Retrato falado: conheça o minucioso trabalho policial de identificar pessoas

30 agosto 2025 às 11h49

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Como em uma espécie de quebra-cabeça, o papiloscopista constrói, peça a peça, o retrato falado do possível autor de um crime. A técnica, porém, exige muito mais do que a habilidade de desenho, incluindo, por exemplo, a psicologia para extrair os detalhes da fisionomia do criminoso gravado na mente abalada da vítima.
Em média, cinco retratos falados são criados por mês em Goiás. O trabalho é um tradicional processo utilizado pela polícia para ajudar a identificar suspeitos e procurados em casos específicos, principalmente em ocorrências de crimes sexuais e tentativas de assassinato.
O superintendente de identificação humana de Goiás, delegado Webert Leonardo, ressalta a importância do retrato ao afirmar que o trabalho levou à prisão dois dos mais conhecidos serial killers brasileiros: Francisco de Assis Pereira — o Maníaco do Parque, e Tiago Henrique, conhecido como Maníaco de Goiânia. Esse último considerado o maior matador em série dos últimos 60 anos, além de ser o responsável pela maior e mais complexa investigação da história da Polícia Civil de Goiás (relembre abaixo).
“É uma ferramenta muito importante na investigação criminal. Ele serve, primeiro, para reduzir o número de suspeitos, porque quando a vítima descreve características fisionômicas do autor, a polícia diminui universos de suspeitos e foca os esforços em um grupo menor de indivíduos, com características semelhantes”, explica Webert.

Atualmente, em Goiás, são 10 profissionais especializados no retrato falado. De acordo o superintendente, embora o trabalho por muito tempo foi feito à mão, a técnica perdeu espaço com o avanço da tecnologia. Hoje, os trabalhos são feitos quase que exclusivamente com ferramentas de informática, como softwares e Inteligência Artificial (IA), que ajudam na confecção da imagem.
O primeiro retrato falado feito de forma virtual no Estado foi divulgado em 10 de junho de 2021. A ferramenta possibilita que a vítima dê informações sobre as características físicas de criminosos por meio de videoconferência. A primeira vítima que realizou o procedimento foi uma mulher, na época com 23 anos, que foi abusada sexualmente em 24 de maio do mesmo ano, em Iporá. O criminoso estava em uma moto quando a abordou e cometeu o crime.
“Os crimes em que essa diligência se mostra como uma diligência importante são aqueles em que normalmente não há testemunhas do fato, quando o autor aborda a vítima e somente eles estão ali na cena do crime. São crimes que normalmente não tem testemunhas, crimes que ocorrem em ambientes premeditados, homicídios, situações que envolvam estelionato, estupros, roubos. Normalmente não há outros elementos que ajudem na investigação a exemplos de testemunhas”, reforça.

Identificação de desaparecidos
Outra característica importante do retrato falado, segundo Webert, é que ele auxilia na localização de pessoas desaparecidas. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 3.789 pessoas desapareceram em Goiás em 2024 — uma média de 10 por dia.
Mesmo pessoas que estão desaparecidas há anos, como mostrado pelo Jornal Opção nos casos Murilo Soares, Camila Lagares e Tamilys Ferreira da Silva, é possível realizar técnicas de retrato falado para auxiliar nas buscas e na possível localização das vítimas, dando esperança a famílias que esperam reencontrar entes queridos.
“Há casos em que pessoas desaparecem e a família traz fotos antigas dessa pessoa desaparecida, e gente aqui da superintendência de identificação humana, com a nossa equipe técnica altamente especializada de papiloscopistas, consegue através de muito estudo técnico e científico fazer, por exemplo, uma projeção de envelhecimento dessa pessoa de forma que nós conseguimos por meio dessa técnica especializada atualizar aquela fotografia antiga”, conta.
A visão do retrato falado, porém, depende da capacidade de memória e descrição da testemunha, do tempo ocorrido desde o evento e, principalmente, do profissional técnico especializado para colher essas informações. Todo o processo requer um alto grau de concentração e profissionalismo para conseguir ter êxito.
Porém, o trabalho também conta com desafios. De acordo com o delegado, as maiores dificuldades enfrentadas para que essa ferramenta venha a ser feita da forma mais eficiente possível estão relacionadas à baixa iluminação nos locais de crime.
Apetrechos utilizados pelos criminosos, como bonés, óculos e acessórios também dificultam o trabalho, visto que a vítima tem maior dificuldade em captar as características dos indivíduos. A própria falta de capacidade da vítima de memorização devido ao choque provocado pelo crime também é um dos dilemas do trabalho.
“São detalhes bem subjetivos, bem complexos, tanto características do local do crime, exemplos de iluminação, questões relacionadas ao traje que o criminoso vestiu na hora do crime, bem como a capacidade de memorização e descrição de características marcantes que a vítima ou testemunha tem para que possam repassar isso às forças policiais. Então são detalhes que fazem toda a diferença para que essa ferramenta venha a ser utilizada de uma forma eficiente e que haja sucesso”, concluiu.
Tiago Henrique

O retrato falado foi fundamental para elucidar o caso Tiago Henrique Gomes da Rocha, considerado o mais complexo da história de Goiás. O serial killer foi preso em 14 de outubro de 2014, durante uma mega força-tarefa da Polícia Civil para desvendar a onda de assassinatos na região da Grande Goiânia.

Quatro papiloscopistas atuaram na “caçada” que, inicialmente, convocou 16 delegados e 30 agentes de polícia. O trabalho minucioso levantou todas as características físicas dele e dos componentes da moto que utilizava, de forma que os agentes envolvidos identificariam, de primeira, se o vissem.
Antes de ser preso, de janeiro a agosto de 2014, o serial killer matou 16 pessoas, sendo 15 mulheres, de 13 a 28 anos, e um homem de 51. Desde que foi preso, Tiago vem enfrentando o banco de réus, que o condenou a quase 700 anos de prisão por 35 assassinatos, entre vítimas mulheres e pessoas em situação de rua. Tiago viveu a última década numa cela isolada do Núcleo de Custódia do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, onde continua atualmente