para a equipe desde a exoneração dos médicos vinculados a pessoas jurídicas. “Até hoje, pelo menos, os médicos não foram chamados para encerrar os contratos. Mas a escala [de trabalho] está vindo péssima”, afirmam. Por fim, relata que a Patris e a SMS fazem visitas presenciais no HMDI corriqueiramente, contudo, não foi informado detalhes, uma vez que a conversa fica ao nível administrativo.
